Agronegócio no Brasil

O agronegócio no Brasil, também conhecido abreviadamente como "agro", refere-se a um conjunto integrado de atividades econômicas agropecuárias e todos os serviços, técnicas e equipamentos a ela relacionados, direta ou indiretamente, envolvendo a produção e distribuição de suprimentos e insumos, produção direta nas unidades agrícolas, processamento, acondicionamento, armazenamento e distribuição dos produtos agrícolas e outros produzidos a partir deles, e operações comerciais e financeiras. Estão incluídas no conceito a agricultura, a pecuária, o reflorestamento e a aquacultura.[1]

É considerado o principal setor da economia brasileira, tendo representado, em 2019, 21,4% do PIB do país, segundo o Sistema CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que ainda explica que "o Brasil será o grande fornecedor de alimentos do futuro".[2]

Ao mesmo tempo, o agronegócio é responsável por graves problemas ambientais e sociais, e, enquanto o país é um dos maiores produtores de grãos e carne do mundo,[3] criou-se o paradoxo de em anos recentes o Brasil ter voltado ao mapa da fome, com mais da metade da população experimentando algum grau de insegurança alimentar em 2021.[4]

Estatísticas editar

Faturamento editar

 
O Brasil é o maior produtor e exportador de suco de laranja do mundo

Em 2019, "43% das exportações brasileiras, em 2019, foram de produtos do agronegócio", relata a CNA, que ainda adiciona que o país é "o maior exportador de açúcar, café, suco de laranja, soja em grãos e carnes bovina e de frango; o terceiro maior de milho, e o quarto de carne suína. É também o maior produtor mundial de café e suco de laranja; o segundo na produção de açúcar, soja em grãos e de carnes bovina e de frango; e o terceiro na produção mundial de milho".

Segundo a CNA, o país é o quarto maior exportador mundial de produtos agropecuários, atrás apenas da União Europeia, EUA e China.

Produtos mais exportados editar

 
Colheita e armazenamento da soja, o carro-chefe da exportações do agro brasileiro

De acordo com a CNA, "a soja (grãos) é o carro-chefe da produção agropecuária brasileira, responsável por aproximadamente R$1,00 de cada R$4,00 da produção do setor no Brasil".

O faturamento dos 5 produtos mais vendidos pelo Brasil em 2020, segundo a Confederação, foi:

2020
Produto Faturamento (R$)
Soja 175,6 bilhões
Carne bovina 139,7
Milho 90,7
Leite 50,8
Cana de açúcar 47,4

Maiores importadores editar

Em 2019, os cinco maiores importadores de produtos do agronegócio brasileiro foram: [5]

2019
País Valor das importações (R$)
China 31 bilhões
Estados Unidos 7,1 bilhões
Países Baixos
Japão 3,3 bi
Irã

PIB editar

2019 editar

Representeou 21,4% do PIB brasileiro (20,5 segundo o Cepea), sendo que a a soma de bens e serviços gerados chegou a R$ 1,55 trilhão, das quais a agricultura gerou 68% desse valor (R$ 1,06 trilhão) e a pecuária, 32% (R$ 494,8 bilhões).[6][7]

2020 editar

O PIB do agronegócio brasileiro alcançou participação de 26,6% no PIB brasileiro, relata o Cepea, ainda adicionando que "o PIB do agronegócio brasileiro subiu com força ao longo de 2020 e acumulou avanço recorde de 24,31% no ano".[7]

Mercado de trabalho editar

Conforme o CNA, citando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2015, 32,3% (30,5 milhões) do total de 94,4 milhões de trabalhadores brasileiros estavam ocupados com atividades, diretas ou não, do agronegócio.

Maiores empresas editar

Segundo a revista Forbes, as cinco maiores empresas do agro brasileiros são a JBS (receita de R$ 204,5 bilhões), Raízen Energia (120 bi); Cosan (73 bi), Ambev (52 bi) e Marfrig Global Foods (48 bi).[8]

Impactos sociais e ambientais editar

 
Perda de cobertura florestal no período de 2001 a 2018, com dados do Global Forest Watch / Resource Watch. As áreas mais vermelhas são as mais desmatadas.
 
