Ângela de Azevedo

dramaturga portuguesa, século XVII-XVIII

Ângela de Azevedo foi uma fidalga e dramaturga portuguesa dos séculos XVII e XVIII, que escreveu três peças de teatro, todas elas em língua espanhola.

Ângela de Azevedo
Dramaturga portuguesa
Ângela de Azevedo
A casa-solar da Torre das Pedras (Quinta de Azevedo), em Paredes da Beira, onde Ângela de Azevedo nasceu
Consorte Francisco de Ansiães de Figueiredo
Nascimento c. 1665
  Paredes da Beira
Morte c. 1723 (58 anos)
  Soutelo do Douro
Pai Tomé de Azevedo, governador da Praça-forte de Almeida
Mãe Maria de Almeida
Ocupação Escritora, Dramaturga

Biografia editar

Existem duas versões sobre a sua biografia.

Primeira versão editar

Segundo um escritor português do século XVIII, Damião de Froes Perym,[1] Ângela de Azevedo teria nascido em Lisboa, cerca de 1600, filha de um Fidalgo da Casa Real, João de Azevedo Pereira e de sua mulher, Isabel de Oliveira.[2] Perym escreve que ela teria sido apresentada a Isabel de Bourbon, mulher do futuro rei de Espanha, Filipe IV, durante uma visita do pai deste, o monarca Filipe III, a Lisboa.

Ângela de Azevedo ter-se-ia mudado para Madrid, onde entrou ao serviço da corte, como dama de companhia da referida Isabel de Bourbon, que reinaria de 1621 até 1644. Perym afirma que Ângela de Azevedo se casou algum tempo antes da morte da rainha Isabel (ocorrida em 1644), mas não diz qual o nome do seu marido. Após a morte deste, ela ter-se-ia retirado, com uma sua filha, para um convento beneditino em Portugal, onde teria permancido até à data do seu falecimento.

Segunda versão editar

No entanto, um outro autor português do século XVIII, Diogo Barbosa Machado, no segundo e no quarto volumes da sua Bilbiotheca Lusitana, apresentou uma versão muito diferente da vida de Ângela de Azevedo, afirmando ser ela filha de Tomé de Azevedo, comandante militar durante a Guerra da Restauração (1640 - 1668), e de sua mulher, D. Maria de Almeida.[3] [4]

O que dizem os estudos mais recentes editar

Pesquisas históricas recentes[5] corroboraram a versão de Barbosa Machado, mostrando - com base em documentos consultados em arquivos portugueses e espanhóis - que Ângela de Azevedo nasceu realmente na segunda metade do século XVII, por volta do ano de 1665,[6] em Paredes da Beira, filha de Tomé de Azevedo, governador do Castelo de Almeida, fidalgo da casa real,[7] etc. e de sua mulher, D. Maria de Almeida.[5]

Ângela de Azevedo era de origem nobre; nasceu e foi criada no chamado Solar ou Casa da Torre das Pedras, na quinta de Azevedo, em Paredes da Beira.[8] Essa propriedade, com origem remota nos Távoras e Azevedos, pertencia à sua família desde a Idade Média, e foi nela que se casou com Francisco de Ansiães de Figueiredo, em 1 de novembro de 1693. Depois do casamento, mudou-se com o marido para a localidade vizinha de Soutelo do Douro, onde passaria a maior parte do resto da sua vida e onde viria a falecer, antes do ano de 1723.[9]

Ângela de Azevedo não teve filhos do seu casamento. Tal como a sua irmã Luísa, que viria a herdar a Casa de Azevedo/Torre das Pedras, escrevia com igual fluência em português, espanhol e latim.[10] [11] Essa proficiência em línguas continuaria aliás em posteriores gerações da sua família, nomeadamente na pessoa do sobrinho-neto de Ângela de Azevedo, o padre Manuel de Azevedo (jesuíta) - distinto latinista, autor também de obras em italiano[12] - secretário do Papa Bento XIV.[13]

"Nunca abandonou o seu amado Portugal", e escrevia "para um público hipotético, que iria assistir a espetáculos em espanhol, um costume profundamente enraizado no século XVII em Portugal ". [14] Na época, o espanhol era uma língua bem conhecida do público português e muitas das companhias teatrais percorriam toda a península ibérica, apresentando-se também em Lisboa. Em todas as obras de Ângela de Azevedo manifesta-se uma forte consciência portuguesa, quer na localização dos enredos, quer nos temas abordados e nos elogios ao povo e ao país.[14]

A sua peça de teatro, " El muerto dissimulado", foi reeditada recentemente, acompanhada de tradução para inglês;[15] nesta obra, Ângela de Azevedo "desenvolve um discurso feminista, ao construir uma protagonista, Jacinta, que rompe com o tradicional papel feminino de objeto passivo para assumir o controle da narrativa e do enredo, sendo ela a personagem que se exprime na voz ativa".[16]

Ângela de Azevedo é uma das seis dramaturgas que se sabe terem escrito em castellhano, na Península Ibérica do século XVII.[17]

Obras editar

Escreveu várias peças de teatro, três das quais sobreviveram até o presente:

  • El muerto dissimulado ( Presumed Dead)
  • La Margarita del Tajo que dió nombre a Santarem
  • Dicha y desdicha del juego y devoción de la Virgen

Todos as três peças estão escritas em espanhol, mas com um enredo que decorre em Portugal. A primeira tem uma temática secular, enquanto as duas restantes têm temáticas religiosas.

