Emenda Constitucional n.º 123 à Constituição brasileira de 1988

A Emenda Constitucional n.º 123, conhecida popularmente durante sua fase de tramitação como PEC das Bondades ou PEC Kamikaze, é uma emenda à Constituição brasileira de 1988 que prevê a ampliação de benefícios sociais. Foi aprovada no Senado Federal e depois na Câmara dos Deputados no dia 12 de julho. Dois dias depois, foi promulgada pelo Congresso Nacional.

Plenário do Senado Federal do Brasil votando pela PEC em 30 de junho de 2022

Características editar

Conforme o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), relatado pelo senador Fernando Bezerra (MDB-PE), a emenda prevê, até o fim de 2022:[1]

  • Auxílio Brasil: ampliação de de 400 reais mensais para 600, além da previsão de cadastro de 1,6 milhão de novas famílias no programa (custo estimado: 26 bilhões de reais);
  • Caminhoneiros autônomos: criação de um "voucher" de mil reais (custo estimado: 5,4 bilhões de reais);
  • Auxílio-Gás: ampliação de 53 reais para o valor de um botijão de gása cada dois meses — em junho de 2022, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço médio do botijão de 13 quilos era de 112,60 reais (custo estimado: 1,05 bilhão de reais);
  • Transporte gratuito de idosos: compensação aos estados para atender a gratuidade do transporte público de idosos, já prevista em lei (custo estimado: 2,5 bilhões de reais);
  • Auxílio para taxistas: benefícios para taxistas devidamente registrados até 31 de maio de 2022 — o valor total dessa medida seria de até 2 bilhões de reais;
  • Alimenta Brasil: repasse de 500 milhões reais ao programa, que prevê a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares e distribuição a famílias em insegurança alimentar, entre outras destinações;
  • Etanol: por meio de créditos tributários, repasse de até 3,8 bilhões de reais, para a manutenção da competitividade do etanol sobre a gasolina.

O gasto total aproximado é por volta de 41,2 bilhões de reais. Para possibilitar a criação de novos benefícios, o texto prevê a decretação de estado de emergência no país, que decorreria "da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes".[1]

Histórico editar

No início de 2022,[2] foi criada por Carlos Fávaro (PSD-MT) e Alexandre Silveira (PSD-MG) a PEC dos Caminhoneiros, ou PEC 1. A proposta foi apelidada de "PEC Kamikaze" por Paulo Guedes,[3] por considerar o texto original "suicida" e capaz de provocar efeitos fiscais nocivos.[4] Mais tarde, foi criada a PEC dos Combustíveis (PEC 16) por Carlos Portinho (PL-RJ).[3] O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apenou a PEC 16 à PEC 1, e esta foi apenada à PEC 15, que trata de biocombustíveis. Como a PEC 15 já estava na etapa de comissão especial, juntar as propostas eliminou a passagem da PEC 1 pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, acelerando o processo.[2] No dia 30 de junho de 2022, a proposta foi aprovada em primeiro turno por 72 votos a 1 e em segundo turno por 67 votos a 1 no Senado Federal do Brasil.[1]

Na manhã do dia 7 de julho, a Câmara dos Deputados fez uma sessão de um minuto para agilizar a votação da proposta. O deputado Lincoln Portela (PL-MG), primeiro-vice-presidente da Câmara, presidiu a sessão. Às 6h30, declarou: "A lista de presença registra na Casa o comparecimento de 65 senhoras deputadas e senhores deputados. Está aberta a sessão". Às 6h31, disse: "Está encerrada a sessão".[4] O texto-base da PEC foi aprovada em comissão especial da Câmara na tarde do mesmo dia, por 36 votos a 1.[5][6] Seria votada no Plenário da Câmara dos Deputados no mesmo dia, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira, considerou insuficiente o quórum e adiou a votação para 12 de julho.[7][8][9] No mesmo dia, o deputado Nereu Crispim (PSD-RS) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da tramitação da PEC, pois teria ferido princípios constitucionais.[10] O ministro do STF André Mendonça negou o pedido.[11][12]

No dia 12 de julho, por 393 votos a 14 em primeiro turno e 469 votos a 17 em segundo turno, a PEC foi aprovada, com todos os destaques (propostas de mudança do texto) sendo rejeitados.[13] Dois dias depois, o Congresso Nacional promulgou a PEC com a presença do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.[14]