Campanha contra os Agrotóxicos e pela Vida, 2011

O agronegócio é a principal origem do desmatamento verificado recentemente.[9][10][11] Cerca de 85% do desmatamento registrado no país nas últimas décadas ocorreu para abrir espaço para pastagens.[12] Dados do MapBiomas indicam que em 1985 14 milhões de hectares já haviam sido desmatados devido à pecuária, e em 2017 a área perdida havia passado para 53 milhões de hectares.[13]

Entre as consequências do desmatamento estão redução das chuvas (afetando o próprio agronegócio) e da oferta de serviços ambientais, perda de biodiversidade e aumento da emissão de gases do efeito estufa causadores do aquecimento global.[10][14][11] Pecuária e agricultura também emitem grande quantidade de gases diretamente.[14][11] Segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, mais de 70% das emissões brasileiras provêm da agropecuária e do desmatamento. A agropecuária sozinha, mesmo excluindo o desmatamento, ainda emite mais do que toda a indústria e transporte somados.[14] O Brasil em 2021 era o quarto maior emissor mundial de gases estufa.[15]

O setor também provoca importante degradação, compactação, erosão e impermeabilização dos solos;[16][17] poluição das águas e solo pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas plantações e liberação de efluentes tóxicos nos rios, com repercussões negativas sobre a saúde das pessoas e a biodiversidade.[17][18][19][20][21] Desde 2008 o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo.[21][22]

O agro tem desencadeado ainda disputas fundiárias, invasões de terras indígenas e áreas protegidas, violações de direitos humanos, conflitos violentos no campo, concentração de renda, êxodo rural e desigualdade.[10][19][23][20][24][25][26][27] Esses custos sociais e ambientais usualmente são externalizados e desconsiderados nas projeções econômicas.[19][28][29] Ao mesmo tempo, representantes do governo, políticos e ruralistas promovem um forte discurso pseudocientífico e negacionista para minimizar ou dissimular os impactos negativos do agronegócio.[30][31][32][33][34] A bancada ruralista tem grande representação no Congresso e sistematicamente vota para enfraquecer a legislação ambiental, indigenista, fundiária e trabalhista.[35][36][37][38][39] Nas palavras de Márcio Santilli, fundador do Instituto Socioambiental,

"A agenda predatória da bancada ruralista é abusiva, vai além de assuntos ligados ao agro e inclui o armamentismo e o ataque aos direitos socioambientais em geral. Os seus projetos de lei mais recentes envolvem a grilagem de terras públicas, a legalização das invasões em terras indígenas, a destruição de florestas urbanas, a desregulamentação do uso e venda de agrotóxicos e o enfraquecimento do licenciamento ambiental".[40]

Enquanto que o Brasil se tornava um dos maiores produtores mundiais de grãos, carne,[3][41][42] e alimentos em geral,[43] nos anos recentes políticas públicas de proteção ao ambiente e segurança alimentar têm sido desmanteladas,[11][44] e os índices internos de fome bateram recordes.[42] Em 2021 mais de metade da população brasileira experimentava algum grau de insegurança alimentar, e mais de 19 milhões de pessoas passava fome.[4][45]

Expansão em países vizinhos editar

Paraguai editar

O agronegócio brasileiro possui uma presença ampla, influente e controversa no Paraguai, especialmente nos territórios que fazem fronteira com os estados do Mato Grosso do Sul e Paraná. Os latinfundiários brasileiros alteraram profundamente o panorama da agricultura e da distribuição de terras no país. Nos departamentos de Canindeyú e Alto Paraná, brasileiros são donos de 60,1% e 55,2% das terras, respectivamente. No país como um todo, a proporção de terras sob propriedade de brasileiro é de 14,2%.[46] Foram responsáveis pela introdução da soja na década de 1970, e da soja geneticamente modificada na década de 1990, da qual controlam, segundo estimativas, 80% da produção.[47] Além de outras commodities típicas do agronegócio brasileiro, como o milho, o trigo e os produtos da pecuária.[48] Essa população brasileira no Paraguai divide-se geralmente em dois grupos - os brasiguaios, que habitam o país e são, na maior parte, donos de pequenas propriedades; e os empresários brasileiros, que vivem no Brasil e acumulam terras no país vizinho como extensão do agronegócio no centro-oeste e sul.[49]

Historicamente, essa influência remonta ao período de incentivo à instalação de latifundiários brasileiros durante a aproximação entre as ditaduras militares do Brasil e do Paraguai, quando foram iniciadas várias empreitadas extrativistas e de colonização agrária, fonte de diversos conflitos por terra com os camponeses e indígenas da região.[50]