Merece particular referência a peça "El muerto dissimulado", recentemente reeditada, como acima se referiu, em espanhol, com tradução inglesa.[18]

Nela, Ângela de Azevedo - além dos já referidos temas feministas - aborda questões como a inacessibilidade da verdade através dos sentidos, a metateatralidade e o travestismo (nas duas direções, da mulher para o homem e - mais raramente - do homem para a mulher). Isso proporciona um resultado altamente - e tudo indica que propositalmente - ambíguo, que por vezes chega a sugerir ao leitor que se está abordando a questão da homossexualidade.[19]

Referências

  1. Perym, Damião de Froes (1740). Theatro Heroino, abecedario historico, e catalogo das mulheres ilustres em armas, letras acçoens heroicas e artes liberais, Lisboa Occidental, Officina de Musica de Theotonio Antunes Lima. Lisboa Occidental: Officina de Musica de Theotonio Antunes Lima, 
  2. Biographical Dictionary of the Society for the Diffusion of Useful Knowledge (em inglês). [S.l.]: D.F. Robinson. 1827 
  3. Barbosa Machado, Diogo (1741). Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica. Tomo II. Robarts - University of Toronto. Lisboa: Officina de Antonio Isidoro da Fonseca. p. 247 
  4. Barbosa Machado, Diogo (1741). Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica. Robarts - University of Toronto. Lisboa: Officina de Antonio Isidoro da Fonseca. pp. 19–20 
  5. a b Provenzano, Serena (2019). «La carrera vital de Ángela de Azevedo. Estado de la cuestión y nuevas aportaciones». Anagnórisis: Revista de investigación teatral (19): 78–100. ISSN 2013-6986. Consultado em 29 de novembro de 2022 
  6. Provenzano, p. 88
  7. Gaio, Felgueiras (1938). «Biblioteca Nacional Digital. Nobiliário de famílias de Portugal Tomo III». purl.pt. p. 152. Consultado em 19 de dezembro de 2022 
  8. «Monumentos. Casa de Azevedo - Casa da Torre das Pedras. Viseu, São João da Pesqueira, Paredes da Beira.». www.monumentos.gov.pt (em inglês). Consultado em 29 de novembro de 2022 
  9. Provenzano, p. 93
  10. Sousa Pinto, Alexandre de. «O Padre Manuel de Azevedo, S.J. (1713-1796) e o papel que poderá ter desempenhado na normalização das relações entre Portugal e a Santa Sé – Academia Portuguesa da Historia». academiaportuguesadahistoria.gov.pt. p. 6. Consultado em 29 de novembro de 2022 
  11. Pereira, Esteves; Rodrigues, Guilherme (1904). Portugal : diccionario historico, chorographico, heraldico, biographico, bibliographico, numismatico e artistico. Vol. 1. Getty Research Institute. Lisboa: J. Romano Torres. p. 938 
  12. Azevedo, Manuel de (1790). Vita del taumaturgo portoghese sant' Antonio di Padova: arricchita di nuove notizie, e critiche osservazioni tratte da codici e monumenti sicuri ignoti agli stessi pìu classici, non che ad altri autori delle cento e più vite del santo lette dall' autore (em italiano). Bologna: Per le stampe di Lelio dalle Volpe 
  13. Haskell, Yasmin (5 de janeiro de 2016). «Suppressed Emotions: The Heroic Tristia of Portuguese (ex-)Jesuit, Emanuel de Azevedo». Journal of Jesuit Studies (em inglês) (1): 42–60. ISSN 2214-1324. doi:10.1163/22141332-00301003. Consultado em 17 de julho de 2023. (Manuel de) Azevedo composed a large quantity of Latin verse ... from a four-book epic poem on the return of the Jesuits expelled from the American colonies to a twelve-book description of the city of Venice 
  14. a b «Ángela de Azevedo | Real Academia de la Historia». dbe.rah.es. Consultado em 29 de novembro de 2022 
  15. «El muerto disimulado = Presumed dead | WorldCat.org». www.worldcat.org. Consultado em 29 de novembro de 2022 
  16. Gabriele, John P. (Janeiro 2008). «Engendering Narrative Equality in Ángela de Azevedo's El muerto disimulado». Bulletin of the Comediantes. Consultado em 29 de novembro de 2022 
  17. Chambers, Donna M (1 de março de 2009). «Ultimate Reality and Meaning in the Works of Angela De Azevedo». Ultimate Reality and Meaning (1): 51–74. ISSN 0709-549X. doi:10.3138/uram.32.1.51. Consultado em 29 de novembro de 2022 
  18. Larson, Catherine. «Ângela de Azevedo's El muerto disimulado / Presumed Dead». Department of Spanish and Portuguese (em inglês). Consultado em 13 de abril de 2024 
  19. «Enciclopedia universal ilustrada europeo-americana : etimologías sánscrito, hebreo, griego, latín, árabe, lenguas indígenas americanas, etc. : versiones de la mayoría de las voces en francés, italiano, inglés, alemán, portugués, catalán, esperanto | WorldCat.org». www.worldcat.org. Consultado em 29 de novembro de 2022