Ludgero Prestes

político brasileiro

Ludgero Prestes (proximidades de Canudos, Bahia, 1890 - Amparo, 13 de outubro de 1934) foi um menino sobrevivente da Guerra de Canudos, trazido para São Paulo pelo escritor e jornalista Euclides da Cunha. Ludgero se formou professor e veio a ser o primeiro diretor do Grupo Escolar de Bebedouro.

1908: Ludgero Prestes no ano de sua graduação, em foto enviada a Euclides da Cunha

Crianças como butim de guerra editar

 
1897: Mulheres e crianças presas durante os últimos dias da guerra de Canudos
 Ver artigo principal: Guerra de Canudos

Além da destruição total do arraial de Canudos, a degola em massa dos prisioneiros de guerra e o estupro de muitas mulheres e mocinhas sertanejas, a guerra de Canudos foi marcada pelo extravio e distribuição desordenada de centenas de crianças, órfãs ou não, pelos militares. Essas crianças eram encontradas em péssimas condições: feridas, nuas, esqueléticas, morrendo de fome. Após serem levadas pelos militares, acontecia que meninas eram defloradas pelos seus supostos protetores, e muitas crianças passaram a viver como escravas nas casas de quem as abrigava. Na boca do povo, eram chamadas de "jaguncinhos", um termo que aparece frequentemente durante os últimos dias da guerra.[1] O Comitê Patriótico da Bahia formou uma comissão para recolher crianças sertanejas feitas prisioneiras e, em seu relatório final, descreve a situação em que muitos menores foram encontrados. "E, pesa-nos dizê-lo, que grande parte dos menores reunidos pela comissão, dentre eles meninas púberes e mocinhas, se achavam em casa de quitandeiras e prostitutas. Foi, pois, para lamentar a distribuição indevida das crianças, sendo muitas remetidas para vários pontos do estado e para a capital, como uma lembrança viva de Canudos ou como um presente, sem que parentes ou o governo lhes conheça o paradeiro." [2]

O trabalho principal da comissão foi recolher o maior número possível dessas crianças e, caso ainda tivessem pais ou parentes vivos, trazê-los de volta à sua família. Menores órfãos e sem família eram deixados em orfanatos ou com famílias de confiança. Mas, no momento de instauração da comissão, a maior parte das crianças já estava longe, acompanhando militares oriundos de todo o território nacional.

O jaguncinho de Euclides da Cunha editar

Também Euclides da Cunha, que estava em Canudos como correspondente de guerra de O Estado de S. Paulo, recebeu um "jaguncinho". No dia 21 de setembro de 1897, anotou em sua caderneta de campo: "À 1 hora o General Artur mandou-me chamar para a prosa. (...) Conversamos até a hora do jantar. (...) Interrogamos um jaguncinho quase inanido vindo de Cocorobó." No dia seguinte, continua: "Noto com tristeza que o jaguncinho que me foi dado pelo general continua doente e talvez não resista à viagem para Monte Santo." [3]

Euclides da Cunha o levou consigo, e o menino sobreviveu, chegando a Pauliceia em 21 de outubro de 1897. A Gazeta de Notícias do dia seguinte escreveu: "Em companhia do dr. Euclides veio um jaguncinho de sete anos, que ficará sob a proteção do dr. Gabriel Prestes, diretor da Escola Normal. O jaguncinho não tem nem pai nem mãe, é muito vivo e narra com precisão admirável todos os episódios sangrentos dos últimos combates nos quais ele perdeu os pais." [4]

Chegando em São Paulo, Euclides da Cunha entregou Ludgero para ser criado pelo influente educador Gabriel Prestes. Segundo Laura Rodrigo Otávio, esposa de Rodrigo Otávio Filho e amiga da família, Ludgero era "vesgo, um tanto desengonçado".[5] Não tendo filhos, Gabriel Prestes ofereceu a Ludgero um lar e "muita ternura".[6] Ludgero acabou se formando pela escola de seu pai adotivo, a Escola Normal Caetano de Campos.

Em busca de sua origem editar

A República e seus "defensores" não pouparam esforços para varrer Canudos do mapa. As lembranças tinham de ser apagadas, inclusive dos corações e das mentes dos "jaguncinhos". Escreve a historiadora Vanessa Sattamini: "Apesar de toda a violência da guerra, das mortes, dos assassinatos que não pouparam mulheres e crianças, esta pareceu-me a maior e mais cruel das violências empreendidas pelo governo republicano: tirar de crianças que já haviam perdido tudo, o direito sobre a sua própria história de vida." [7]

Em São Paulo, o jaguncinho trazido por Euclides da Cunha recebeu o sobrenome do seu tutor, passando a chamar-se Ludgero Prestes. Também lhe deram uma data de nascimento: 15 de novembro, o dia da proclamação da República, em nome da qual Canudos havia sido destruída. A data foi escolhida simbolicamente, como que para reforçar o ingresso do menino no "mundo civilizado".