Para alguns pesquisadores, o avanço do agronegócio sobre o Paraguai é expressão do subimperialismo brasileiro na América do Sul, na linha da análise elaborada pelo sociólogo Ruy Mauro Marini já em 1977.[47]

Ver também editar

Referências

  1. Buranello, Renato. "Agronegócio: conceito". In: Campilongo, Celso Fernandes; Gonzaga, Alvaro de Azevedo; Freire, André Luiz (coords.). Enciclopédia Jurídica da PUC-SP. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017
  2. «Panorama do Agro». Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) (em inglês). Consultado em 20 de abril de 2021 
  3. a b Guaraldo, Maria Clara. "Brasil é o quarto maior produtor de grãos e o maior exportador de carne bovina do mundo, diz estudo". Embrapa, 01/06/21
  4. a b Souza, Vivian. "Recordes no agronegócio e aumento da fome no Brasil: como isso pode acontecer ao mesmo tempo?" O Globo, 08/11/2021
  5. «Quem são os 20 maiores compradores do agro brasileiro». Portal Agrolink. Consultado em 20 de abril de 2021 
  6. «O que é Agronegócio?». Brasil Escola. Consultado em 20 de abril de 2021 
  7. a b Tecnologia, Imagenet. «PIB do Agronegócio Brasileiro - Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada - CEPEA-Esalq/USP». www.cepea.esalq.usp.br. Consultado em 20 de abril de 2021 
  8. Redação (21 de março de 2021). «As 100 maiores empresas do agronegócio brasileiro em 2020». Forbes Brasil. Consultado em 20 de abril de 2021 
  9. "Agronegócio lidera desmatamento ilegal nos biomas nacionais". Correio do Brasil, 19/07/2022
  10. a b c "Avanço da agropecuária reduz biodiversidade no Cerrado e na Amazônia, aponta estudo". World Wildlife Foundation Brasil, 21/02/2022
  11. a b c d Lima, Fábio Martins de et al. "Governança da política ambiental e o agronegócio brasileiro". In: Colóquio — Revista do Desenvolvimento Regional, 2022; 19 (2)
  12. Centro de Sensoriamento Remoto. "Pecuária e meio ambiente". Universidade Federal de Minas Gerais, consulta em 28/11/2022
  13. "Desmatamento abre caminho para pecuária em terras logo abandonadas". Ecos, 09/09/2019
  14. a b c Veiga, Edison. "Com mudança climática, Brasil precisa repensar agronegócio, dizem especialistas". CNN Brasil, 09/08/2021
  15. Passarinho, Nathalia. "Brasil é 4º no mundo em ranking de emissão de gases poluentes desde 1850". BBC, 27/10/2021
  16. Barros, João Paulo et al. "Produção animal e os impactos ao meio ambiente". In: Colloquium Agrariae, 2017 (13): 381-390 — Edição Especial
  17. a b Gomes, Cecília Siman. "Impactos da expansão do agronegócio brasileiro na conservação dos recursos naturais". In: Cadernos do Leste, 2019; 19 (19)
  18. Oliveira, Ana Paula Novaes de & Montebello, Adriana Estela Sanjuan. "Aspectos econômicos e impactos ambientais da pecuária bovina de corte brasileira". In: Revista Científica do Centro Universitário de Araras, 2014; 9 (2): 1-20
  19. a b c Araújo, Isabelle Maria Mendes de & Oliveira, Ângelo Giuseppe Roncalli da Costa. "Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro". In: Trabalho, Educação e Saúde, 2017; 15 (1)
  20. a b Quirino, Flávia. "Relatório sobre o Matopiba aponta impactos ambientais e sociais da financeirização de terras". Fian Brasil, 15/08/2018
  21. a b Frota, Maria Tereza Borges Araujo & Siqueira, Carlos Eduardo. "Editorial: Agrotóxicos: os venenos ocultos na nossa mesa". In: Cadernos de Saúde Pública, 2021; 37 (2)
  22. Tanabe, Fabiana. "Agrotóxicos: algumas reflexões". Laranja na Colher - Divisão de Promoção da Saúde Discente da UFRGS / Jornal da Universidade, 06/07/2021
