Fisioterapia manipulativa

A fisioterapia manipulativa ortopédica (FMO) é uma área de especialização da fisioterapia que lida com o manejo de condições neuro-músculo-esqueléticas, embasada no raciocínio clínico, usando abordagens de tratamento altamente específicas, incluindo técnicas manuais e exercícios terapêuticos. A FMO também abrange e é conduzida pela evidência clínica e científica disponível e pelo quadro biopsicossocial de cada paciente.[1]

História da terapia manual editar

No ocidente, a primeira descrição documental de técnicas de terapia manual, remonta a Grécia antiga, sendo atribuída a Hipócrates (460 a.C). No manuscrito intitulado “Sobre as articulações”, Hipócrates descreveu técnicas manipulativas utilizando tração axial para o tratamento da escoliose, além de manipulações ortopédicas para correções de luxações no ombro.[2]

Durante o século XVII e XVIII na Inglaterra, a prática da manipulação articular foi abandonada por uma grande parcela dos médicos sendo a sua prática relegada a leigos chamados “Bone-setters”, ou numa tradução literal “arrumadores de ossos”, os quais transmitiam os seus conhecimentos de pai para filho.[2]

A razão para o abandono da manipulação não está completamente clara, mas pode ter sido devido a ineficácia do uso indiscriminado ou o perigo envolvido no uso da manipulação vertebral em pacientes com o mal de pott, uma doença de proporções epidêmicas em certos locais nesta época.[2]

A prática dos Bone-setters influenciou a criação de diversas filosofias de tratamento e profissões que utilizam a terapia manual como parte do seu arsenal terapêutico, como a Osteopatia, a Quiropraxia e a Fisioterapia manipulativa, cada uma destas utilizando conceitos diferenciados.

A Fisioterapia cresceu de maneira substancial após a sua regulamentação em 1899, na Inglaterra. É evidente que os fisioterapeutas aprenderam e praticaram manipulação vertebral desde o início do século XX. O St.Thomas’ Hospital, instituição com uma longa tradição na instrução de fisioterapeutas, teve um papel fundamental neste processo. Os médicos James e John Mennell, pai e filho, e Edgar e James Cyriax, pai e filho, estiveram envolvidos no ensino da manipulação para fisioterapeutas neste hospital e influenciaram diretamente ou indiretamente vários profissionais.[2]

Foi a partir de 1974, que um grupo de Fisioterapeutas pioneiros fundou a IFOMPT (Federação Internacional de Fisioterapeutas Manipulativos Ortopédicos) o que impulsionou o desenvolvimento da especialidade. Entre estes expoentes estavam nomes como Maitland, Kaltenborn, Paris, Lamb, Muligan e McKenzie.[2]

Regulamentação no Brasil editar

No Brasil, os Fisioterapeutas Manipulativos Ortopédicos são representados pela ABRAFITO (Associação Brasileira de Fisioterapia Traumato-Ortopédica), filiada a IFOMPT.[3]

Métodos e técnicas editar

Manipulação e mobilização articular editar

Segundo Maitland, a mobilização é um movimento passivo executado de maneira gentil, por meio de oscilações rítmicas, realizadas dentro ou no limite do arco de movimento. A manipulação por sua vez, consiste em forçar um movimento no limite do seu arco por meio de um impulso rápido. O paciente pode sempre resistir à mobilização, se ela se tornar muito dolorosa, enquanto a rapidez da manipulação vigorosa previne qualquer controle pelo paciente.[4]

A IFOMPT define a mobilização como um continuum de movimentos passivos especializados que são aplicados em diferentes velocidades e amplitudes destinados a articulações, músculos ou nervos, com a intenção de restaurar o movimento ideal, função e/ou reduzir a dor. A manipulação é definida como um impulso passivo, de alta velocidade e baixa amplitude aplicado ao complexo articular, dentro do seu limite anatômico[i], com a intenção de restaurar o movimento ideal, função, e/ou reduzir a dor.[1]

Prática baseada em evidência editar

A profissão fisioterápica reconhece a importância da prática baseada em evidência e encoraja ativamente os praticantes a considerar as evidências científicas durante o desenvolvimento e aplicação dos tratamentos, sendo desenvolvido métodos e revisões bibliográfica e sistemáticas que reforçam essa diretriz.[5] Pode ser entendida também como uma metodologia atual que auxilia os fisioterapeutas a garantir uma boa prática profissional.[6]

Há um consenso de que o domínio linguístico, principalmente o inglês, que predomina nas publicações de melhor qualidade, é um dos principais entraves para que os profissionais se atualizem com as mais recentes referências, e com isso melhorando a sua conduta.[6]

Evidências científicas editar

Pesquisas têm mostrado que os fisioterapeutas manipulativos são hábeis no diagnóstico de articulações facetárias sintomáticas,[7] discos interveterbrais sintomâticos[8] e instabilidade lombar.[9]

Existe evidência que a terapia manipulativa espinhal (tanto a mobilização quanto a manipulação) é eficaz no tratamento da dor lombar.[10][11]

Demonstra ser eficaz também no tratamento da Síndrome do túnel do carpo.[12]

Programas de exercícios elaborados e supervisionados pelos fisioterapeutas manipulativos resultam em menor incapacidade, menor absenteísmo e retorno ao trabalho mais rápido quando comparado a outros tratamentos.[13][14][15][16][17]

Estes profissionais também são pioneiros na investigação dos mecanismos que contribuem para a cronificação e recorrência da dor lombar e dos efeitos de programas específicos de exercício para tal condição (estabilização). As evidências que suportam a eficácia destes exercícios têm aumentado.[18] Existem fortes evidências que estes tratamentos são mais eficazes do que o repouso, analgésicos e massagem, comprovação obtida por 6 de 8 estudos recentes.[10] Ainda mais, a combinação da terapia manipulativa espinhal e exercícios específicos têm se mostrado ter grande eficácia no tratamento das dores lombares,[19][20]