Na sua primeira matrícula escolar, datada de 1898, consta, nos dados de filiação, apenas o nome de Gabriel Prestes como tutor, e Bahia como lugar de origem. Mas parece que Ludgero, com o passar dos anos, foi se identificando cada vez mais com o seu passado e sua origem no sertão baiano porque, no último ano do curso complementar, seu diploma de professor primário não refere mais a Gabriel Prestes, e sim a um homem chamado João Luiz, presumidamente seu verdadeiro pai. Além disso, a cidade de origem aparece claramente assinalada como Canudos, Bahia.[8] A sua certidão de casamento é o primeiro documento conhecido que menciona também o nome de sua mãe: Maria Luiz, casada com João Luiz.[7] No entanto, é pouco provável que Ludgero tenha realmente nascido em Canudos. Em 1890, o ano de seu nascimento, Canudos não passava de uma fazenda com poucas casas. A maior parte dos habitantes de Canudos começou a chegar a partir de 1893, ano em que Antônio Conselheiro se estabeleceu no local. E visto que ele, órfão aos 7 anos, desconhecia o sobrenome de seus pais, é possível que tampouco tenha sabido onde nasceu. Euclides da Cunha faz crer que o menino teria vindo do Cocorobó, uma fazenda situada a cerca de 15 km de Canudos.

Vida adulta editar

 
1913: Ludgero Prestes como diretor do Grupo Escolar de Bebedouro (SP)

Ludgero Prestes formou-se professor em 1908, e pouco tempo depois recebe uma carta de Euclides da Cunha, que neste meio tempo tinha se tornado um célebre escritor: "...não poderei traduzir-te a minha comoção ao ver aparecer-me quase homem - e homem na mais digna significação da palavra - o pobre jaguncinho que me apareceu pela primeira vez há onze anos no final de uma batalha."[1][9][10]

Tornou-se professor em Serra Negra, onde casou-se com a também professora Beatriz da Cunha Lima Prestes e teve seu primeiro filho, Gabriel.[11] Foi orador do Serra Negra Futebol Clube.[12] Em 7 de abril de 1913 foi nomeado diretor interino do recém-fundado Grupo Escolar de Bebedouro, interior de São Paulo.[13][14] Em 1914 tornou-se professor em Amparo. De 1921 a 1927 foi diretor do Grupo Escolar de Olímpia, atualmente chamada de Escola Estadual Dona Anita Costa, em Olímpia.[15] Faleceu a 13 de outubro de 1934, em Amparo, aos 43 anos de idade, de câncer de fígado. Deixou quatro filhos.

Referências

  1. a b CALASANS, José. "Quase-biografias de jagunços" in: O Estado Maior de Antônio Conselheiro. São Paulo: Edições GRD, 2000.
  2. PIEDADE, Lélis. Histórico e Relatório do Comitê Patriótico da Bahia. Salvador: Portfolium, 2002
  3. CUNHA, Euclides. Caderneta de Campo. São Paulo: Cultrix; Brasília: INL, 1975
  4. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1897
  5. OTÁVIO, Laura Rodrigo. Elos de uma Corrente: seguidos de novos elos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994
  6. CALASANS, José. Cartografia de Canudos. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, Conselho Estadual de Cultura, EGBA, 1997
  7. a b SATTAMINI VARÃO MONTEIRO, Vanessa. Canudos: as crianças do sertão como butim de guerra. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio, 2007 Capítulo 1 e Capítulo 5
  8. Escola Normal da Capital (SP) - Livro de registro de diplomas de Habilitação do curso complementar
  9. Cartas de Euclides da Cunha[ligação inativa]
  10. IstoÉ: O filho desconhecido de Euclides da Cunha
  11. Registro do Cemitério Municipal de Jahu - acessado a 4 de agosto de 2009
  12. Jornal Cidade - Dados Históricos de Serra Negra[ligação inativa] - acessado a 4 de agosto de 2009
  13. Centro de Referência em Educação Mario Covas - História do Grupo Escolar de Bebedouro
  14. Gazeta do Rio Pardo Arquivado em 3 de março de 2016, no Wayback Machine. - acessado a 4 de agosto de 2009
  15. Site da Escola Estadual Dona Anita Costa[ligação inativa] - acessado a 7 de dezembro de 2009