Igreja de Nossa Senhora da Anunciação (Mértola)

igreja em Mértola
 Nota: Para outros significados, veja Igreja da Anunciação.

A Igreja de Nossa Senhora da Anunciação, também referida como Igreja Matriz de Mértola, no Alentejo, localiza-se na freguesia, vila e município de Mértola, no distrito de Beja, em Portugal.[1] Foi construída no século XII, durante o período muçulmano, sendo originalmente uma mesquita.[2] Após a reconquista foi convertida numa igreja, e no século XVI foi alvo de grandes obras de remodelação, com a ocultação de algumas partes que tinham sobrevivido da antiga mesquita, e a introdução de novos elementos, de influência renascentista e manuelina.[3] Foi classificada como Monumento Nacional em 1910.[4][5]

Igreja de Nossa Senhora da Anunciação
Igreja de Nossa Senhora da Anunciação (Mértola)
Igreja de Nossa Senhora da Anunciação
Tipo igreja
Estilo dominante Gótica e renascentista
Religião católica
Diocese Beja
Património Nacional
DGPC 70163
SIPA 741
Geografia
País Portugal Portugal
Cidade Mértola
Coordenadas 37° 38' 18" N 7° 39' 49" O
Mapa
Localização em mapa dinâmico
Interior da igreja em 2012, vendo-se ao fundo o altar-mor e o elemento do mirabe.

Descrição editar

A igreja assenta sobre uma plataforma elevada, que no período islâmico ficava a oriente do Bairro da Alcáçova.[3] Ainda apresenta uma configuração de mesquita, com o interior composto por um grande salão, dividido em cinco naves[3] e quatro tramos.[2] O altar-mor está situado no mesmo local onde se encontra o mirabe, que era o local de oração na religião islâmica.[3] No interior são de especial interesse os elementos no estilo manuelino.[3] Possui uma torre sineira, que originalmente era o minarete da mesquita, com planta quadrada e 15 m de altura.[3] Destaca-se igualmente a porta principal, de influência renascentista,[3] e o conjunto de merlões e pináculos cónicos, que se integram no estilo mudéjar alentejano,[4] com influências sírias.[2] Por debaixo do espaço da sacristia foram encontrados os vestígios de uma necrópole medieval.[3]

A mesquita estava construída em alvenaria, e era de dimensões médias,[3] ligeiramente superiores às da igreja, contando com seis tramos suportados por vinte colunas, enquanto que a igreja tem apenas quatro tramos sobre doze colunas.[2] A mesquita era de planta quadrangular, e tinha uma configuração em T, com as naves central e do mirabe mais amplas do que as restantes, demonstrando desta forma a influência dos modelos arquitectónicos do Norte de África.[3] O tecto seria em madeira policromada, enquanto que as coberturas eram formadas por cinco telhados de duas águas, sobre cada uma das naves.[2] Sobreviveram alguns elementos do período islâmico, como os muros exteriores, quatro portas, e o mirabe, que era utilizado durante as cerimónias religiosas.[4] As portas eram de arco em ferradura, com moldura em alfiz, sendo uma para o exterior e três para o pátio (sahn),[2] que se situaria a Nordeste.[3] O mirabe, do período almóada,[2] situa-se no lado Sudeste da igreja, sendo de planta rectangular e em forma de ábside.[3] Apresentava originalmente uma configuração pentagonal, e assentava sobre uma estrutura de planta quadrada em granito, sendo ladeado por uma estreita sala para o mimbar.[2] Este elemento é descrito nas visitações quinhentistas como sendo amomível.[2] Apresentava uma decoração muito elaborada, com esculturas em gesso formando três arcos cegos polilobados terminando numa cimalha com moldura em dois cordões do infinito[2] e pequenas volutas, que originalmente seriam pintadas em vários tons.[4] Após a conversão em igreja, o mirabe foi ocultado com recurso a trabalhos de reboco.[3]

