Filogeografia é o estudo dos processos históricos que podem ser responsáveis pela distribuição geográfica contemporânea de indivíduos. Isto é conseguido considerando a distribuição geográfica dos indivíduos à luz dos padrões numa genealogia genética.[1] Este termo foi introduzido para descrever sinais genéticos geograficamente estruturados dentro e entre espécies. Um foco explícito na biogeografia/passado biogeográfico de uma espécie diferencia a filogeografia da genética populacional clássica e da filogenética.[2] Eventos passados que podem ser inferidos incluem expansão populacional, efeitos de gargalo, vicariância e migração. Abordagens desenvolvidas recentemente que interpretam a teoria do coalescente ou a história geneológica dos alelos e informação sobre a distribuição geográfica podem responder com mais exactidão aos papéis relativos das diferentes forças históricas que moldam os padrões actuais.[3]

A imagem mostra a filogeografia de Dendrobatidae na América do Sul. O mapa mostra as principais regiões biogeográficas e as suas mudanças ao longo do tempo, e à direita, a árvore filogenética mostra as linhagens surgidas ao longo do tempo, em contexto dentro dessas regiões.

Desenvolvimento editar

Apesar do termo filogeografia ter sido usado pela primeira vez em 1987,[4] já existia como campo de estudo há muito mais tempo. A biogeografia histórica estudava como as condições geológicas, climáticas e ecológicas históricas influenciaram a distribuição actual das espécies. Como parte da biogeografia histórica, investigadores andavam a avaliar a relação evolutiva e geográfica de organismos anos antes. Dois desenvolvimentos durante as décadas de 1960 e 1970 foram particularmente importantes em formar os alicerces para a filogeografia moderna; a primeira foi a divulgação do pensamento cladístico, e o segundo foi o desenvolvimento da teoria da tectónica de placas.[5] A resultante escola de pensamento foi a biogeografia de vicariância, que explicava a origem de novas linhagens através de eventos geológicos como o afastamento de continentes ou a formação de rios. Quando uma população contínua (ou espécie) era dividida por um rio ou uma nova cadeia montanhas (isto é, um evento vicariante), daria origem a duas populações (ou espécies), passando tempo suficiente desde a separação. A paleogeografia, geologia e paleoecologia eram campos importantes que forneciam informação que era depois integrada na análise filogeográfica.

A filogeografia tem uma perspectiva sobre a biogeografia ligada à genética populacional e filogenética. Em meados da década de 1970, análises de genética populacional viraram-se para marcadores mitocondriais.[6] O advento da reacção da polimerase em cadeia (PCR), o processo pelo qual milhões de cópias de um segmento de DNA pode ser replicado, foi crucial no desenvolvimento da filogeografia. Graças a este avanço, a informação contida nas sequências de DNA mitocondrial tornou-se muito mais acessível. Avanços tanto em métodos laboratoriais (por exemplo, na tecnologia de sequenciação de DNA por capilares) que permitiram uma sequenciação de DNA mais rápida e métodos computacionais que fazem melhor uso dos dados (por exemplo, usando a teoria do coalescente) ajudaram a melhorar as inferências filogeográficas.[6]

Trabalhos filogeográficos iniciais foram criticados recentemente pela sua natureza narrativa e falta de rigor estatístico (ou seja, não testou hipóteses alternativas estatisticamente). O único método real era a "Nested Clade Analysis" (NCA) do Alan Templeton, que usava uma chave de inferência para determinar a validade de um certo processo a explicar a concordância entre distância geográfica e a proximidade genética. Abordagens recentes tomaram uma abordagem estatística mais forte à filogeografia do que inicialmente.[2][7][8] Esta abordagem tem sido também criticada por apresentar uma proporção elevada de falsos positivos, erros do tipo I.[9]

Exemplo

Mudanças climáticas, tais como os ciclos de glaciações dos passados 2,4 milhões de anos, restringiu periodicamente espécies para refúgios disjuntos. Estas áreas restritas podem ter resultado em populações com efeitos de gargalo que reduzem a variação genética. Quando uma reversão das condições climáticas permite a migração para fora das áreas de refúgio, estas espécies espalham-se rapidamente para novo habitat disponível. Vários estudos empíricos encontraram assinaturas genéticas deste cenário de refúgio e expansão pós-glacial.[3] Isto ocorreu tanto nos trópicos[10][11] assim com em regiões temperadas que eram influenciadas por glaciares.[12]

