Bartolina Sisa Vargas (c. 1750 - 5 de setembro de 1782) foi uma heroína indígena aimará[1] que liderou numerosas revoltas contra o domínio espanhol em Charcas, então parte do Vice-Reino do Peru (atual Bolívia). Ao lado do marido, o líder indígena Túpac Katari, ela participou da organização dos acampamentos militares indígenas que integraram o cerco de La Paz.[2] Foi traída e entregue às autoridades espanholas, que mais tarde a executaram.

Bartolina Sisa
Bartolina Sisa
Estátua de Bartolina Sisa e Túpac Katari
Nascimento c. 1750
Q'ara Qhatu, Vice-Reino do Peru, Império Espanhol
Morte 5 de setembro de 1782 (31 anos)
La Paz, Vice-Reino do Rio da Prata, Império Espanhol
(agora na Bolívia)
Conhecida por ser Líder indígena

Em homenagem à data de sua morte, desde 1983 comemora-se em 5 de setembro o Dia Internacional da Mulher Indígena.[3] Muitas entidades ligadas aos índios na Bolívia adotam frequentemente seu nome, como a Confederação Bartolina Sisa, a principal organização de mulheres campesinas no país.

Biografia editar

Filha de José Sisa e Josefa Vargas, Bartolina Sisa nasceu por volta de 1750 na comunidade indígena de Q'ara Qhatu (Caracoto, em espanhol), uma aldeia na Real Audiência de Charcas, Vice-Reino do Peru. Ela ainda era criança quando sua família se mudou para a província de Sica Sica,[4] onde comercializava folhas de coca e trabalhava na produção de têxteis.[5] Assim como outros camponeses da região, ela percorria o altiplano vendendo os artigos produzidos por sua família. Também em Sica Sica vivia Julián Apaza, mais tarde conhecido como Túpac Katari, com quem ela se casaria e teria quatro filhos. De acordo com o frei franciscano Matías Balderrama, Bartolina era magra, de estatura mediana, aparência agradável e grande inteligência.[5]

No início de sua idade adulta, testemunhou a violência e a injustiça com as quais o regime espanhol frequentemente tratava os povos indígenas,[4] o que mais tarde a motivou a se juntar a seu marido na liderança de milícias indígenas em todo o altiplano para resistir ao domínio colonial.

Em 1780, indígenas principalmente dos povos aimarás e quíchuas, liderados por Túpac Amaru II, rebelaram-se contra os governantes coloniais do vice-reinado do Peru. Durante a revolta, Bartolina Sisa recebeu um importante papel de liderança à frente de um exército de cerca de 40 mil insurgentes.[6]

Cerco de La Paz editar

Bartolina Sisa, seu marido e outros líderes indígenas como José Gabriel Condorcanqui, mais tarde conhecido como Túpac Amaru II, e os irmãos Damasio e Tomás Katari uniram-se por seus ideais libertários e propósitos emancipatórios, conseguindo congregar mais de 150 mil indígenas da região.

No dia 13 de março de 1781, Bartolina e Túpac Katari estabeleceram um cerco em torno de La Paz, então capital de Charcas e sede da Real Audiência colonial, com um contingente de cerca de 20 mil indígenas, aos quais mais tarde se juntaram mais 80 mil. A cidade está localizada em um vale fechado, com acesso limitado, e o bloqueio foi capaz de impedir completamente todos os movimentos de entrada e saída. Neste período, Bartolina organizou acampamentos militares ao redor de todas as passagens da montanha que levavam à capital e atuou como principal liderança das forças indígenas.[4] Em 21 de maio, um destacamento militar espanhol tentou dissolver o cerco e capturá-la, mas fracassou.

O casal montou acampamento em El Alto e seu exército manteve o bloqueio por 184 dias.[7] A Real Audiência de Charcas enviou um reforço de 1.700 homens vindos de Lima, La Plata e Buenos Aires para sufocar a rebelião e em 30 de junho os indígenas decidiram retirar-se sem resistir. Os espanhóis incentivaram a traição e ofereceram indulto àqueles que entregassem ou delatassem os cabeças do levante. Por causa deste rumor, no dia 2 de julho Bartolina decidiu mudar-se de El Alto para Pampahasi, mas no caminho alguns de seus acompanhantes, que haviam feito contato com os espanhóis, a traíram. Ela foi detida e entregue em troca do perdão que, por fim, nunca foi concedido.[5]

Na prisão, foi torturada e humilhada pelo brigadeiro Sebastián Segurola a fim de que passasse informações. Apesar das agressões, ela não revelou nenhum dado.[8]