O arqueólogo Estácio da Veiga, que esteve na vila de Mértola em 1877, descreveu a igreja:«Tem aquelle templo cinco naves, formadas com quatro fileiras de rubustas columnas, coroadas por capiteis de vario lavor. Já não existe o seu portico principal, que foi necessariamente aberto onde agora se vê o altar, do lado do baptisterio, occupando uma extremidade da sua antiga nave central, e portanto devêra no extremo opposto ter estado o altar mór. A abobada que cobre este templo é assente sobre nervuras de pedra lavrada em successivo cruzamento, com raras variantes, como se observa na cobertura do topo da nave central, em que julgo ter estado o primitivo altar mór, porque ahi os triangulos curvilineos são, dos vertices para as bases, divididos por mais nervuras, como para distinguir dos outros aquelle espaço».[6] Sobre o portal da igreja, comentou que «a porta que actualmente se observa n'esta desfigurada igreja é um verdadeiro enxerto, que inteiramente destoa, pela sua forma rectangular e por seus ornatos de baixo relevo, do estylo ogival primitivo, como obra do seculo XVI, a que tambem pertence o escudo coroado das armas reaes, existente sobre o arco da Misericordia. Esta porta, mui posteriormente aberta n'uma parede lateral, veio inverter a primordial ordenança das naves, que foram cinco e que d'este modo ficaram parecendo quatro, duas à esquerda da que hoje é central e uma a direita; o que nunca poderia ter praticado o architecto fundador d'aquelle famoso edifício, porque um desconcerto tão grosseiro um simples artífice não ousaria commettel-o, e comtudo este erro, no meu entender, tem até certo ponto uma causa, que tende a explical-o. O terreno do castello, com a queda dos antigos edifícios, parece ter descido ao ponto de inutilisar o antigo pórtico e as suas avenidas, e em vez de se proceder aos desaterros que fossem precisos ali para se desaffrontar o templo, preferiu-se destruir-lhe o portico e abrir-lhe uma nova entrada. D'aqui resultou a necessidade de se pôr a capella mór em frente desta entrada, e portanto rompeu-se tambem a outra parede lateral e fez-se um vão hediondo, em que se collocou o throno».[6]

 
Gravura da igreja por Roque Gameiro, publicada na obra História de Portugal, de 1899.

História editar

O local onde se ergue a igreja foi ocupado pelo menos desde a época romana, tendo sido encontradas peças com inscrições do século II.[2] Neste sítio esteve um santuário paleocristão, provavelmente do século VI a VII.[3]

A mesquita foi edificada na segunda metade do século XII,[4] reaproveitando partes de estruturas anteriores, como uma arquitrave e elementos com inscrições.[2] Um dos indícios da mesquita poderá ter sido encontrado na área do Convento de São Francisco, tendo o arqueólogo Estácio da Veiga referido a existência de um «celebre monumento árabe de caracteres cûficos, que o abalisado arabista fr. João de Sousa vertera em linguagem portugueza, e que bem parece ter pertencido a uma mesquita na epocha do dominio mahometano: mas fui tarde para resgatar este padrão monumental, cujo destino é desconhecido pela própria gente antiga da villa».[7] Transcreveu a tradução de João de Sousa: «Em nome de Deus vivo, e permanente; o qual não dormita, nem o acommette a somnolencia. D'elle é tudo o que ha no céu e na terra. O ambito do seu throno occupa os céus, e a terra. Elle é o Sábio, e Magnifico. Alcorão, capitulo 2.º., V. 236. Oh vós homens (os crentes) temei o vosso Deus: e aquelle dia, no qual o pae não paga pelo filho, nem este por seu progenitor. Por certo a promessa de Deus é verdadeira. Não vos engane a vida mundana, nem vos entregueis ás persuasões do tentador (Satanás); pois pretende separar-vos da lei do vosso Deus, o qual só conhece a hora do dia (do Juizo). Elle é que faz cair a chuva, e o que penetra o mais occulto das entranhas. O homem ignora o queie poderá lucrar no dia de amanhã, nem sabe em que terra será sepultado; pois só Deus é sábio, e plenamento instruido. Alcorão, capitulo 31, v. 33».[8]