Filogeografia e conservação editar

A filogeografia pode ajudar na priorização de áreas de alto valor para a conservação. Análises filogeográficas podem ter jogado um papel importante na definição de Unidades Evolutivas Significativas (ESUs, da sigla inglesa), uma unidade de conservação abaixo do nível da espécie que é muitas vezes definida por padrões genéticos e de distribuição geográfica únicos.[13]

Um estudo recente sobre lagostins das Apalaches da América do Norte oriental[14] demonstrou como as análises filogenéticas juntamente com a distribuição podem ajudar a reconhecer prioridades na conservação. Usando abordagens filogeográficas, os autores encontraram que, escondido no que se pensava ser uma única espécies amplamente distribuída estava presente uma espécies antiga e previamente não detectada. Decisões sobre conservação podem agora ser feitas para assegurar que ambas as linhagens recebam protecção. Resultados como estes são relativamente comuns resultando de estudos filogeográficas.

Um estudo sobre salamandras do género Eurycea, também nas Apalaches, descobriu que a taxonomia actual do grupo subestimava grandemente a diversidade a nível da espécie.[15] Os autores deste estudo também encontraram que os padrões da diversidade filogeográfica estavam mais associados com conexões hidrográficas históricas (e não recentes), indicando que as mudanças maiores dos padrões hidrográficos da região tiveram um papel importante na geração da diversidade destas salamandras. A compreensão profunda da estrutura filogeográfica permitirá assim escolhas informadas na priorização de áreas de conservação.

Filogeografia comparada editar

O campo da filogeografia comparada procura explicar os mecanismos responsáveis pelas relações filogenéticas e distribuição de espécies diferentes. Por exemplo, comparações de vários taxa pode clarificar as histórias de regiões biogeográficas.[16] Por exemplo, análises de vertebrados terrestres na península da Baja California[17] e peixes marinhos tanto no lado do Pacífico como do golfo[16] mostraram assinaturas genéticas sugerindo um evento vicariante que afectou vários taxa durante o Pleistoceno ou Plioceno.

A filogeografia também dá uma perspectiva histórica à composição de comunidades. A história é relevante para a diversidade regional e local em duas maneiras.[10] Por um lado, o tamanho e composição do conjunto das espécies regionais resulta do balanço entre especiação e extinção. Por outro lado, ao nível local, a composição da comunidade é influenciado pela interacção entre a extinção local de populações de uma espécie e recolonização.[10] Uma abordagem filogenética comparativa nos Trópicos húmidos da Austrália indicam que os padrões de distribuição das espécies e de diversidade regionais são determinados em grande parte por extinções locais e subsequentes recolonizações correspondendo a ciclos climáticos.

Filogeografia humana editar

A filogeografia também já provou ser útil na compreensão da origem e padrões de dispersão dos seres humanos (Homo sapiens). Baseado primeiramente em observações de vestígios de esqueletos de humanos antigos e estimações da sua idade, antropólogos propuseram duas hipóteses competidoras sobre as origens humanas. A primeira hipótese é conhecida como Modelo Out of Africa (saída de África) com substituição que defende que a última expansão para fora da África há 100 000 anos resultou na expulsão de todos as populações de Homo spp. na Eurásia pelos humanos modernos. Estas populações anteriores resultaram de uma onda de migração para fora da África anterior. O cenário multirregional afirma que indivíduos da mais recente migração para fora de África misturou-se geneticamente com as populações humanas provenientes de emigrações africanas mais antigas. Um estudo filogeográfico que desvendou a Eva Mitocondrial que viveu em África há 150 000 anos forneceu, bem cedo, apoio ao modelos Out-of-Africa.[18] Enquanto este estudo tem as suas limitações, recebeu atenção significativa tanto dentro do meio científico como do público em geral. Uma análise filogeográfica mais detalhada que usou dez genes diferentes ao invés de um único marcador mitocondrial indicou que ao menos duas grandes expansões para fora de África depois da expansão geográfica inicial de Homo erectus tiveram um papel importante em moldar o pool genético dos humanos modernos.[19] Estes resultados demonstram o papel central de África na evolução dos humanos modernos, mas que o modelo multirregional também tem alguma validade.

