Categoria Discussão:Gerência de projetos

A ‘arte do tecelão’, política e gestão de projetos.

Resumo

O conflito de interesses permeia as sociedades humanas desde a antiguidade. Platão identificou isto na Política que era praticada na Polis, antiga cidade-estado grega. Conciliar os interesses conflitantes, fazer política, foi comparado por ele ‘a arte do tecelão’, pois em sua atividade transformava a tensão entre os fios transpostos na harmonia dos tecidos. Atualmente o conflito de interesses pode ser identificado nos governos, mercados, no meio empresarial e na sociedade. Ao empreender, desenvolver e gerenciar projetos para criar um produto ou serviço novo se depara também com interesses conflitantes. Gerenciar conflitos entre partes interessadas, stakeholders, representa um grande desafio para os Gerentes de Projetos, devendo para isto dominar a ‘arte da política’.


Palavras-chave

Conflito de Interesses, Gerenciamento de Projetos, Gerenciamento de Partes Relacionadas, Política e a Arte do Tecelão.


Rogério de Jesus Freire Administrador de Empresas – UPIS – Pós Graduando em Gestão de Projetos pela UPIS – Brasília. Robson Freire, Administrador de Empresas, especialista em Gestão de Rec. Humanos e pós-graduando e Marketing para Gestão Empresarial pela UFSC.r -


Platão, filósofo grego (427 a.C– 347 a.C) salientou que uma das funções do político era, em certa medida, comparada à tarefa do tecelão, aquele que transformava a tensão entre os fios entrelaçados entre si na harmonia dos tecidos.

Na sua perspectiva, o político é aquele que tece grupos de seres humanos, através da tensão de seus próprios interesses. Do conjunto de interesses se produz no tear social, tencionados entre si, o tecido do consenso. Para ele a boa condução dos homens em sociedade - governar - era uma arte e deveria ser um privilégio dos sábios.

Na Polis, antiga cidade-estado grega, na ‘Ágora’, praça das na qual se fazia o mercado e onde se reuniam as assembléias do povo para que fosse feito ‘o exercício de conversação’ que o político buscava a oportunidade de ver e ser visto e praticar ‘a arte da política’.

O ‘exercício da conversação na praça’ lhe possibilitava compartilhar idéias, dissolver os segredos, compartilhar o saber, desconcentrar o poder, assumir compromissos e se responsabilizar pelos resultados.

Constituía-se na praça um público de interessados nas propostas e empreendimentos daquela época. Naquele ambiente o político, tecelão, praticava a arte de conciliar-se com os contrários. Confrontar com habilidade os interesses opostos. Construir consensos, exercitar a ‘arte da política’.

Platão identificou cinco formas de governo: dos sábios, aristocracia; dos ricos, timocracia; de poucos, oligarquia; governo opressor, tirania; e, governo do povo, democracia.

Na atualidade, Estados democratas tem como fundamentos: a convivência das partes com interesses conflitantes, a aceitação da legitimidade do outro, a valorização das opiniões contrárias e o exercício da conversação permanente como forma de se resolver os conflitos.

Primeiro busca-se o consenso, não sendo possível, a situação é levada à votação, devendo seu resultado ser aceito por todas as partes envolvidas.

Em Nova Iorque, na calçada em frente à bolsa de valores, esta plantada uma imponente escultura de um touro, ela representa os investidores que esperam a alta valorização das suas ações compradas. São os ‘comprados’. Eles só existem porque outro grupo de especuladores que não acreditava na alta do preço às vendeu pensando em comprá-las novamente por um preço menor. São conhecidos como ‘vendidos’. Estes são representados por um urso, e não sei se tem escultura ou estátua em algum lugar. O certo é que da luta entre o touro, que chifra para o alto, e o urso, que abraça apertando para baixo; do conflito de interesses entre comprados e vendidos nasce à dinâmica do mercado de ações contribuindo para o fluxo de capitais da pujante economia capitalista americana. É natural a divergência de percepção e conflito de interesses entre as forças que dão direcionamento as organizações: os proprietários, clientes, acionistas, sócios minoritários, credores, sindicatos de empregados, a opinião pública, etc. Os acionistas querem o maior lucro possível, os empregados a melhor participação possível neste lucro, credores almejam receber em dia e por sua vez, a sociedade representada pelo Estado quer o seu quinhão em impostos e taxas.

Estes empreendimentos, quando são temporários e direcionados para um resultado específico são chamados de Projetos. Uma vez aprovados precisam ser bem planejados e executados. Ao final do prazo estabelecido devem gerar o produto ou serviço esperado. Entregar o que foi projetado, dentro do prazo e orçamento previsto, atendendo os pleitos da maior parte de interessados, se define como sucesso para quem gerencia projetos.