Após a reconquista de Mértola, em 1238,[9] foi convertida numa igreja pela Ordem de Santiago,[3] embora tendo mantido ainda a estrutura original.[4] Um espaço anexo à igreja foi utilizado como cemitério desde a reconquista até aos finais do século XV, tendo depois sido coberto pela sacristia.[3] No século XVI a igreja foi alvo de profundas obras de remodelação, devido ao grave estado de ruína em que se encontrava.[4] Ao mesmo tempo, procurou-se apagar alguns dos elementos de origem não cristã.[3] Assim, foram feitas algumas alterações no edifício, como o entaipamento de algumas portas e a substituição da cobertura por um conjunto de abóbadas nervuradas,[4] passando a ter um tecto de duas águas.[3] Também foi modificada a porta principal, como se pode constatar pela sua decoração renascentista, e o interior, que passou a contar com elementos manuelinos.[3] São também desta centúria os merlões.[2]

Estácio da Veiga comentou sobre a igreja que «a tradição local diz ter sido mesquita mahometana, mas onde não ha ver um único vestígio architectonico ou de lavor ornamental do estylo árabe».[6]

A igreja foi classificada como Monumento Nacional por um decreto de 16 de Junho de 1910.[10] Na década de 1950 o imóvel foi alvo de obras por parte da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, durante as quais foram redescobertas as antigas portas com arco em ferradura.[4] Nos finais de 2003 e princípios de 2004 foram feitos trabalhos arqueológicos na igreja, por parte do Campo Arqueológico de Mértola, durante os quais foi posta a descoberto a cave da antiga sacristia, que tinha sido atulhada durante as obras nos anos 50,[4] além de várias partes do mirabe.[2] Esta campanha permitiu aprofundar os conhecimentos sobre a configuração das estruturas arquitectónicas, com destaque para as fases construtivas anteriores à edificação da mesquita, no século XII, além da topografia do imóvel durante o período medieval.[3] Foi igualmente estudada a necrópole por debaixo da sacristia.[3]

 
Detalhe de uma porta em arco de ferradura.

Ver também editar

Referências

  1. TERENA, Paula; GORDALINA, Rosário (2019). «Igreja de Nossa Senhora de Entre Ambas-as-Águas / Igreja de Nossa Senhora da Assunção / Igreja Paroquial de Mértola». Sistema de Informação para o Património Arquitectónico. Direcção-Geral do Património Cultural. Consultado em 6 de Fevereiro de 2024 
  2. a b c d e f g h i j k l m n «Igreja Matriz de Mértola - antiga mesquita». Base de Dados do Património Islâmico em Portugal. Universidade Lusófona. Consultado em 5 de Fevereiro de 2024 
  3. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u COSTEIRA, C. (18 de Fevereiro de 2019). «Mértola - Mesquita / Igreja Matriz». Portal do Arqueólogo. Direcção-Geral do Património Cultural. Consultado em 6 de Fevereiro de 2024 
  4. a b c d e f g h i j «Antiga Mesquita/Igreja Matriz de Mértola». Património construído. Câmara Municipal de Mértola. Consultado em 5 de Fevereiro de 2024 
  5. «Igreja matriz de Mértola». Pesquisa de Património Imóvel. Direcção-Geral do Património Cultural. Consultado em 6 de Fevereiro de 2024 
  6. a b c VEIGA, 1880:170
  7. VEIGA, 1880:18
  8. VEIGA, 1880:148-149
  9. CAPELO et al, 1994:36
  10. PORTUGAL. Decreto sem número, de 16 de Junho de 1910. Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria - Direcção-Geral das Obras Publicas e Minas - Repartição de Obras Publicas. Publicado no Diário do Governo n.º 136, de 23 de Junho de 1910.

Bibliografia editar

Ligações externas editar

 
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