Comissão Construtora da Nova Capital

A Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) foi o órgão responsável por conduzir a construção da atual cidade de Belo Horizonte, que substituiria Ouro Preto como a capital de Minas Gerais. O órgão era subordinado ao estado de Minas Gerais e contava com uma grande quantidade de funcionários de diferentes ramos: engenheiros-arquitetos, tesoureiros, amanuenses, construtores, pedreiros, marceneiros etc.[1]

A criação da comissão e a transferência da capital editar

Debates sobre a transferência da capital mineira começaram por volta 1891 e já em 1893 o planejamento e a construção da cidade tiveram a execução iniciada.[2] As justificativas dadas pelas elites mineiras para a mudança da capital, eram, principalmente: a estagnação da economia mineira; a dissociação entre poder político e econômico em Minas Gerais; e a desarticulação territorial do Estado. A criação de uma nova sede para o governo mineiro foi a tentativa para solucionar esses problemas. Assim, a Cidade de Minas, nome dado a Belo Horizonte até 1901, foi inaugurada em 1897.[3]

Promulgada no dia 17 de dezembro de 1893, a lei que decretou a mudança da sede administrativa de Ouro Preto para a região do Arraial do Curral Del Rey, estabelecia quatro anos para a finalização do projeto. Já no dia 14 fevereiro de 1894, a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) foi organizada, a partir do Decreto Estadual n. 680 e de seu regimento anexo.

A CCNC ficou encarregada da concepção do projeto da cidade, dos estudos da paisagem geográfica e humana do Arraial e da condução das obras que implementaram a atual Belo Horizonte. Esses trabalhos foram chefiados pelo engenheiro Aarão Reis, convocado diretamente pelo então governador Afonso Pena. O restante dos colaboradores da Comissão foram designados por Aarão Reis – eram homens de sua confiança, ex-membros da Comissão de Estudos das Localidades Indicadas para Nova Capital (Celinc), em sua maioria da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Os trabalhos geodésicos e topográficos foram feitos pela Divisão de Estudos e Preparo do Solo, chefiada pelo engenheiro Samuel Gomes Pereira. O Escritório Técnico, dirigido por Hermínio Alves, ficou responsável pela linguagem gráfica e produção de mapas e plantas.[4]

Um plano republicano editar

A Comissão Construtora da Nova Capital ficou responsável  por mapear o terreno, cadastrar e desapropriar terras e definir o projeto e os usos do solo urbano. Esses trabalhos, que exigiam atividades de campo e de gabinete, foram coordenados pelo engenheiro-chefe Aarão Reis e desenvolvidos por funcionários de sua escolha.[4] Isso não significava apenas que esses eram homens de mesma formação, mas também que eram homens que se alinhavam a um mesmo projeto de Brasil. Composta por positivistas entusiasmados com a recente proclamação da República Brasileira, a CCNC desenhou a cidade emblema do projeto republicano.[5]

A Cidade de Minas foi a primeira cidade planejada do período republicano e, além de visar o desenvolvimento e a integração de Minas Gerais, a CCNC almejava construir uma cidade moderna, racional, baseada em ideais progressistas e sanitaristas. Como se pretendia vitrine da civilização, a cidade foi planejada sob os moldes de modernização europeus e norte-americanos.[6] O plano da Comissão, assinado por Aarão Reis, foi apresentado no ano de 1895. Podemos observar que o traçado da cidade foi feito no estilo geométrico e linear de um tabuleiro de xadrez, com destaque para as avenidas diagonais que atravessam a zona urbana. As montanhas da Serra do Curral foram um importante ponto de referência para a ocupação espacial, que apesar de visar à modernidade, se ancorava na tradição e nas paisagens típicas da identidade mineira.[7]

Além disso, o plano de Aarão Reis dividia a Cidade de Minas havia em três zonas concêntricas: a área urbana, delimitada pela Avenida do Contorno; a zona suburbana, área de transição; e a zona rural – o campo. A área urbana foi a melhor detalhada pela CCNC:

Nela, houve a superposição de duas malhas: uma ortogonal, baseado no xadrez, e outra diagonal. A primeira, representada pelas ruas e a segunda, pelas avenidas. Às ruas foi dada a largura de 20 metros; às avenidas, 35. Mas, à principal avenida foi dada atenção especial, pois a mesma cumpria função estética, de circulação e de ordenamento do espaço. (...) Esta grande avenida (Afonso Pena), à maneira dos boulevards parisienses, é apresentada por Aarão Reis como uma via larga o suficiente para abrigar faixa central de areia para passeios a cavalo, dois passeios laterais junto a esta; duas faixas para a circulação de veículos; e mais dois passeios junto aos prédios. Para Angotti-Salgueiro, não estava em questão em Belo Horizonte, como na Paris de Haussmann, a circulação como elemento estratégico do planejamento urbano (ANGOTTI-SALGUEIRO, 1995, p.200). (...) No planejamento urbano, as praças cumpriram a função de quebrar a monotonia da superposição das duas malhas, ao mesmo tempo que, ao cortarem ruas e avenidas, dariam “largueza para o effeito architectonico dos edifícios públicos, verdadeiros palácios esplendidamente situados” (MINAS GERAES. Revista Geral dos Trabalhos I, 1895a, p.97-101).[8]

