Nota: Se procura outras acepções para o fenômeno, veja Dom de línguas.

Glossolalia (do grego γλώσσα, "glóssa" [língua]; λαλώ, "laló" [falar]) é um fenômeno de psiquiatria e de estudos da linguagem, em geral ligado a situações de fervor religioso, em que o indivíduo crê expressar-se em uma língua desconhecida, por ele tida como de origem divina.

A glossolalia religiosa é o nome pelo qual algumas denominações pentecostais e correntes religiosas como a Renovação Carismática Católica denominam a capacidade de reproduzir o fenômeno conhecido por dom de línguas, descrito no segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos.[1], embora no referido livro o fenômeno seja explicado não como a fala de uma língua estrangeira pelos apóstolos, mas sim o fato de os estrangeiros presentes em Jerusalém entenderem em seu próprio idioma o que estes diziam: "porque cada um os ouvia falar na sua própria língua".[2]

Psiquiatria: sintoma editar

Como sintoma psiquiátrico a glossolalia é uma das manifestações religiosas, quando "o indivíduo parece estar falando uma outra língua; ele produz sons ininteligíveis, porém mantém os aspectos prosódicos da fala normal".[3] Ressalta-se ainda que um caso de glossolalia constitui um dos estudos primordiais da ainda incipiente psicanálise, quando em 1900 o professor suíço Théodore Flournoy publicou sua obra: “Da Índia ao Planeta Marte: estudo sobre um caso de sonambulismo com glossolalia”.[4]

Religião e casos psiquiátricos de glossolalia editar

Muitos estudos psiquiátricos associam, contudo, os fenômenos religiosos modernos com os sintomas ditos glossolálicos. Neste sentido, Hempel e outros, em 2002, encontraram num universo de 148 pacientes de instituição penal, 18 casos de glossolalia, associados a delírios religiosos ou sexuais e a hiper-religiosidade, como sintomas de casos de distúrbio bipolar, comum a todos.[5][6] Mais diretamente ligado ao Brasil, tem-se que os movimentos pentecostais "oferecem um ritual mágico, permeado por cantos, danças que expressam intensas emoções, o que mobiliza a adesão de fiéis, assim como a ênfase em dons, como os da profecia e da glossolalia, produzem um encantamento e um fascínio sobre as pessoas" e que os casos verificados modernamente despertaram no pesquisador sentimentos que foram da "surpresa, ao incômodo, ao desassossego, agregavam-se a curiosidade e o interesse em conhecer, entender outras referências à religião que causavam estranhamento, principalmente sobre a possessão, o exorcismo, a glossolalia, a profecia e o louvor."[7]

Estudos da linguagem editar

Com relação aos estudos da linguagem, a pesquisadora Silvana Matias Freire, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, em 2007, publicou análise em que aborda a glossolalia sob três aspectos: religioso, patológico e lúdico. A abordagem tem por base a relação entre som e sentido e ainda a relação entre inibição e a falta de sentido no que se diz. Dentre as definições a que alude, consta aquela feita pelo neurologista André Roch-Lecours, segundo o qual a glossolalia compreende os "comportamentos linguísticos de aparências desviantes, caracterizados por um discurso fluente, articulação móvel, segmentável em termos de unidades fonéticas e inteiramente ou quase inteiramente constituído de neologismos."[8]

Ver também editar

  • Dom de línguas - haveria entendimento da língua natal de terceiro, entretanto há conceitos distintos sobre o tema.
  • Glossolalia religiosa - interpretação teológica para os fatos de Pentecostes.
  • Xenoglossia - fala de idioma estrangeiro, estranho ao falante mas conhecido por outros.

Referências

  1. OLIVEIRA JUNIOR, Antônio Wellington de (1997). «Sumário de: Línguas de anjos: sobre glossolalia religiosa» 
  2. Atos dos Apóstolos, Cap. II, v. 1-13; Bíblia Sagrada, tradução de João Ferreira de Almeida, 1969, ed. revista e corrigida.
  3. Elie Cheniaux (Junho de 2005). «Psicopatologia descritiva: existe uma linguagem comum?». Revista Brasileira de Psiquiatria vol.27 n.º 2 São Paulo. Consultado em 17 de junho de 2010 
  4. José Roberto Barcos Martinez (2006). «Metapsicopatologia da Psiquiatria: Uma Reflexão sobre o Dualismo Epistemológico da Psiquiatria Clínica entre a Organogênese e a Psicogênese dos Transtornos Mentais». São Carlos. Consultado em 17 de junho de 2010 
  5. André Stroppa; Alexander Moreira-Almeida (2009). «Religiosidade e espiritualidade no transtorno bipolar do humor». Revista de Psiquiatria Clínica, vol.36 n.º 5 São Paulo. Consultado em 17 de junho de 2010 
  6. Hempel AG, Meloy JR, Stern R, Ozone SJ, Gray BT. Fiery tongues and mystical motivations: glossolalia in a forensic population is associated with mania and sexual/religious delusions. J Forensic Sci. 2002;47(2):305-12.
  7. Luana da Silveira. «Para além de anjos, loucos ou demônios: um estudo sobre modos de subjetivação da loucura» (PDF). Consultado em 17 de junho de 2010 
  8. Silvana Matias Freire (3 de maio de 2007). «Glossolalias: ficção, semblante, utopia». Consultado em 17 de junho de 2010  (requer registro para download - gratuito)

Bibliografia editar

  • ANDRADE, M. M. (2002). Possessão como Loucura: a noção de saúde e doença mental na Igreja Universal do Reino de Deus e sua respectiva proposta terapêutica. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Federal da Bahia, Salvador.
  • ANTONIAZZI et al. (1994). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis (RJ): Vozes.
  • REDKO, C. (2004). Vivendo a primeira experiência da psicose através da religião. In: LEIBING, A. Tecnologias do corpo: uma antropologia das medicinas no Brasil. Rio de Janeiro: Nau.
  • MACEDO, E. (2014). Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios? 18.ed. Rio de Janeiro: Unipro.