Culto da Razão (em francês: Culte de la Raison) e Culto do Ser Supremo (em francês: Culte de l'Être suprême) foram sistemas de crenças e baseados em ideias racionalistas, estabelecidos na França, e que pretendiam substituir o cristianismo durante a Revolução Francesa.[1]

Catedral da Nossa Senhora de Estrasburgo transformada em Templo da Razão

Origens editar

 
Antoine-François Momoro (1756–1794)

A oposição à Igreja Católica era parte integral das causas defendidas na Revolução Francesa, e esse anticlericalismo solidificou-se em política governamental oficial em 1792 quando a Primeira República Francesa foi declarada. A maior parte da descristianização da França durante a Revolução foi motivada por preocupações políticas e econômicas, mas as alternativas filosóficas à Igreja também se desenvolveram gradativamente. Entre a heterodoxia crescente, os conceitos estruturais do “Culte de La Raison” vieram a ser definidos por Jacques Hébert, Antoine-François Momoro, Pierre-Gaspard Chaumette, Joseph Fouché e outros revolucionários radicais.

Filosofia editar

O Culto da Razão era explicitamente antropocêntrico. Seu objetivo era a perfeição da humanidade através da realização da Verdade e Liberdade, e seu princípio orientador para este objectivo era o exercício da faculdade humana da Razão.

Apesar de o ateísmo estar no centro do culto, definiu-se como mais do que uma mera rejeição dos deuses ou de Deus: na forma de religião convencional, incentivou atos de adoração congregacional. O culto promovia frequentes exibições de devoção ao ideal da Razão. A distinção cuidadosa sempre foi traçada entre o respeito racional da Razão e da veneração de um ídolo: "Essa é uma coisa que não cansam ao se dizer a uma pessoa", Momoro explicou, "Liberdade, razão e verdade são apenas seres abstratos. Eles não são deuses, para bem-dizer, eles são parte de nós mesmos."[2]

Impactos revolucionários editar

A aderência ao Culto da Razão tornou-se um atributo característico da facção dos hebertistas. Era também generalizada entre os assim chamados “sans-culottes”. Numerosas facções políticas, grupos anticlericais e eventos apenas superficialmente conectados ao culto foram amalgamados a seu nome.[3] As demonstrações públicas ateias mais prematuras variavam de “bailes de máscaras agitados” similares a festivais de primaveras mais antigos a perseguições abertas, incluindo saques a igrejas e sinagogas nas quais imagens religiosas e reais eram desfiguradas.[4]

Joseph Fouché editar

 
Joseph Fouché (1759–1820)

Como um comandante militar despachado pelos jacobinos para reforçar suas novas leis, Joseph Fouché liderou uma campanha particularmente fervorosa de descristianização. Seus métodos eram brutais porém eficientes, e ajudavam a espalhar o novo credo por muitas partes da França. Em suas jurisdições, Fouché ordenou que todas as cruzes e estátuas fossem removidas de cemitérios, e ele deu ao culto um de seus princípios fundamentais quando decretou que todos os portões de cemitério deveriam ter apenas uma inscrição — "A morte é um sono eterno."[5] Ele chegou a declarar sua própria nova religião cívica, virtualmente intercambiável com o que ficou conhecido como o Culto da Razão, numa cerimônia que ele chamou de “Banquete de Bruto” em 22 de setembro de 1793.[6]

 
Fête de la Raison ("Festival da Razão"), Notre Dame, Paris.

Festival da Razão editar

O “Festival da Razão”, realizado oficialmente em todo o país, organizado por Hébert e Momoro em 20 de Brumário (10 de novembro de 1793), veio a resumir os novos modos religiosos republicanos. Em cerimônias projetadas e organizadas por Chaumette, as igrejas no território francês foram transformadas em modernos Templos da Razão. Em Notre Dame, Paris, aconteceu a maior de todas as cerimônias. O altar cristão foi desmontado e um altar à Liberdade foi instalado; a inscrição “Para a Filosofia” foi gravada na pedra acima das portas da catedral. O protocolo tomou várias horas e concluiu com a aparição da Deusa da Razão que, para evitar a idolatria, foi retratada por uma mulher comum.[7] O tema geral da cerimônia foi resumido por Anacharsis Clootz, que declarou que a partir de então haveria "apenas um Deus, Le Peuple (o povo)".[8] Muitos relatos contemporâneos ao Festival da Razão o retrataram como um “lúgubre”, “licencioso” acontecimento de “depravações” escandalosas,[9] embora alguns acadêmicos tenham disputado sua veracidade.[10] Esses relatos, reais ou exagerados, reanimaram forças anti-revolucionárias e até fizeram com que muitos jacobinos dedicados como Maximilien Robespierre se separassem publicamente da facção radical.[11]

Legado editar

 
Inscrição na igreja de Ivry-la-Bataille.

Na primavera de 1794, o Culto da Razão foi repudiado oficialmente quando Robespierre, aproximando-se do poder ditatorial completo, anunciou a fundação de uma nova religião deísta para a República, o Culto ao Ser Supremo.[12] Robespierre denunciou os hebertistas com base em argumentos filosóficos e políticos, especificamente rejeitando seu ateísmo.

Quando Hébert, Momoro, Ronsin, Vincent e outros foram mandados à guilhotina em 4 de Germinal do Ano II (24 de março de 1794), o culto perdeu a maior parte de sua liderança influente; quando Chaumette e outros “hebertistas” os seguiram para a guilhotina quatro dias depois, o Culto da Razão efetivamente deixou de existir. Ambos os cultos foram banidos oficialmente por Napoleão Bonaparte com sua “Lei sobre Cultos de 18 de Germinal do Ano X”.[13]

Ver também editar

Referências

  1. Fremont-Barnes, Gregory (2007). Encyclopedia of the Age of Political Revolutions and New Ideologies, 1760–1815. [S.l.]: Greenwood Press. ISBN 0313334455 
  2. Kennedy, Emmet (1989). A Cultural History of the French Revolution. [S.l.]: Yale University Press. p. 343. ISBN 0300044267 
  3. Kennedy, p. 343: "The Festival of Reason... has come to symbolize the Parisian de-Christianization movement."
  4. Goldstein, p.XX.[falta página]
  5. Doyle, p. 259: "Fouché declared in a manifesto... graveyards should exhibit no religious symbols, and at the gate of each would be an inscription proclaiming 'Death is an eternal sleep'."
  6. Doyle, p. 259: "[Fouché ] inaugurated a civic religion of his own devising with a 'Feast of Brutus' on 22 September at which he denounced 'religious sophistry'."
  7. Kennedy, p. 343: "A 'beautiful woman' was chosen... rather than a statue, so that she would not become an idol."
  8. Carlyle, p. 375.
  9. Kennedy, p. 344: "The Festival of Reason in Notre Dame left no impression of rationality on the memories of contemporary observers.... [I]t was evident that the Festival of Reason was a scandal."
  10. Ozouf, pp.100ff.
  11. Kennedy, p. 344: "...tales of its raucousness may have contributed to Robespierre's opposition to de-Christianization in December 1793."
  12. «War, Terror, and Resistance». Center for History and New Media, George Mason University. Consultado em 28 de julho de 2012 
  13. Doyle, p. 389.

Bibliografia editar


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