Assim, no exercício da boa gestão nas empresas, compor a estratégia para sua perpetuação não ocorre por ato, ação ou pensamento unânime de todos os interessados. É necessário, compondo acordos, harmonizar os diversos interesses, juntando o que está dividido.

Os interesses estão consignados em qualquer atividade humana: na sociedade, na política, no governo nas bolsas de valores nas organizações, nos seus empreendimentos e projetos. Uns torcem pelo urso, outros pelo touro, pelo toureiro e principalmente por si próprio. O PMI - Project Management Institute, organização que se dedica ao estudo e aperfeiçoamento da gestão de projetos, originalmente um subproduto da segunda guerra, coleciona as melhores teorias e práticas de gestão de projetos, que está agrupada em um ‘guia do conjunto de conhecimentos em gerenciamento de projetos, o Guia PMBOK 2004’, atualmente na sua terceira edição.

Com as recomendações do PMI foram ampliadas as chances de sucesso em gerenciamento de projetos. No Guia PMBOK o ciclo de vida de um projeto tem 5 fases: iniciação, planejamento, execução, controle e encerramento. Além disso, 9 áreas de conhecimento são abrangidas: integração, escopo, tempo, custo, suprimentos, qualidade, recursos humanos, comunicações e risco.

Recomenda-se que ao se iniciar um projeto devem-se identificar àss partes interessadas, os stakeholders, aqueles que são beneficiados ou afetados pelo projeto.

Na prática estes conflitos permeiam todas as fases do projeto. Entretanto, o capítulo 10 do guia apresenta um item especialmente dedicado ao ‘gerenciamento de partes interessadas’. Nele é recomendado criar um plano de comunicação com os stakeholders e que sua implementação e gerenciamento sejam exercidos pelo próprio Gerente do Projeto, justamente por sua criticidade.

Assim como pensava Platão, sob a ótica da Política, na antiguidade, o conflito de interesses também está presente, nos dias atuais, nas 5 (cinco) fases do ciclo de vida do projeto e deve ser adequadamente tratada sob pena de se comprometer às chances de sucesso do projeto.

A constituição do público interessado está definida a partir do momento em que se mapeiam as partes interessadas, os stakeholders, daí o gerente começa a tecer com os interesses, e resolver problemas com eles.


O bom Gerente de Projetos ao gerenciar conflitos entre partes interessadas pratica o que se assemelha a ‘Arte do Tecelão’.

A partir dos objetivos do Projeto e do interesse dos stakeholders, o seu Gerente ‘procura uma ordem comum, a ordem que se opõe ao caos, um equilíbrio que sempre precisou e uma espada e de um fiel, para poder ser harmonia ou mistura de contrários’ exercita sua habilidade política.

O Gerente do Projeto é o fiel, o Patrocinador aquele que detém a espada; a harmonia se busca conciliando os interesses e buscando o consenso. A solução para os desafios pode estar nos próprios problemas. Será com sua habilidade política e com entregas que o Gerente do Projeto manterá a confiança do patrocinador e dos demais stakeholders. Quando as entregas não ocorrerem, aí sim, sua habilidade na ‘Arte do Tecelão’ estará posta à prova.

O PMBOK preconiza que ‘o ambiente do projeto tem impactos intencionais e não intencionais, positivos e/ou negativos’ sobre as pessoas, a sociedade e o meio-ambiente. Política e Ética devem andar juntas para que a confiança das partes relacionadas seja mantida e resultem nas entregas esperadas.

A praça onde se exercita a conversação está em tudo que cerca e envolve o projeto: as salas de reuniões e gabinetes dos interessados, o ambiente cultural, social, político e físico. Em suma, locais onde se dá visibilidade ao projeto. Exercitando-se a ‘conversação na praça’ dissolvem-se os segredos, desprivatiza-se o saber, desconcentra-se o poder, apresenta-se o que foi realizado e se executa principalmente o que está disposto no Plano de Comunicações do projeto.

A transparência facilita as relações entre o Gerente do Projeto e as partes interessadas. Alerto também que, em um projeto, adotar uma perspectiva estritamente política superdimensionando o componente político é de certa forma ter uma visão cínica da realidade, e pode-se reduzir esta compreensão política a um instrumento para conseguir vantagens, transformando a Política em Politicagem (bajulação, intrigas, golpes baixos, exibicionismo, falta de ética, enfim, tudo de mau que temos lido, visto e ouvido sobre o ambiente da política brasileira nos dias atuais). Bibliografia

Morgan, Garet . Imagens da Organização. São Paulo, Atlas, 1996. Stevenson, Jay . O mais completo guia sobre filosofia, Mandarim, 2001. Revista EXAME, edição 853, ano 39, número 20, 12/10/2005 – Artigo Política e Politicagem nas empresas.

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