A cidade real, contudo, não correspondeu perfeitamente à cidade planejada. Parte da zona suburbana foi transformada em “zona colonial”, espaço voltado à modernização agrária que não estava proposto no plano original da CCNC. Assim, boa parte dos bairros suburbanos tornaram-se rurais, “colocando em contato direto o campo e a cidade”.[3] O pedido de demissão de Aarão Reis da coordenação da CCNC, em 1875, e sua substituição por Francisco Bicalho foi um dos motivos que contribuiu para essa e outras modificações no plano original.

A forma que o plano tomou também contribuía para a hierarquização do território citadino, que se tornou historicamente um local segmentado e segregado, que afastou as camadas populares para as áreas suburbanas e rurais.[6] Já que a massa de trabalhadores não conseguia viver no centro, o crescimento da cidade ocorreu inicialmente nos subúrbios, ao contrário do que esperava Aarão Reis. “De fato, no fim dos anos 1920, Belo Horizonte apresentava-se como uma cidade curiosamente vazia no centro e adensada na sua primeira periferia e assim permaneceu até os anos 1970.”[3] Os espaços periféricos, como consequência, receberam menos investimentos públicos e privados, ficando por muito tempo alheios aos serviços e infraestrutura urbanos.

Gabinete fotográfico editar

A Comissão Construtora da Nova Capital, com a intenção de propagandear a recém construída Cidade de Minas, patrocinou a publicação do Album de vistas locaes e das obras projetadas para a edificação da nova cidade, em 1895. Ehrhard Brand foi o fotógrafo que organizou essa coleção ilustrada, que continha três imagens do antigo Arraial Curral Del Rei, doze projetos arquitetônicos e duas plantas. Foram impressas cinco mil unidades do álbum, distribuídas para o público geral.

As imagens utilizadas para a produção desse impresso foram fotografias do acervo do Gabinete Fotográfico da Comissão Construtora. Essa seção da CCNC, foi criada com o intuito de registrar as mudanças que ocorreram durante a edificação da atual Belo Horizonte. Tanto o álbum, quanto o restante das fotografias produzidas pela Comissão, foram subsidiados pelo governo e produziram um conjunto de documentos que exalta a grandiosidade da construção da Cidade de Minas, além de seu caráter progressivo e moderno. Propositalmente ou não, ambos os documentos contribuíram para a construção de uma memória otimista do projeto da Nova Capital.[9] Por outro lado, essas mesmas imagens contêm memórias fragmentadas que nos contam as histórias das populações desapropriadas do antigo Arraial.

Acervo editar

Uma importante ferramenta de pesquisa foi produzida nos últimos anos, a partir da parceria entre o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, do Arquivo Público Mineiro e do Museu Histórico Abílio Barreto. Nessa base de dados digital, encontram-se fotografias, manuscritos, mapas, plantas, desenhos técnicos e objetos relacionados à CCNC ou por ela produzidos.

Referências

  1. AKINRULI, Luana Carla Martins Campos. A cultura fotográfica de Belo Horizonte e a prática profissional híbrida (1897-1939). Enfoques, Rio de Janeiro, vol. 17, n. 1, p. 33-51, 2020.
  2. MORENO, Andrea; VAGO, Tarcísio Mauro Vago. Nascer de novo na cidade-jardim da República: Belo Horizonte como lugar de cultivo de corpos (1891-1930). Pro-posições, Campinas, vol. 22, n. 3, p. 67-80, set./dez. 2011.
  3. a b c AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues de. Vastos subúrbios da Nova Capital: formação do espaço urbano na primeira periferia de Belo Horizonte. 2006. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
  4. a b GOMES, Maria do Carmo Andrade. Aventura Cartográfica na cidade nascente. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, vol. 46, n. 2, p. 88-107, jul-dez. 2010.
  5. CAMPOS, Luana Carla Martins. “Instantes como este serão seus para sempre”: práticas e representações fotográficas em Belo Horizonte, 1894-1939. 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008, p. 23.
  6. a b PASSOS, Daniela. A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte: um estudo de caso à luz de comparações com as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Mediações, Londrina, v. 21, n. 2, p. 332-358, jul./dez. 2016.
  7. ARRUDA, Rogério Pereira de. Belo Horizonte e La Plata: cidades-capitais da modernidade latino-americana no final do século XIX. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 1, p. 85-113, 2012.
  8. ARRUDA, Rogério Pereira de. Belo Horizonte e La Plata: cidades-capitais da modernidade latino-americana no final do século XIX. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 1, p. 85-113, 2012, p. 113-114.
  9. SILVEIRA, Guilherme Augusto Guglielmelli. Album de Vistas Locaes: entre a memória e a representação da cidade. 2018. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, MG, 2018.

Ligações externas editar