O Efebo de Crítio é uma escultura da Grécia Antiga de transição entre o período Arcaico e o período Clássico, considerada uma peça fundamental no entendimento da evolução do estilo de representação naturalista do corpo humano entre os gregos. Está acervado no Museu da Acrópole de Atenas.

O Efebo de Crítio.
Fotografia do achado do torso do Efebo de Crítio, no canto inferior direito, junto com outras peças.

Apesar do nome pela qual se tornou conhecida, a atribuição da obra ao escultor Crítio é conjetural, baseada em semelhanças estilísticas com o grupo dos Tiranicidas, esculpido por Crítio e Nesiotes.[1] O torso foi encontrado na Acrópole de Atenas em 1864, durante as escavações necessárias para as fundações do projetado Museu da Acrópole.[2] A cabeça que hoje possui foi encontrada em 1888 separadamente e em outro local, e foi reintegrada seguindo-se a opinião do celebrado arqueólogo Adolf Furtwängler, mas ela tem um acabamento diferente e não se encaixa com perfeição, e pensa-se hoje geralmente que não pertence à obra original. Contudo, por ocasião de um restauro recente, um importante estudioso contemporâneo, Jeffrey Hurwit, analisou esses problemas e considerou que o depósito da cabeça em outro local provavelmente a fez sofrer desgastes diferentes daqueles por que passou o torso, e concluiu que as peças são parte da mesma obra. Acredita-se que o Efebo represente um heroi, mais provavelmente Teseu, ou um atleta vitorioso, e pode ter sido um ex-voto.[1][3]

Sua datação foi estabelecida entre c. 485 e c. 480 a.C., mas é controversa.[4][3] Supõe-se que foi depredado durante a invasão persa de 479 a.C., que causou grandes danos às estruturas da Acrópole, e pode ter sido enterrado ritualmente junto com os escombros da destruição para possibilitar a reconstrução do sítio, embora o achado conjunto de outras peças de épocas diferentes e outras evidências arqueológicas tenham dado margem a polêmicas sobre sua origem, função, datação e destino.[2][5][6]

O Efebo de Crítio é a imagem de um adolescente nu. Tem 0,86m de altura e foi talhado em mármore de Paros.[4] Talvez fosse uma derivação de um protótipo em bronze.[7] Faltam-lhe os dois antebraços, a perna direita e o pé esquerdo. Mostra os cabelos curtos com uma franja em relevo, as cavidades oculares são vazias, originalmente deviam ter incrustações em vidro ou outro material, e a expressão é impassível, com feições idealizadas e esquemáticas. A anatomia é delineada com muita parcimônia, mostrando apenas os traços essenciais. O nariz, queixo e pescoço têm alguns danos.[8][9] A postura dos braços é incerta, mas provavelmente pendiam ao lado do corpo. Favorece esta hipótese a existência de um fragmento de mármore saliente junto ao seu quadril esquerdo, que deve ter sido parte de uma projeção que ligava o corpo com os braços, ajudando a estabilizá-los, como se vê em muitas outras esculturas em mármore.[8]

A perna direita está ligeiramente projetada em relação à esquerda, a qual sustenta o peso do corpo, fazendo com que surja uma sugestão de movimento, os quadris se desnivelem e o corpo assuma uma suave curvatura. É uma representação incipiente da postura chamada contrapposto, que rompeu a simetria, a estilização e a frontalidade que caracterizaram a escultura do período Arcaico, tipificada em seu modelo básico, o kouros, que havia sido erigido como a representação ideal dos valores aristocráticos, prenunciando a aparição de uma nova estética, associada a uma nova ética.[8][7][9] É a mais antiga representação conhecida do contrapposto, tendo grande importância como elemento fundamental para o estudo contemporâneo da passagem da tradição antiga para a que viria a se desenvolver no período Clássico, onde esta postura seria plenamente desenvolvida por Policleto e outros e permitiria avanços ainda mais marcantes na representação naturalista da figura humana.[1][4][9][8] Este período transicional é conhecido como Estilo Severo.[8] Na interpretação de Jeffrey Hurwit,