  23. Haje, Lara & Crespo, Sandra. "Ministério Público diz que agronegócio e hidrelétricas expulsam indígenas". Agência Câmara de Notícias, 01/08/2017
  24. Rossoni, Roger Alexandre & Moraes, Marcelo Lopes de. "Agropecuária e desmatamento na Amazônia: uma análise espacial entre 2007 e 2017". In: Geografia em Questão, 2020; 13 (3)
  25. Diniz, Marcelo Bentes et al. "A Amazônia (Legal) Brasileira: Evidências de uma condição de armadilha da pobreza?" In: Encontro Nacional de Economia. Recife, 2007
  26. Favareto, Arilson et al. "Há mais pobreza e desigualdade do que bem estar e riqueza nos municípios do Matopiba". In: Revista do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária, 2019; 47 (2) — Dossiê MATOPIBA
  27. "Concentração de renda, desmatamento e esgotamento dos recursos naturais: o retrato do agronegócio no Cerrado". Ecoa, 05/12/2018
  28. Arima, Eugênio; Brito, Marky; Barreto, Paulo. Pecuária na Amazônia: Tendências e Implicações para a Conservação Ambiental. Imazon, 2005
  29. "Pesquisa realizada na Universidade de Brasília (UnB) mostra que o modelo de desenvolvimento agropecuário existente no país pode se tornar insustentável no longo prazo devido aos impactos que produz sobre o meio ambiente". Jornal da USP, 15/01/2010
  30. Machado, Ricardo. "O negacionismo pueril contra as evidências científicas é a nova trincheira da guerra cultural no Brasil". Revista do Instituto Humanitas — Unisinos, 04/04/2017
  31. Costa, Alexandre Araújo. "A Negação das Mudanças Climáticas e a Direita Organizada – Parte 3 – E o Professor Molion?" Uma Incerta Antropologia, 2012
  32. Lenharo, Mariana. "Indústria da carne controla debate ambiental e lança metas vagas". UOL, 06/12/2021
  33. Gragnani, Juliana. "Agronegócio banca palestras que espalham mito de que aquecimento global pelo homem é fraude". BBC Brasil, 18/11/2021
  34. Vilani, Rodrigo Machado. "Negacionismo que nada; o negócio é afirmar o pasto da boiada". O Eco, 28/05/2020
  35. "Crescimento da bancada ruralista no Congresso denota desvantagem da frente ambientalista". Jornal da USP, 07/10/2022
  36. Bragança, Daniele. "Bancada ruralista vê bom momento para flexibilizar legislação ambiental". O Eco, 02/02/2021
  37. Valente, Rubens. "Bancada ruralista quer controlar Comissão de Meio Ambiente e blindar Salles". UOL, 10/03/2021
  38. Junqueira, Diego; Lobato, Gisele; Rossi, Marina. "68% da Câmara vota contra meio ambiente, indígenas e trabalhadores rurais". UOL, 15/08/2022
  39. Castilho, Alceu Luís & Indriunas, Luis. "Meio Ambiente se reuniu mais de 700 vezes com agronegócio e mineração, aponta dossiê". De Olho nos Ruralistas, 31/08/2022
  40. Santilli, Márcio. "Bancada da devastação". Instituto Socioambiental, 18/08/2022
  41. "Qualidade da carne bovina". Embrapa, consultado em 04/12/2022
  42. a b "Brasil bate recorde na produção de grãos e na fome". TV Senado, 07/06/2022
  43. Madail, João Carlos Medeiros. "A contradição entre a força do agronegócio e a fome no Brasil". Conselho Regional de Economia, 14/07/2022
  44. Centro de Estudos Estratégicos Fiocruz. "Fome no Brasil: agronegócio e desconstitucionalização de direitos". Fundação Oswaldo Cruz, 19/08/2021
  45. "Agronegócio produz alimentos, mas contribui com a fome no Brasil". Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Universidades Públicas Federais no Estado da Bahia,25/03/2022
  46. «Proprietários brasileiros têm 14% das terras paraguaias». De olho nos ruralistas. 6 de novembro de 2017. Consultado em 27 de maio de 2023 
  47. a b Pereira 2016, p. 2.
  48. Pereira 2016, p. 8.
  49. Pereira 2016, p. 6.
  50. Pereira 2016, p. 1.

Ligações externas editar