Fogo na Noite Escura

romance de Fernando Namora

Fogo na Noite Escura é um romance de Fernando Namora escrito em 1942 e publicado pela primeira vez em 1943, sendo o seu segundo romance que se seguiu a As Sete Partidas do Mundo (1938).[1]

Fogo na Noite Escura
Autor(es) Fernando Namora
Idioma Português
País Portugal Portugal
Género Romance
Série Novos Prosadores
Lançamento 1943
Cronologia
As Sete Partidas do Mundo
Casa da Malta

A acção da obra desenrola-se em Coimbra durante os dias agitados da II Guerra Mundial. É o romance de uma geração que deu um exemplo de luta e de esperança. Tem como principais personagens os estudantes e a gente de Coimbra que vive com eles nessa centenária oposição entre os «doutores», privilegiados pelo nascimento, pela fortuna e pela cultura, e os pobres pequenos burgueses, modestos funcionários e operários que desde sempre se viram obrigados a tolerar a hegemonia e muitas vezes os abusos daqueles.[2]

No ambiente deste romance de Fernando Namora não se encontra, porém, a cidade universitária convencional que tem sido evocada em tanto livros de memórias de ex-estudantes. Encontra-se sim um mundo de gente lutando duramente pela vida, com problemas intelectuais, sociais, morais, económicos e políticos a resolver.[2]

Fogo na Noite Escura põe sobretudo em evidência a crise de uma concepção de universidade, tradicionalista e aristocrática, perante as exigências de uma sociedade que progride fatal e irreversivelmente para uma nova etapa da história social.[2]

Para Mário Sacramento, Fogo Na Noite Escura constitui “um depoimento inestimável em torno das coordenadas coimbrãs da geração de 40”.[1]

Apreciação editar

Para Ana Ferri, numa apreciação intertextual com O Caminho Fica Longe de Vergílio Ferreira, Fogo na Noite Escura procura retratar a rotina dos jovens universitários de Coimbra e, embora não tenha um único protagonista, pois o enredo engloba histórias de vários jovens como Abílio, Mariana, Luís Manuel, Rita, Seabra, destaca-se o perfil contestador e político do aventureiro Júlio e o do conflituoso Zé Maria.[1]

Também para Ana Ferri, Fernando Namora retrata neste romance uma geração que cresceu sob os ecos das duas grandes guerras mundiais do século XX, que vivenciou um contexto de crise e de recrudescimento de governos ditadores e fascistas. Naturalmente, esses jovens também sentiram a necessidade de tomada de consciência, uma necessidade que crescia em diversos segmentos da sociedade em todo o mundo, e que veio na esteira do Novo Humanismo, que em Portugal, se denominou Neorrealismo, movimento artístico de raízes marxistas, que procurou questionar os valores burgueses e problematizar a alienação do homem, denunciando as desigualdades socio-económicas.[1]

 
Praça em Coimbra, cidade onde decorre quase toda a acção de Fogo na Noite Escura

Ainda para Ana Ferri, o processo de desalienação e de consolidação de novas diretrizes literárias ou artísticas enfrentou muitas dificuldades em Portugal. Além do crivo da censura, da alta taxa de analfabetismo do povo, também sofreu com a desconfiança das classes desfavorecidas e mesmo com o sentimento de descrédito vindo de muitos dos jovens intelectuais, não tendo esta questão sido negligenciada por Fernando Namora neste romance. O personagem Júlio ataca com vigor as intenções literárias de alguns jovens escritores, assumindo a voz que questiona a eficácia prática das atividades intelectuais dos colegas. Mas a indignação de Júlio volta-se principalmente contra Luís Manuel, jovem rico e bem intencionado que sofre com a aversão e a desconfiança dos estudantes mais radicalmente envolvidos em atividades socio-políticas.[1]

Outro aspecto social, sublinhado por Ana Ferri, presente neste romance, refere-se ao novo quadro de estudantes das universidades portuguesas, um quadro que já não era formado apenas por filhos de fidalgos ou burgueses. A Universidade passa a receber membros de classes que antes ficavam de fora de seus muros, e passa a conhecer os desejos e a pobreza desses novos estudantes. Em Fogo Na Noite Escura, encontram-se personagens destas classes mais humildes como Zé Maria que apresenta um temperamento explosivo e que se impõe pelo forte físico de montanhês, tendo uma origem pobre e camponesa, e enfrentando grandes dificuldades financeiras para se manter na universidade.[1]

Desenvolvendo a análise deste personagem, Ana Ferri considera que Zé Maria vive uma verdadeira batalha interior para encontrar a essência da sua existência, para descobrir um objetivo que merecesse a luta com ímpeto e convicção, sendo uma grande síntese do perfil que Fernando Namora deu à grande maioria dos seus protagonistas. E são as atitudes deste personagem que dá o tom mais social de Fogo Na Noite Escura, marcando o início da convergência do seu autor ao novo movimento literário.[1]

Ana Ferri sintetiza que a trajetória de Fernando Namora, embora com a sua própria individualidade, foi participante do discurso de uma geração que primou pela intenção de transformar o seu tempo histórico num tempo mais humano e justo, ressaltando a importância que o Neorrealismo teve em Portugal, sendo mais do que um movimento e tendo representado uma inquietação intelectual que permaneceu até ao presente entre os que acreditam na Literatura e na Arte como instrumentos de transformação da sociedade.[1]

Referências

  1. a b c d e f g h Ana Carla Pacheco Lourenço Ferri, "O Caminho Fica Longe e Fogo na Noite Escura – Uma relação intertextual", Metamorfoses Revista de Estudos Literários Luso-Afro-Brasileiros, v. 15, n. 1 (2018) [1]
  2. a b c Fernando Namora, Fogo na Noite Escura, 7ª edição, 1971, Publicações Europa-América, Lisboa, badana da capa e contra-capa