Filogeografia de vírus editar

Vírus são informativos na compreensão da dinâmica das mudanças evolutivas devido à sua taxa de mutação elevada e tempo de geração muito curto.[20] A filogeografia é uma ferramenta útil para compreender as origens e distribuições de diversas estirpes virais. Uma abordagem filogeográfica foi usada em várias doenças que ameaçam a saúde humana, incluindo a febre de dengue, raiva, influenza e VIH.[20] Igualmente, uma abordagem deste género muito provavelmente jogará um papel fundamental na compreensão dos vectores e expansão da gripe das aves (HPAI H5N1), demonstrando a relevância da filogeografia para o público em geral.

Referências

  1. Avise, J. C. (2000). Phylogeography: the history and formation of species. [S.l.]: Harvard University Press. ISBN 0-674-66638-0 
  2. a b Knowles, L. L. and W. P. Maddison (2002). «Statistical phylogeography». Molecular Ecology. 11: 2623–2635. doi:10.1046/j.1365-294X.2002.01637.x 
  3. a b Cruzan, M. B, and A. R. Templeton (2000). «Paleoecology and coalescence: phylogeographic analysis of hypotheses from the fossil record». Trends in Ecology and Evolution. 15: 491–496. doi:10.1016/S0169-5347(00)01998-4 
  4. Avise, J. C., J. Arnold, R. M. Ball, Jr., E. Bermingham, T. Lamb, J. E. Neigel, C. A. Reed, and N. C. Saunders (1987). «Intraspecific phylogeography: the mitochondrial DNA bridge between population genetics and systematics». Annual Review of Ecology and Systematics. 18: 489–522 
  5. De Queiroz, A. (2005). «The resurrection of oceanic dispersal in historical biogeography». Trends in Ecology and Evolution. 20: 68–73. doi:10.1016/j.tree.2004.11.006 
  6. a b Avise, J. C. (1998). «The history and purview of phylogeography: a personal reflection». Molecular Ecology. 7: 371–379. doi:10.1046/j.1365-294x.1998.00391.x 
  7. Templeton, A. R., E. Routman, and C. A. Phillips (1995). «Separating population structure from population history: a cladistic analysis of the geographic distribution of mitochondrial DNA haplotypes in the tiger salamander, Ambystoma tigrinum». Genetics. 140: 767–782 
  8. Templeton, A. R. (1998). «Nested clade analyses of phylogeographic data: testing hypotheses about gene flow and population history». Molecular Ecology. 7: 381–397. doi:10.1046/j.1365-294x.1998.00308.x 
  9. Petit, Remy J. (2008). «The coup de grace for the nested clade phylogeographic analysis?». Molecular Ecology. 17: 516-518 
  10. a b c Schneider, C. J., M. Cunningham and C. Moritz (1998). «Comparative phylogeography and the history of endemic vertebrates in the Wet Tropics rainforests of Australia». Molecular Ecology. 7: 487–498. doi:10.1046/j.1365-294x.1998.00334.x 
  11. Da Silva, M. N. F. and J. L. Patton (1998). «Molecular phylogeography and the evolution and conservation of Amazonian mammals». Molecular Ecology. 7: 475–486. doi:10.1046/j.1365-294x.1998.00276.x 
  12. Taberlet, P., L. Fumagalli, A.-G. Wust-Saucy, and J.-F. Cossons (1998). «Comparative phylogeography and postglacial colonization routes in Europe». Molecular Ecology. 7: 453–464. doi:10.1046/j.1365-294x.1998.00289.x 
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  15. Kozak, K. H., A. B. Russell and A. Larson (2006). «Gene lineages and eastern North American paleodrainage basins: phylogeography and speciation in salamanders of the Eurycea bislineata species complex». Molecular Ecology. 15: 191–207. doi:10.1111/j.1365-294X.2005.02757.x 
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  18. Cann, R.L., Stoneking, M., and A. C. Wilson (1987). «Mitochondrial DNA and human evolution». Nature. 325: 31–36. doi:10.1038/325031a0 
  19. Templeton, A. R. (2002). «Out of Africa again and again». Nature. 416: 45–51. doi:10.1038/416045a 
  20. a b Holmes, E. C. (2004). «The phylogeography of human viruses». Molecular Ecology. 13: 745–756. doi:10.1046/j.1365-294X.2003.02051.x