"A postura assimétrica do Efebo Louro e do Efebo de Crítio não é produto simplesmente da aquisição de novas habilidades — o escultor arcaico saberia relaxar o seu kouros se assim desejasse — mas sim de uma nova atitude, um novo significado atribuído à imagem nuclear da arte grega: a figura isolada de um homem nu. Pela alteração do equilíbrio do corpo e pela sua curvatura, o Efebo de Crítio adquire vida. Uma parte do corpo afeta a outra, e todas as partes se subordinam ao ritmo curvo do conjunto. O bloco de pedra que sempre permanecera implícito no esquematismo do kouros, que era rigidamente controlado, finalmente é rompido, e cai a barreira entre o espaço limitado da estátua e o espaço ilimitado do observador. O Efebo de Crítio não é a 'qualquer pessoa' democrática como certos eruditos o têm analisado: ele ainda é uma imagem aristocrática. Mas aristocratas precisam agir em uma democracia de maneira diferente do que fazem numa aristocracia. A ascensão da democracia em Atenas impôs um ajuste na visão que os aristocratas tinham de si mesmos e de seus valores. Por conseguinte, ajustes também precisavam ser feitos nas imagens que a aristocracia usava para refletir e representar a si mesma. Nesta época o kouros já não era meramente um fóssil artístico: era uma imagem social e politicamente carregada de todas as piores associações, que expressava os ideais errados. Por isso tornou-se obsoleto. No final, o Efebo de Crítio parece exercer seu livre arbítrio e ocupar o mesmo espaço que nós, da mesma forma que nós, respirando o mesmo ar. O kouros aristocrático permanece distante, intocável. O Efebo de Crítio é penetrável, quase vulnerável.
"O Efebo Louro e o Efebo de Crítio representam não apenas uma ideia abstrata de juventude, como fazia o kouros, mas sim uma juventude ideal. Mesmo assim, eles vivem. O kouros, seguro em seu esquema e em sua 'caixa' de espaço, olha através de nós, transcendendo as limitações humanas porque não presta atenção a elas. O Efebo Louro e o Efebo de Crítio fazem uma pausa e parecem prestar uma grande atenção. Eles olham, não para fora, mas para dentro, e sua introversão, assim como sua postura, é o que os torna clássicos. [...] Eles, de fato, prenunciam um novo ideal, uma nova virtude: sofrosine, moderação, a doutrina do autoconhecimento e do conhecimento das limitações humanas — a doutrina clássica por excelência".[7]

Referências

  1. a b c Rager, Karin Maria. Transcendent Values: Greek Humanism and Its Legacy in the 21st Century. University of Colorado at Denver, 2007, p. 26-33
  2. a b The Calf-Bearer and the Kritios Boy Shortly After Exhumation on the Acropolis. The Metropolitan Museum of Art
  3. a b Hurwit, Jeffrey J. "The Kritios Boy: Discovery, Reconstruction, and Date". In: American Journal of Archaeology, 1989; 93 (1):41-80
  4. a b c Museum of Classical Archaeology Databases. Kritios Boy. University of Cambridge, 2016
  5. Bonacasa, Nicola. Lo stile severo in Grecia e in Occidente: aspetti e problemi. L'Erma di Bretschneider, 1995, p. 44-46
  6. Kousser, Rachel. "Who killed the Kritios Boy?" In: CHS Research Bulletin. Center for Hellenic Studies, 13/12/2010
  7. a b c Hurwit, Jeffrey M. The Art and Culture of Early Greece, 1100-480 B.C. Cornell University Press, 1987, pp. 343-351
  8. a b c d e Zucker, Steven & Harris, Beth. Kritios Boy. Smart History Series. Khan Academy
  9. a b c Kleiner, Fred S. Art through the Ages: The Western Perspective. Cengage Learning, 2008. p. 107

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