De Onde Viemos? O Que Somos? Para Onde Vamos?

pintura de Paul Gauguin

De Onde Viemos? O Que Somos? Para Onde Vamos? (em francês: D'où venons-nous ? Que sommes-nous ? Où allons-nous ?) é uma pintura dos anos 1897–98 do artista francês Paul Gauguin. Foi realizada no Taiti, e é propriedade atualmente do Museu de Belas Artes de Boston, nos Estados Unidos. Considerada a obra-prima de Gauguin, como descrita por Wayne V. Andersen, e pelo próprio artista como "um trabalho filosófico comparável aos temas dos Evangelhos".[1][nota 1]

De Onde Viemos? O Que Somos? Para Onde Vamos?
D'où venons-nous ? Que sommes-nous ? Où allons-nous ?
De Onde Viemos? O Que Somos? Para Onde Vamos?
Autor Paul Gauguin
Data 1897-98
Técnica Óleo sobre tela
Dimensões 139 × 375 
Localização Museu de Belas Artes de Boston, Boston

A pintura é notável por suas figuras enigmáticas e pela atmosfera. Alguns acadêmicos atribuem essas qualidades aos conflitos pessoais pelos quais Gauguin passava quando criou esse trabalho,[2] realizado durante o período em que tentou o suicídio.[3] O título deriva de um catecismo da Igreja Católica.[4] As três perguntas, por outro lado, são típicas que um taitiano, curioso e hospitaleiro, faz a um estranho que encontra no caminho: quem é? (o vai ´oe?), de onde vem? (nohea roa mai ´oe?), aonde vai? (te haere ´oe hea?). Certamente fizeram ao artista essas três questões, que ele levou ao plural e transformou numa alegoria para a vida, segundo Deborah A. Elliston.[5]

Testamento pictórico editar

Segundo assinalou Stefan Ziemendorff a pintura seria o "testamento artístico" de Gauguin, que a realizara com a intenção de se matar com ingestão de arsênico. A tentativa de suicídio falhou e tanto o próprio artista quanto vários críticos consideraram o quadro como sua obra-prima. Mostra as fases da vida desde o nascimento até a morte, como forma de responder aos questionamentos com que a nomeou.[6]

O ano de 1897 foi, talvez, o mais difícil na vida atribulada do pintor: sua filha Alina, de 19 anos, morrera em abril; em carta ao amigo Daniel Monfred ele relata a imensa dificuldade financeira que passava - e comia apenas as coisas que conseguia colher (frutas e camarões); sua saúde sofrera um agravamento (com dores nas pernas, conjuntivite, asma e outros males) de forma que, decidido a tirar a própria vida, resolvera realizar aquela que seria sua última pintura como uma obra-prima filosófica, cujo real sentido muitas vezes apenas ele próprio poderia explicar.[7]

Influência da múmia peruana em Gauguin editar

   
Múmia peruana em La Specola, Florença.
Detalhe da esquerda do quadro.

O artigo de Wayne V. Andersen, publicado em 1967, Gauguin and a Peruvian Mummy, levantou a hipótese da influência de uma múmia peruana na obra do pintor. Essas múmias foram descobertas em 1877 e pertenciam à cultura dos Chachapoyas. Ao longo dos anos outros estudos viriam a confirmar tal fonte de inspiração.[6]

Em 1978, o estudioso do artista Munch Robert Rosenblum sugeriu que a famosa e estranha criatura assexuada no primeiro plano da pintura O Grito tenha sido inspirado por uma múmia peruana, que ele teria visto durante a Exposição Universal de 1889, em Paris. Essa múmia, que foi enterrada em posição fetal com as mãos ao lado do rosto, também teria impressionado a imaginação do amigo de Munch, Gauguin: teria servido de modelo para figuras em mais de vinte pinturas suas, entre as quais a personagem central de A Miséria Humana (Colheita da Uva em Arles) e para a velha à esquerda em De Onde Viemos? O Que Somos? Para Onde Vamos?, que responde à derradeira pergunta do título da obra, como o próprio Gauguin declarou mais tarde: "Por último, uma mulher velha, acercando-se da morte, que parece estar aceitando tudo, resignando-se aos seus pensamentos. Ela conclui a história!".[6][nota 2]

Crítica editar

Quando a obra ficou exposta na galeria de Vollard em 1898, o crítico André Fontainas publicou que suas formas eram "mal acabadas de uma imaginação canhestramente metafísica, cujo sentido é arriscado e cuja expressão é arbitrária" e ainda que trazia violência, monotonia de tons e cores arbitrárias. Gauguin já tinha escrito antes uma carta a Fontainas, em março de 1889, dizendo que sua pintura procurava retratar a "essência íntima", procurando um novo modo de percepção; ele havia assumido uma postura diferente ante os críticos e detratores, escrevendo-lhes para justificar seu trabalho.[8]

Referências editar

Notas

  1. Livre tradução de: "a philosophical work comparable to the themes of the Gospels"
  2. Livre tradução de: “Por último, una mujer vieja, acercándose a la muerte, que parece estar aceptando todo, resignándose a sus pensamientos. ¡Ella concluye la historia!”

Referências

Bibliografia editar

  • Boime, Albert (2008). Revelation of Modernism: Responses to the Cultural Crisis in Fin-de-Siécle (em inglês). [S.l.]: University of Missouri Press. ISBN 9780826266255 
  • Boyle-Turner, Caroline (2007). Current Issues in 19th-Century Art (em inglês). Amsterdam: Zwolle 
  • Dorra, Henri (2007). The Symbolism of Paul Gauguin : Erotica, Exotica, and the Great Dilemmas of Humanity. [S.l.]: Berkeley: University of California Press 
  • Gayford, Martin (2006). The Yellow House: Van Gogh, Gauguin, and Nine Turbulent Weeks in Arles (em inglês). Londres: Penguin Books. ISBN 0-670-91497-5 
  • Mathews, Nancy Mowll (2001). Paul Gauguin, an Erotic Life (em inglês). New Haven, Connecticut: Yale University Press. ISBN 0-300-09109-5 
  • Rousseau, Theodore (1959). Gauguin: Paintings, Drawings, Prints, Sculpture (em inglês). [S.l.]: Art Institute of Chicago 
  • Shackelford, George T. M.; Frèches-Thory, Claire (2004). Gauguin Tahiti (em inglês). Boston: MFA Publications 
  • Stuckey, Charles (2001). «Gauguin Inside Art». Gauguin's Nirvana: Painters at Le Pouldu 1889-90 (Eric M. Zafran. Ed.) (em inglês). New Haven: Yale University Press e Wadsworth Atheneum Museum of Art. ISBN 0300089546 
  • Thomson, Belinda (1987). Gauguin (em inglês). Londres: Thames and Hudson. ISBN 0-500-20220-6 

Artigos acadêmicos e revistas editar