Críticas editar

Senadores da oposição criticaram a previsão do governo de decretar estado de emergência na tentativa de prover os benefícios e classificaram a medida como "eleitoreira". A Lei das Eleições proíbe a criação de novos benefícios sociais em ano eleitoral,[1] mas o estado de emergência daria respaldo legal para o governo criar benefícios em ano eleitoral.[15] Nos dois turnos, o único voto contrário foi o do senador José Serra (PSDB-SP), que declarou: "Às vésperas das eleições, o Senado tenta aprovar uma emenda à Constituição instituindo uma situação de emergência para liberar gastos da ordem de 38 bilhões de reais, passando por cima de todas as regras fiscais".[1] Ainda assim, a oposição ao governo votou favoravelmente à PEC.[1]

Economistas ouvidos pela BBC News Brasil disseram que a PEC poderia trazer efeitos negativos, incluindo "o aumento das despesas públicas, desconfiança do mercado sobre a política fiscal; pressão sobre a taxa de juros; aumento da inflação; e dificuldades fiscais para quem quer que assuma o governo em 2023".[15]

O presidente Jair Bolsonaro resumiu as mudanças com a PEC como "uma ajuda".[16] Ainda que a proposta tenha sido aprovada com apoio de seus partidos,[17] os então pré-candidatos à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT) criticaram a proposta, com o primeiro dizendo que a PEC era um "projeto eleitoral" e que Jair Bolsonaro estava tentando "comprar o povo".[16] Já Ciro chamou a proposta de "fraude eleitoral" que desrespeita a Constituição.[16] André Janones (Avante) disse que Bolsonaro estava fazendo "politicagem", mas que essa seria a única forma de "salvar os mais pobres".[16] Simone Tebet (MDB) apoiou a PEC por considerar que as pessoas em insegurança alimentar "têm pressa".[16]

Referências

  1. a b c d e f «Senado aprova PEC que prevê estado de emergência para viabilizar pacote social de R$ 41,2 bi». G1. Consultado em 8 de julho de 2022 
  2. a b «O que está em jogo na PEC das Bondades, que pode ser votada hoje». Veja. Consultado em 8 de julho de 2022 
  3. a b «Relator resgata PEC Kamikaze no lugar da dos combustíveis para blindar governo». Folha de S.Paulo. 29 de junho de 2022. Consultado em 8 de julho de 2022 
  4. a b «Câmara faz sessão de 1 minuto para agilizar PEC que concede benefícios sociais em ano eleitoral». G1. Consultado em 8 de julho de 2022 
  5. «Comissão da Câmara aprova texto-base da 'PEC Kamikaze'». Jornal Correio. 7 de julho de 2022. Consultado em 8 de julho de 2022 
  6. «'PEC Kamikaze' é aprovada em comissão especial; texto vai a plenário ainda hoje». UOL Economia. Consultado em 8 de julho de 2022 
  7. «PEC 'Kamikaze': por falta de quórum, Lira adia votação para terça-feira». Estado de Minas. 7 de julho de 2022. Consultado em 8 de julho de 2022 
  8. «Com quórum baixo, Câmara adia votação da PEC Kamikaze para terça-feira». G1. Consultado em 8 de julho de 2022 
  9. «Em derrota do governo, votação da 'PEC Kamikaze' no plenário da Câmara é adiada por quórum baixo». Estadão. Consultado em 8 de julho de 2022 
  10. «Deputado vai ao Supremo contra PEC que cria benefícios sociais a três meses da eleição». G1. Consultado em 8 de julho de 2022 
  11. «André Mendonça, do STF, nega pedido para suspender tramitação de 'PEC Kamikaze'». Estadão. Consultado em 8 de julho de 2022 
  12. «André Mendonça, do STF, nega pedido para suspender tramitação de 'PEC Kamikaze'». Terra. Consultado em 8 de julho de 2022 
  13. «Câmara conclui aprovação de PEC que dribla lei e permite ao governo criar pacote social pré-eleitoral». G1. Consultado em 10 de agosto de 2022 
  14. «Congresso promulga PEC Kamikaze com a presença de Bolsonaro». Estado de Minas. 14 de julho de 2022. Consultado em 10 de agosto de 2022 
  15. a b «Os riscos às contas públicas de PEC que turbina gastos sociais em ano eleitoral». G1. Consultado em 8 de julho de 2022 
  16. a b c d e «PEC Kamikaze: o que dizem os pré-candidatos à Presidência». G1. Consultado em 8 de julho de 2022 
  17. «O voto dos deputados - PEC Kamikaze - 2° turno | Política». G1. Consultado em 22 de fevereiro de 2023 

Ligações externas editar