Katari tentou obter a liberdade da esposa. Em 24 de outubro de 1781 ofereceu a paz com os espanhóis em troca da soltura de sua mulher. Procurou negociar um indulto com Agustín de Jáuregui, vice-rei do Peru, sem chegar a nenhum acordo.[5] Terminou capturado com a ajuda de outras comunidades indígenas que se opunham a ele e foi executado em 15 de novembro de 1781.[9]

Não tendo mais utilidade para os espanhóis, em 5 de setembro de 1782 Bartolina foi enforcada, após ser humilhada publicamente na praça principal de La Paz (hoje Plaza Murillo).[4][10] Em seguida a sua morte, os espanhóis a esquartejaram e exibiram sua cabeça e seus membros nos povoados onde ela havia resistido com sua luta.[5]

Legado editar

 
Confederação Bartolina Sisa

Para homenageá-la, em 1980 seu nome foi dado à Confederação de Mulheres Campesinas Bartolina Sisa, uma organização que visa aprofundar a participação das mulheres indígenas e do campo nas decisões políticas, sociais e econômicas da Bolívia.[11] Além disso, em 1983 o II Encontro de Organizações e Movimentos da América, reunido em Tiwanaku, decidiu instituir o dia 5 de setembro, data de sua execução, como o Dia Internacional da Mulher Indígena.[3]

Bibliografia editar

  • Valencia Vega, Alipio (1978). Bartolina Sisa — la virreina Aymara que murió por la libertad de los indios [Bartolina Sisa — a vice-rainha aimará que morreu pela liberdade dos índios] (em espanhol). La Paz: Librería Editorial "Juventud" 
  • del Valle de Siles, María Eugenia (1981). Bartolina Sisa y Gregoria Apaza — dos heroínas indígenas [Bartolina Sisa e Gregoria Apaza — duas heroínas indígenas] (em espanhol). La Paz: Biblioteca Popular Boliviana de "Ultima Hora" 
  • Ari, Marina (2003). Bartolina Sisa — La generala aymara y la equidad de género [Bartolina Sisa — a general aimará e a equidade de gênero] (em espanhol). La Paz: Editorial Amuyañataki 
  • Thomson, Sinclair (2002). We alone will rule: Native Andean politics in the age of insurgency [Governaremos nós mesmos: política indígena andina na era da insurgência] (em inglês). Madison: University of Wisconsin Press. ISBN 978-0-299-17790-4 

Referências editar

  1. «Ley Nº 3102, 15 de julio de 2005» [Lei Nº 3102, de 15 de julho de 2005] (em espanhol). 15 de julho de 2005 
  2. Brown, Kendall W. (1996). "Túpac Catari (Julián Apaza)" em Encyclopedia of Latin American History and Culture (em inglês). New York: Charles Scribner's Sons 
  3. a b Fuentes, Fernando (5 de setembro de 2016). «Día Internacional de la Mujer Indígena» [Dia Internacional da Mulher Indígena]. Milenio (em espanhol). Mexico. Consultado em 15 de março de 2020 
  4. a b c d Cuentas, Nilda; Iraegi, Aitor (2018). Ausentes pero no perdidas: mujeres en la historia de Bolivia [Ausentes, mas não perdidas: as mulheres na história da Bolívia] (em espanhol). [S.l.: s.n.] ISBN 9781695936379 
  5. a b c d e «Bartolina Sisa». Pueblos Originarios (em espanhol). Consultado em 15 de março de 2020 
  6. «Bartolina Sisa». Mujeres Farianas. 13 de agosto de 2013. Consultado em 15 de março de 2020 
  7. Hylton, Forrest (2007). Revolutionary horizons: Popular struggle in Bolivia. London: Verso. ISBN 978-1-84467-070-3 
  8. «¿Quién fue Bartolina Sisa y por qué se le recuerda en esta fecha?» [Quem foi Bartolina Sisa e por que ela é lembrada nesta data?] (em espanhol) 
  9. Ticona Alejo, Esteban (1 de setembro de 2012). «Bartolina Sisa... writing the other history» [Bartolina Sisa... escrevendo a outra história]. La Razón. La Paz, Bolivia. Consultado em 15 de março de 2020. Cópia arquivada em 8 de setembro de 2018 
  10. Ignacio, Iván. «Our hommage to Commandant Bartolina Sisa, incorruptible Aymara leader» [Nossa homenagem à comandante Bartolina Sisa, líder aimará imcorrutível]. Pusinsuyo (em inglês). Consultado em 14 de julho de 2006. Cópia arquivada em 5 de novembro de 2004 
  11. «National Confederation of Indigenous Women of Bolivia "Bartolina Sisa"» [Confederação Nacional de Mulheres Indígenas da Bolívia Bartolina Sisa]. Food and Agriculture Organization (em inglês). 2015. Consultado em 15 de março de 2020 

Ligações externas editar