Escola da Manipulação

A Escola da Manipulação, como ficou conhecido um grupo de teóricos dos Estudos da Tradução, trouxe para essa área do conhecimento um novo paradigma, em que a prática da tradução passa a ser vista como descritiva, orientada ao texto-alvo, funcional e sistêmica, em contraste às abordagens prescritivas, orientadas para o texto-fonte, linguísticas e estruturalistas[1] - que dominavam a discussão tradutória desde os primeiros comentários de Cícero, no século I a.C., passando pelos de São Jerônimo no século V d.C., de Martinho Lutero no século XVI e os de Eugene Nida, já no século XX.

As pesquisas deste grupo se desenvolveram principalmente a partir da década de 1970, e todas partem do pressuposto de que a tradução literária sempre implica um grau maior ou menor de manipulação por parte do tradutor, que vai depender da função do texto-alvo. Seu marco inicial foi a publicação do livro The Manipulation of Literature[2], organizado em 1985, por Theo Hermans, cujo objetivo era apresentar um novo modelo de tradução literária que contasse com um amplo aporte teórico e prático, e incluía autores como Gideon Toury, José Lambert, Hendrik van Gorp, Susan Bassnett e André Lefevere, que veem a tradução como uma das vertentes da Literatura Comparada.

História editar

Essa escola de pensamento tem origem com os formalistas russos, os linguistas do Círculo de Praga e com os trabalhos de James Holmes, Gideon Toury e Itamar Even-Zohar. Além de contribuir para os estudos descritivos da tradução, Holmes sugere que se deve levar em conta aspectos como linguagem, situação literária e contexto sociocultural quando se realiza uma tradução. Por sua vez, Even-Zohar e sua teoria dos polissistemas descrevem a vida literária de uma determinada cultura ou país como um sistema em que a tradução é integrada a outros textos como forças em um sistema dinâmico[3]. As traduções, assim como outros textos dentro do sistema, lutam pelo poder, ou melhor, são utilizadas como instrumentos na luta pelo poder. Toury, partindo desses pressupostos, desenvolveu a noção de normas e maneiras de identificá-las e classificá-las. As normas de Toury são restrições externas impostas pela sociedade ao tradutor, que ele divide em três tipos: preliminares, operacionais e linguístico-textuais. As normas preliminares determinam a direção da tradução, isto é, o texto que será traduzido e o par de línguas envolvido; as normas operacionais guiam as tomadas de decisão que devem ser feitas ao longo do processo tradutório; as normas linguístico-textuais, por sua vez, entram em ação no nível microtextual do texto, determinando aspectos como construção de períodos e escolhas de palavras.

Conceitos editar

A Escola da Manipulação rompe com os conceitos estanques como o de equivalência e apresenta o tradutor como agente que opera entre duas culturas e é o responsável pela recepção do texto na cultura de chegada. Abandonando a preocupação com a fidelidade ao original antes privilegiada nos Estudos da Tradução, passa-se a valorizar mais o papel do tradutor, mostrando como este inevitavelmente exerce seu grau de influência – ou “manipula” – o texto conforme as normas das língua e cultura-alvo. Este foco no texto-alvo resulta em uma abordagem que vê os textos traduzidos como fatos históricos, sociais e culturais do meio de chegada.

Um dos motivos deste grupo de teóricos ter ficado conhecido como uma Escola, então, é a pressuposição das mesmas noções básicas, conforme elencado por Hermans na introdução de The Manipulation of Literature: a literatura é um sistema complexo e dinâmico; deve haver interação contínua entre os modelos teóricos e os estudos de caso da prática; a tradução literária dever vista sob um viés descritivo, orientado ao texto-alvo, funcional e sistêmico. Além disso, o grupo tinha em vista nos seus textos as normas e restrições que acompanham o trabalho da tradução e que se manifestam na produção e recepção destas obras, assim como na relação que elas terão entre os outros tipos de textos publicados na cultura-alvo.

A Escola da Manipulação não focava seus estudos em questões linguísticas do texto-fonte, pois o tradutor, segundo este viés dos Estudos da Tradução, produz pensando mais nas expectativas da cultura-alvo do que nas particularidades do texto-fonte e da cultura-fonte. Ideias essas que eram bem-aceitas no contexto atual, mas vistas como “escandalosas” à época, conforme explica Mary Snell-Hornby em seu livro The Turns of Translation Studies, de 2006. Gideon Toury foi precursor em ver a tradução como fato de um só sistema: o sistema-alvo e na percepção de que qualquer texto pode ser considerado tradução se aceito como tal na cultura-alvo.

Virada Cultural editar

No início dos anos 1970, trabalhos como Meta-História – A Imaginação Histórica do Século XIX de Hayden White, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão de Michel Foucault e Esboço de uma Teoria da Prática de Pierre Bourdieu foram pioneiros do que, nas décadas seguintes, ficaria conhecida como a Virada Cultural. Esse movimento foi caracterizado por acadêmicos e críticos das Humanidades e das Ciências Sociais focando seus debates e pesquisas no que concerne à Cultura, abandonando as ideias da corrente filosófica positivista, até então em voga nessas áreas do saber. Dos membros da Escola da Manipulação, os que mais se associam a essa ideia são André Lefevere e Susan Bassnett; em 1990 coeditaram o livro Translation, History and Culture, composto por estudos apresentados na conferência de Warwick de 1988 que ilustram o conceito central da obra: a Virada Cultural.

The Manipulation of Literature editar

O livro The Manipulation of Literature, organizado por Theo Hermans e publicado em 1985, que acabou cunhando o nome da Escola da Manipulação, é composto dos seguintes textos:

Introduction: Translation Studies and a New Paradigm - Theo Hermans

A Rationale for Descriptive Translation Studies - Gideon Toury

On Describing Translations - José Lambert & Hendrik van Gorp

Second Thoughts on Translation Criticism: A Model of its Analytic Function - Raymond van den Broeck

How Distinct are Formal and Dynamic Equivalence? - Maria Tymoczko

Ways Through the Labyrinth Strategies and Methods for Translating Theatre Texts - Susan Bassnett-McGuire

Images of Translation Metaphor and Imagery in the Renaissance: Discourse on Translation - Theo Hermans

Translation and Literary Genre: The European Picaresque Novel in the 17th and 18th Centuries - Hendrik van Gorp

Translated Literature in France, 1800-1850 - José Lambert, Lieven D'hulst & Katrin van Bragt

The Survival of Myth: Mandel'shtam's "Word" and Translation - Leon Burnett

The Response to Translated Literature: A Sad Example - Ria Vanderauwera

Why Waste Our Time on Rewrites? The Trouble with Interpretation and the Role of Rewriting in an Alternative Paradigm - Andre Lefevere.

Referências

  1. Snell-Hornby, Mary (2006). The Turns of Translation Studies: New Paradigms or Shifting Viewpoints?. Amsterdã/Filadélfia: John Benjamins 
  2. Hermans, Theo (1985). The Manipulation of Literature: Studies in Literary Translation. Londres: Croom Helm 
  3. Venuti, Lawrence (2004). The Translation Studies Reader. Londres & Nova Iorque: Routledge. pp. 192–197