Greve da Baixa do Cassange

movimento grevista camponês que despertou a luta pela independência de Angola

A greve da Baixa do Cassange, também chamada de revolta de Mariano e guerra de Maria, foi uma greve laboral considerada o primeiro movimento político que deflagraria a Guerra de Independência de Angola exatamente um mês depois e a Guerra Colonial Portuguesa ao longo dos três anos seguintes nas províncias ultramarinas portuguesas. A greve começou em 4 de janeiro de 1961 na região da Baixa do Cassange, no território da província de Malanje, na Angola Portuguesa. Nos dias seguintes, as autoridades portuguesas conseguiram suprimir a campanha grevista. Porém, a data de 4 de janeiro ficou na história angolana como o "Dia dos Mártires da Repressão Colonial", um feriado nacional em Angola.[1]

Acontecimentos editar

Antecedentes editar

A 4 de janeiro de 1959, angolanos residentes em Quinxassa que já militavam pela Associação dos Bacongos para a Unificação, a Conservação e o Desenvolvimento da Língua Congo (Abako), pelo Partido da Solidariedade Africana (PSA) e pela União das Populações de Angola (UPA),[2] participaram dos motins e distúrbios na cidade contra a repressão belga ao movimento independentista quinxassa-congolês.[3] Particularmente, neste momento histórico, os militantes da UPA estavam unidos aos da Abako, de forma que é atribuído majoritariamente à esta os acontecimentos de Quinxassa.[2] Durante os motins, lojas de comerciantes portugueses foram saqueadas por angolanos.[3] As autoridades do Congo Belga deportaram os angolanos envolvidos de volta para Angola.[3] A administração colonial portuguesa não deu importância às ideias independentistas que os recém-chegados poderiam ter, enviando-os para as lavouras de café e algodão do norte da colónia.[3]

Ameaça grevista: de outubro de 1960 a janeiro de 1961 editar

A agitação grevista começou a ser organizada por dois camponeses angolanos[2] que tinham participado dos motins de Quinxassa cerca de um ano antes:[2] António Mariano, um líder sindical que também era profeta católico-quimbanguista, e;[4] Quinguiri Bumba Culaxingo (irmão do soba Cambamba Culaxingo) também sindicalista e soba dos imbangalas.[2]

A agitação pela greve iniciou-se em outubro de 1960.[5] Inflamado pelas rádios quinxassa-congolesas, que diariamente atacavam o colonialismo português,[2] António Mariano passou a conclamar os trabalhadores camponeses da província de Malanje[2] à greve associada a um ideal nacionalista[2] e de misticismo religioso católico-quimbanguista,[3] ministrando a água de Maria,[2] pregando e entoando cânticos à glória de Patrice Lumumba e Simon Kimbangu.[2] Os camponeses recusaram receber sementes para plantarem em janeiro.[5]

Campanha grevista: de 4 de janeiro a 14 de fevereiro de 1961 editar

A 4 de janeiro de 1961, trabalhadores agrícolas camponeses da Baixa do Cassange empregados pela Companhia Geral dos Algodões de Angola (COTONANG), empresa luso-belga proprietária de latifúndios de plantação de algodão, paralisaram suas atividades[2] exigindo melhores condições de trabalho e de vida, contra o atraso no pagamento de salários[4] e contra a cultura forçada de algodão.[3][4] Durante o protesto, os trabalhadores angolanos queimaram os seus bilhetes de identidade e agrediram fisicamente os feitores portugueses nas instalações da empresa.[3]

Em 12 de janeiro o movimento grevista da Baixa do Cassange já havia irradiado para a zona das vilas de Milando e Quivota, e em 25 de janeiro, um capataz da COTONANG foi assassinado, com o movimento grevista reclamando o não-pagamento de impostos ao Estado, o fim do trabalho compulsório e a expulsão dos feitores e patrões brancos e o plantio somente de culturas de alimento e subsistências, findando os latifúndios de café e algodão.[3] A sublevação alastrou-se por toda a Baixa do Cassange após 25 de janeiro.[3] Além de Mariano e Culaxingo, esta nova etapa da greve foi liderada pelo soba Teca-Dia-Quinda,[5] por Rosário Neto[3] — nesta altura vice-presidente da UPA[2] — e pelo militante da UPA João César Correia (ou Correia Mecuiza Mecuenda).[5]

Em 30 de janeiro o movimento grevista toma a cidade de Cunda-Dia-Baze, com ataques e insultos à população branca residente.[3] Após o ocorrido, o governador de Malange ordena a evacuação de todas as mulheres e crianças brancas da área.[3]

Após 30 de janeiro a greve conseguiu a adesão dos trabalhadores da Diamang em Iongo e Xá-Muteba,[6] na Lunda Norte,[3] com o movimento de paralisação atingindo, em 3 de fevereiro, a região da vila de Cambo Suinginge,[3] com piquetes, destruição de pontes e cortes nas comunicações, bem como incêndios provocados em estruturas da COTONANG em Quirima.[3] Nesta data o movimento paralisa trabalhadores também nas localidades de Marimba, Massango, Tembo-Aluma, Cambundi Catembo, Capenda Camulemba, Xinge e Quela.[6]

