Linguagem de Mitchell–Bénabou

Na teoria das categorias, especificamente lógica categórica, a linguagem de Mitchell–Bénabou é uma linguagem formal que permite facilitar a demonstração de propriedades de topos. Com ela é possível tratar os objetos e morfismos de um topos como se fossem conjuntos e funções num universo satisfazendo as regras da lógica intuicionista de ordem superior.[1]

A linguagem foi inicialmente desenvolvida por William Mitchell[2], com adições por Jean Bénabou e outros.[3]

A determinação de validade de fórmulas na linguagem de Mitchell–Bénabou pode ser feita pela semântica de Kripke–Joyal, desenvolvida por André Joyal, como generalização das semânticas de Kripke.[4]

Definição editar

Na linguagem, termos são classificadas de acordo com tipos. A família dos tipos é definida recursivamente a seguir.[5]

  • Cada tipo básico Ti, … (de uma família previamente escolhida) é um tipo.
  • Se A e B são tipos, então A × B e AB também são tipos.
  • 1 e Ω são tipos.

Se cada tipo básico Ti for associado a um objeto [Ti] de um topos E, então cada tipo associa-se a um objeto de E, de acordo com as regras:

Um contexto é uma sequência finita de tipos; denota-se um contexto por Γ := x1 : A1, …, xn : An, onde Ai são tipos e xi são símbolos de variáveis, escolhidas arbitrariamente, desde que sejam distintas. Cada contexto Γ tem uma interpretação [Γ] = [A1] × … × [An], como produto das interpretações dos tipos constituintes.[5]

Um sequente é uma expressão do formato Γe : B, onde e é uma expressão possivelmente mencionando as variáveis de Γ e B é um tipo. Os sequentes bem formados são definidos recursivamente a seguir.

  • Se xi : Ai é parte do contexto Γ, então Γxi : Ai é bem formado.
  • Se Γ, x : Ce : B é bem formado, então Γ ⊢ λ (x : C). e : CB é bem formado.
  • Se Γf : CB e Γx : C são bem formados, então Γf x : B é bem formado.
  • Γ ⊢ () : 1 é bem formado.
  • Se Γa : A e Γb : B são bem formados, então Γ ⊢ (a, b) : A × B é bem formado.
  • Se Γe : A × B é bem formado, então Γ ⊢ p1 e : A é bem formado; similarmente à segunda projeção.
  • Se Γa : A e Γb : A são bem formados, então Γ ⊢ (a = b) : Ω é bem formado.
  • Para cada constante dada h : ST (numa família previamente escolhida), Γh : ST é bem formado.[5][6]

A linguagem de Mitchell–Bénabou é a linguagem consistindo dos sequentes bem formados como acima.

Supõe-se que toda constante dada h : ST recebe interpretação [h] : [S] → [T] como morfismo em E. Então, cada sequente bem formado Γe : B recebe interpretação como morfismo [Γ] → [B], dada recursivamente.

  • [x1 : A1, …, xn : Anxi : Ai] é a projeção [A1] × … × [An] → [Ai].
  • [Γ ⊢ λ (x : C). e : CB] é o morfismo [Γ] → [B][C] transposto de [Γ, xe] : [Γ] × [C] → [B] pela adjunção exponencial.
  • [Γf x] := ap ∘ ([Γf], [Γx]), onde ap : [B][C] × [C] → [B] é como na adjunção exponencial.
  • [Γ ⊢ () : 1] := () : [Γ] → 1.
  • [Γ ⊢ (a, b)] := ([Γa], [Γb]).
  • [Γ ⊢ p1 e] := p1 ∘ [Γe]; similarmente à segunda projeção.
  • [Γ ⊢ (a = b)] := [=] ∘ ([Γa], [Γb]), onde [=] : [A] × [A] → Ω é morfismo característico de (id, id) : [A] → [A] × [A].
  • [Γh] := h^ ∘ (), onde h^ : 1 → [T][S] é transposto de [h] ∘ p2 : 1 × [S] ≅ [S] → [T].[5][6]

Conectivos lógicos editar

Expressões de tipo Ω podem ser imaginadas como valores lógicos. A linguagem de Mitchell–Bénabou é suficiente para definir os conectivos lógicos, como a seguir.

  • vero := (() = ()) : Ω.
  • pq := ((p, q) = (vero, vero)).
  • ∀ (x : A), p := ((λ (x : A), p) = (λ (x : A), vero)), onde p pode mencionar x.
  • falso := ∀ (p : Ω), p.
  • pq := (p = pq).
  • ¬ p := p ⇒ falso.
  • pq := ∀ (r : Ω), (pr) ⇒ ((qr) ⇒ r).
  • ∃ (x : A), p := ∀ (r : Ω), (∀ (x : A), pr) ⇒ r, onde p pode mencionar x.

Se Γ é um contexto e Γφi : Ω são sequentes bem formados, escreve-se

Γ | φ1, …, φnφ0

quando m1 ∩ … ∩ mnm0, onde mi é o subobjeto associado a [Γφi] : [Γ] → Ω. Com isso, pode-se mostrar que valem as regras usuais da lógica intuicionística de predicados.[1]

Semântica de Kripke–Joyal editar

Dado sequente bem formado Γφ : Ω, e dado morfismo a : U → [Γ], escreve-se

aφ ou Uφ(a)

quando [Γφ] ∘ a = vero ∘ (), onde vero : 1 → Ω é classificador de subobjetos no topos E. Neste caso, diz-se que a força φ. Quando Γ é vazio, de modo que a = (), lê-se () ⊩ φ como "φ é válido em E".[7][1]

Pode-se mostrar as seguintes regras de semântica de conectivos lógicos.