Notas

  1. O movimento ativo e passivo ocorrem dentro da amplitude de movimento do complexo articular e não além do seu limite anatômico

Referências

  1. a b IFOMPT (2016). Educational Standards In Orthopaedic Manipulative Therapy (PDF). [S.l.: s.n.] Consultado em 29 de abril de 2018 
  2. a b c d e Pettman, Erland (1 de julho de 2007). «A History of Manipulative Therapy». Journal of Manual & Manipulative Therapy. 15 (3): 165–174. ISSN 1066-9817. PMC 2565620 . PMID 19066664. doi:10.1179/106698107790819873 
  3. Bracht, Marcelo Anderson (13 de junho de 2017). «ABRAFITO recebe reconhecimento da IFOMPT» (PDF). ABRAFITOBR. Arquivado do original (PDF) em 30 de abril de 2018 
  4. Hengeveld, Elly; Banks, Kevin (2013). Maitland's Vertebral Manipulation : Management of Neuromusculoskeletal Disorders (em inglês) 8 ed. London: Elsevier Health Sciences UK. ISBN 9780702054587. OCLC 884647428 
  5. Marques, Amélia Pasqual; Peccin, Maria Stella (30 de abril de 2005). «Pesquisa em fisioterapia: a prática baseada em evidências e modelos de estudos». Fisioterapia e Pesquisa. 11 (1): 43–48. ISSN 2316-9117. doi:10.1590/fpusp.v11i1.76382 (inativo 13 de janeiro de 2022). Consultado em 28 de abril de 2018 
  6. a b Dias, Rosângela Corrêa; Dias, João Marcos Domingues (março de 2006). «Prática baseada em evidências: uma metodologia para a boa prática fisioterapêutica». Fisioterapia em Movimento. 19 (1): 11−16. Consultado em 28 de abril de 2018 
  7. Phillips, D. R.; Twomey, L. T. (1 de março de 1996). «A comparison of manual diagnosis with a diagnosis established by a uni-level lumbar spinal block procedure». Manual Therapy (em inglês). 1 (2): 82–87. ISSN 1356-689X. doi:10.1054/math.1996.0254 
  8. Donelson, Ronald; Aprill, Charles; Medcalf, Robert; Grant, William (15 de maio de 1997). «A Prospective Study of Centralization of Lumbar and Referred Pain: A Predictor of Symptomatic Discs and Anular Competence». Spine (em inglês). 22 (10): 1115–1122. ISSN 0362-2436. doi:10.1097/00007632-199705150-00011 
  9. Avery, Anita Fay (1996). The Reliability of Manual Physiotherapy Palpation Techniques in the Diagnosis of Bilateral Pars Defects in Subjects with Chronic Low Back Pain (em inglês). [S.l.]: Curtin University of Technology 
  10. a b van Tulder, Maurits W.; Koes, Bart W.; Bouter, Lex M. (15 de setembro de 1997). «Conservative Treatment of Acute and Chronic Nonspecific Low Back Pain: A Systematic Review of Randomized Controlled Trials of the Most Common Interventions». Spine (em inglês). 22 (18): 2128–2156. ISSN 0362-2436. doi:10.1097/00007632-199709150-00012 
  11. Shekelle, Paul G.; Adams, Alan H.; Chassin, Mark R.; Hurwitz, Eric L.; Brook, Robert H. (1 de outubro de 1992). «Spinal Manipulation for Low-Back Pain». Annals of Internal Medicine. 117 (7): 590–598. ISSN 0003-4819. doi:10.7326/0003-4819-117-7-590 
  12. Araújo, Ana Paula Serra; Borges, Regis Estefano (20 de setembro de 2010). «EFICÁCIA DAS TÉCNICAS DE TERAPIA MANUAL APLICADAS NO TRATAMENTO DA SÍNDROME DO TUNEL DO CARPO: REVISÃO DE LITERATURA». Uningá Journal. 25 (1). ISSN 2318-0579. Consultado em 28 de abril de 2018 
  13. Frost, Moffett, Moser and Fairbank (1995): Randomised controlled trial for evaluation of fitness program for patients with chronic low back pain. British Medical Journal 310 (21): 151-154.
  14. Gundewall, Liljeqvist and Hansson (1993): Primary prevention of back symptoms and absence from work. Spine 18(5) 587-594.
  15. Kellett, Kellett and Nordholm (1991): Effects of an exercise program on sick leave due to back pain. Physical Therapy 71 (4) 283-293.
  16. Mitchell and Carmen (1990): Results of a multicentre trial using an intensive active exercise program for the treatment of acute soft tissue and back injuries. Spine 15(6):514-521.
  17. Moffet, Torgerson, Bell-Syer, Jackson, Llewlyn-Phillips, Farrin and Barber (1999): Randomised controlled trial of exercise for low back pain: clinical outcomes, costs and preferences. British Medical Journal 319: 279-283.
  18. O'Sullivan, Twomey and Allison (1997): Evaluation of specific stabilising exercise in the treatment of chronic low back pain with radiologic diagnosis of spondylolysis or spondylolisthesis. Spine 22: 2959-2967.
  19. Ottenbacher and Difabio (1994): Efficacy of Spinal Manipulation/Mobilisation Therapy. A meta-analysis. Spine 10 (9) 833-837.
  20. Scheer, Radack and O'Brien (1995): randomized controlled trials in industrial low back pain relating to return to work. Part 1. Acute Interventions. Arch Phys Med. Rehab, Vol. 76, 966-973.

Ligações externas editar