Após o dia 3 de fevereiro os focos mais fortes da greve concentraram-se em quatro pontos da província malanjina: Cambo Suinginge, Quirima, Milando e Calandula.[3] Os grevistas obrigaram os portugueses a trabalhar na recuperação das estradas, reformar pontes e pontecos, além da destruição de todos os haveres dos comerciantes lusitanos.[3] A greve foi mantida até o dia 14 de fevereiro.[3]

Desmobilização, dispersão e repressão: 25 de janeiro a 6 de março de 1961 editar

Desde o dia 5 de janeiro os portugueses tentavam, sem sucesso, a intermediação dos sobas para por fim às greves.[3] Os primeiros resultados de desmobilização somente vieram a partir de 25 de janeiro, quando o Exército e a Força Aérea conseguiram debelar alguns poucos focos, sem emprego de força, com o apoio dos sobas locais.[3] As forças portuguesas se deslocaram com a finalidade de uma ação militar ampla na área.[3]

A partir de 6 de fevereiro as autoridades portuguesas responderam com um ataque aéreo a vinte aldeias da região,[6] com a ação militar se prolongando até 6 de março do mesmo ano.[3] As aeronaves portuguesas utilizaram granadas[6] e bombas de napalm,[6] atacando os pontos grevistas e as populações em fuga.[3]

A partir de 8 de fevereiro a marcha terrestre caçava os grevistas, matando, prendendo e castigando os trabalhadores insurgentes.[3] Culaxingo foi morto pelas tropas portuguesas em março,[7] e António Mariano foi preso e torturado, morrendo em maio numa prisão do Bié.[3]

Um grande número de aldeões foi morto juntamente com os trabalhadores grevistas,[3] com 17 aldeias totalmente destruídas pelos bombardeios. A liderança anticolonial luso-angolana estimou um total de 10 mil mortos,[3] enquanto o historiador René Pélissier estimou um número de mortes de 7 mil camponeses e aldeões, não considerados os presos e mortos em prisão.[3] Já o monsenhor Manuel Joaquim Mendes das Neves, uma das lideranças fundadoras do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) que estava em Luanda no período, relatou 524 angolanos fuzilados, 795 feridos e 879 prisões.[3]

Consequências editar

Coincidente com o período grevista em Malanje,[2] a ala comunista do MPLA iniciou a luta armada contra a dominação colonial, tendo como marco os ataques de 4 e 9 de fevereiro[4] daquele ano à Casa de Reclusão Militar, em Luanda, a Cadeia da 7ª Esquadra da polícia, a sede dos CTT e a Emissora Nacional de Angola, organizados operacionalmente por Adão Neves Bendinha[8] e pelo monsenhor Manuel Joaquim Mendes das Neves.[9] Este ataque marcou o início da luta armada de independência.[10]

Em 15 de março, mais de dois meses depois do início da greve,[2] a UPA, sob orientação de Holden Roberto, protagonizou uma uma série de ataques armados na região norte de Angola, particularmente nas províncias do Uíge, Zaire e Bengo.[3] Agricultores e trabalhadores das plantações de café das etnias congo e ambunda lançaram uma revolta armada contra o domínio colonial,[4] matando cerca de 1 000 angolanos brancos e mestiços em poucos dias, juntamente com um número desconhecido de nativos. Os manifestantes queimaram plantações, pontes, instalações governamentais e delegacias de polícia, e destruíram várias barcaças e balsas. Imagens de colonos estuprados e mutilados inflamaram o público português, e o Exército Português instituiu uma campanha de contra-insurgência[3] que destruiu dezenas de aldeias e matou cerca de 20 000 pessoas antes que o levante fosse totalmente reprimido em setembro de 1961.[11]

Referências

  1. «Mártires da repressão colonial são lembrados em Angola». Jornal de Angola. 4 de janeiro de 2022 
  2. a b c d e f g h i j k l m n Aida Freudenthal (1999). «A Baixa de Cassanje: algodão e revolta» (PDF). Revista Internacional de Estudos Africanos (18-22): 245-283 
  3. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac ad ae Anabela Silveira (2013). «A Baixa de Cassange: o prenúncio da luta armada». Universidade do Porto. Revista Porto (3): 39-57 
  4. a b c d e Luís Manuel Brás Bernardino (setembro de 2021). «Os movimentos de libertação em Angola e a criação das Forças Armadas Angolanas: contributos da ideologia política» 0106 ed. Florianópolis. Tempo & Argumento. 13 (34) 
  5. a b c d «Massacre da Baixa de Cassanje influenciou revoltas posteriores». Jornal de Angola. 6 de janeiro de 2021 
  6. a b c d e Artur Osório (2016). «As Revoltas do Cassange». Academia Militar. Proelium. VII (11) 
  7. «Morreu Cambamba Culaxingo, rei da Baixa de Cassange». Notícias Lusófonas. 15 de janeiro de 2006 
  8. «Adão Neves Bendinha foi militante do MPLA». Jornal de Angola. 2 de setembro de 2019 
  9. «Um reconhecimento com sabor a pouco…». Jornal de Angola. 26 de janeiro de 2018 
  10. Feliciano Paulo Agostinho (Setembro de 2011). Guerra em Angola: As heranças da luta de libertação e a Guerra Civil (PDF). Lisboa: Academia Militar 
  11. Walker, Frederick (2004). A Certain Curve of Horn: The Hundred-Year Quest for the Giant Sable Antelope of Angola. New York: Grove Press. p. 143. ISBN 0-8021-4068-8