  • Uφ(a) ∧ ψ(a) se e só se Uφ(a) e Uψ(a).
  • Uφ(a) ∨ ψ(a) se e só se existe epimorfismo p, q⟩ : V + WU tal que Vφ(ap) e Wψ(aq).
  • Uφ(a) ⇒ ψ(a) se e só se, para cada seta p : VU tal que Vφ(ap), vale Vψ(ap).
  • U ⊩ falso(a) se e só se U é objeto inicial.
  • U ⊩ (∀ (y : Y), φ(_, y))(a) se e só se, para quaisquer setas p : VU e β : V → [Y], vale Vφ(ap, β).
  • U ⊩ (∃ (y : Y), φ(_, y))(a) se e só se existem epimorfismo p : VU e morfismo β : V → [Y] tais que Vφ(ap, β).
  • U ⊩ (σ = τ)(a) se e só se [σ] ∘ a = [τ] ∘ a.

A interpretação mais restritiva dos conectivos é o que faz com a que a semântica de Kripke–Joyal seja em geral apenas intuicionista (isto é, sem precisar satisfazer p ∨ ¬ p).[7]

A seguir, exemplos de interpretações.

  • Uma seta f : XY é um monomorfismo se e só se x, ∀ y, f x = f yx = y é válido (isto é, f é "internamente injetivo").[8]
  • Um topos E satisfaz ∀ (f : XY), (∀ y, ∃ x, f x = y) ⇒ ∃ s, ∀ y, f (s y) = y (o "axioma da escolha interno") se e só se, para cada EE, o functor (_)E leva epimorfismos a epimorfismos.[7]
  • Um objeto de naturais num topos E consiste de morfismos z : 1 → N e s : NN tais que, para quaisquer morfismos a : 1 → X e b : XX, existe único morfismo j : NX tal que jz = a e js = bj. (Este é o princípio de indução.) Se um topos E admite um objeto de naturais, também admite um objeto de inteiros, um objeto de racionais e um objeto de reais de Dedekind, dados por fórmulas adequadas.[9]

Semântica de feixes editar

Quando E é um topos de Grothendieck Fx(A, J), para a semântica de Kripke–Joyal basta analisar os casos especiais Uφ(a), onde U é um membro do separador {a y A}AA. (Aqui, a denota a feixificação.)

Para feixe X, e para xX(A), denota-se Aφ(x) quando [φ](x) = tA. (Lembrar que Ω(A) é o conjunto de peneiras fechadas em A, enquanto tA é a peneira máxima em A.) Isto é equivalente à definição anterior pois X(A) ≅ hom(a y A, X).[4]

Neste caso, existem as regras de manipulações de conectivos lógicos. (Abaixo, xX(A).)

  • Aφ(x) ∧ ψ(x) se e só se Aφ(x) e Aψ(x).
  • Aφ(x) ∨ ψ(x) se e só se existe cobertura {fi : AiA} tal que, para cada índice i, vale Aiφ(xfi) ou Aiψ(xfi).
  • Aφ(x) ⇒ ψ(x) se e só se, para cada f : BA, Bφ(xf) implica Bψ(xf).
  • A ⊩ ¬ φ(x) se e só se, para cada f : BA, Bφ(xf) implica que a família vazia cobre B.
  • A ⊩ (∀ (y : Y), φ(_, y))(x) se e só se, para cada f : BA e cada b ∈ [Y](B), vale Bφ(xf, b).
  • A ⊩ (∃ (y : Y), φ(_, y))(x) se e só se existe cobertura {fi : AiA} e existem elementos ai ∈ [Y](Ai) tais que Aiφ(xfi, ai) para cada índice i.[4]

Aplicações editar

A linguagem de Mitchell–Bénabou (junto à semântica de Kripke–Joyal) pode ser usada para estudar modelos de sistemas intuicionísticos. Por exemplo, se T é uma categoria pequena de espaços topológicos incluindo e satisfaz certas propriedades adicionais, então o topos de Grothendieck Fx(T, J) (onde J é a topologia de Grothendieck das coberturas abertas) valida o teorema de continuidade de Brouwer: "todas as funções RR são contínuas", onde R é o objeto de reais de Dedekind (que neste topos é dado por R := hom(_, ℝ), o feixe das funções reais contínuas).[10]

Também, a linguagem pode ser usada para provar resultados sobre topos como se fossem universos de conjuntos; um exemplo a seguir. Construtivamente vale que, se R é um anel comutativo unitário tal que todo elemento de R que não é invertível é zero, então todo R-módulo finitamente gerado não não admite base. (Mas não é possível provar que sempre admita base.) Aplicando-se essa afirmação a um topos adequado, prova-se o seguinte. Seja X um esquema reduzido, e seja F um OX-módulo de tipo finito; então F é localmente finitamente livre num aberto denso. (Mas não o precisa ser em todo o espaço.)[11]

Referências

  1. a b c (Streicher 2004, §13)
  2. Mitchell, William (1972). «Boolean topoi and the theory of sets». Journal of Pure and Applied Algebra. doi:10.1016/0022-4049(72)90006-0 
  3. Pierre, Cartier (1979). «Logique, catégories et faisceaux». Séminaire Bourbaki (513). Zbl 0406.03074 
  4. a b c (Mac Lane & Moerdijk 1992, §VI.7)
  5. a b c d e (Streicher 2004, §11.2)
  6. a b (Mac Lane & Moerdijk 1992, §VI.5)
  7. a b c (Mac Lane & Moerdijk 1992, §VI.6)
  8. (Mac Lane & Moerdijk 1992, exercício VI.10)
  9. (Mac Lane & Moerdijk 1992, §VI.8)
  10. (Mac Lane & Moerdijk 1992, §VI.9)
  11. (Blechschmidt 2017, §II.5)

Bibliografia editar


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