Irnério (em latim: Irnerius ou Wernerius, por vezes, denotando origem germânica, denominado Theutonicus; (Bolonha, c. 1050/1060 – Bolonha, c. 1125/1130) foi um jurista, professor universitário e glosador medieval italiano. Atuou na Universidade de Bolonha, onde era magister e um dos fundadores da escola de direito. Foi o responsável por empregar novamente os textos legislativos compilados por Justiniano que haviam acabado de ser descobertos. Em razão de sua atividade, Irnério costuma receber o apelido de lucerna iuris ou luz da lei. Também é lembrado como illuminator scientiae nostrae, ou seja, como "o iluminador de nossa ciência", isto é o direito.[1]

Irnério glossando as antigas leis. Luigi Serra, 1886, Colleção Stefano Pezzoli (Bolonha).

Biografia editar

Pouco se sabe da vida de Irnério. Em primeiro lugar, devia fazer parte da corte de Matilde de Canossa, amiga do futuro Papa Gregório VII, que faleceu em 1115 .

Menções a Irnério aparecem em 14 documentos datados de entre 1112 e 1125 - autos judiciais, uma doação privada e privilégios concedidos pelo sacro-imperador Henrique VI — nos quais ele vem descrito como causidicus e iudex bononiensis.

Após a morte do Papa Pascoal II, defendeu os direitos de Henrique V nas eleições papais. Além disso, um certo magister Guarnerius teria estado envolvido, junto a outros juristas, em algumas questões ligadas à eleição do antipapa Gregório VIII, arcebispo de Braga. Em 1118, recorrendo à Lex regia de imperio, teria declarado legítima a eleição de Gregório VIII e, por este motivo, teria sido excomungado no ano seguinte. Em 1116, muito provavelmente fazia parte da Corte Imperial. Crê-se que tenha morrido sob o Reino de Lotário II, antes do ano de 1140.

Seus sucessores foram, na verdade, seus alunos, apelidados os quatro doutores: Búlgaro, Martinho, Jácobo e Hugo. Graças a esses quatro doutores, a Escola de Bolonha não se reduziu a um episódio temporário ligado à vida de Irnério.

Conta-se que Irnério, próximo da morte, teria sido questionado pelos seus discípulos a respeito do seu sucessor. Teria, então, respondido: Bulgarus, os aureum, Martinus copia legum, Mens legum est Ugo, Jacobus id quod ego. A lenda, ao descrever a escolha de Jácobo, funda-se na lenda contada por Aulo Gélio a respeito do testamento de Aristóteles.

Irnério foi logo depois esquecido, tendo sido apenas redescoberto no século XIX graças ao estudo dos historiadores do direito alemão. Seu nome exato ainda é bastante incerto, tendo em vista que há grandes variações nos manuscritos, podendo-se ler Hirnerius, Hyrnerius, Yrnerius, Iernerius, Gernerius, Guarnerius, Warnerius, ed infine Wernerius.

Obras editar

 
Glossae ad Digestum vetus, manuscrito do século XII

A dedicação de Irnério constituiu ponto central e de viragem para a cultura e civilização europeias. Suas nomerosas glosas interlineares ao Codex de Justiniano, recolhidas na Summa Codicis de Azão, assinalam o início de um direito europeu escrito, sistemático, compreensível e racional, baseado por inteiro no direito romano.

O ensino do jurista bolonhês consistia na leitura de uma parte do Codex aos estudantes, que deveriam copiá-lo para, depois, acompanhar os seus comentários e explicações sobre o assunto contido nas glosas. Foi, portanto, o primeiro dos glosadores, categoria de juristas que se consolidaria naquele período e que contribuiu fortemente para a evolução do direito. O texto da littera Bononiensis (uma versão praticamente paralela da célebre littera Florentina), que servia de base para os estudantes de Irnério, espalhou-se pela Europa em pouquíssimo tempo graças aos seus discípulos de Bolonha, que retornavam aos seus lugares de origem após a preparação heurística.

Além disso, de acordo com uma opinião antiga hoje muito contestada, Irnério também foi o autor do Epitome sulla Novellae (o famoso Epitome Authentica ). Ainda, ele foi quase certamente o autor do Formularium tabellionum (um diretório para notários) e das Quaestiones (uma coleção de julgamentos), que, no entanto, não chegaram à modernidade.

Manuscritos editar

  • Glossae ad Codicem, séculos XI - XII, Paris, Bibliothèque Nationale de France, Fonds latin, Lat. 4517, ff. 5ra-175va.
  • Glossae ad Digestum vetus, século XII, Padova, Biblioteca Universitaria di Padova, Fondo manoscritti, ms. 941, ff. 1-198.

Referências

Bibliografia editar

  • Alberto Del Vecchio, Notizie di Irnerio e della sua scuola (Pisa, 1869).
  • Enrico Besta, L'opera d'Irnerio: Contributo alla storia del diritto romano, 2 vol., Torino: Loescher, 1896.
  • Antonio Rota, Lo Stato e il diritto nella concezione di Irnerio, Milano: Giuffre, 1954.
  • (em alemão) Friedrich Carl von Savigny, Geschichte des Römischen Rechts im Mittelalter (2ª. ed., Heidelberg, 1834-1851) iii. 83.
  • (em alemão) Julius Ficker, Forschungen zur Reichs- und Rechtsgeschichte Italiens, vol. III. (Innsbruck, 1870).
  • (em alemão) Herman Fitting, Die Anfänge der Rechtsschule in Bologna (Berlim, 1888).
  • Enrico Spagnesi, Wernerius Bononiensis iudex: la figura storica d'Irnerio; contiene l'edizione critica di 14 documenti diplomatici d'Irnerio (Accademia toscana di scienze e lettere La Colombaria. Studi, 16), Firenze: Olschki, 1970.
  • Mario Ascheri. Introduzione storica al diritto moderno e contemporâneo, 2ª ed. Giappichelli, 2008.

Ligações externas editar

 
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  • Irnerio, in Dizionario biografico degli italiani, Istituto dell'Enciclopedia Italiana
  • Knight, Kevin (ed.). «Irnerius». New Advent (em inglês). Nova Iorque: Robert Appleton Company, New Advent Catholic Encyclopedia. Consultado em 22 de janeiro de 2024