Luuanda

livro de contos do escritor luso-angolano José Luandino Vieira

Luuanda é um livro de contos do escritor luso-angolano José Luandino Vieira publicado em 1963 pela editora Edições 70 em Lisboa. Este livro é constituido por três estórias: "Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos", "A estória do ladrão e do papagaio" e "A estória da galinha e do ovo".

Luuanda
Autor(es) José Luandino Vieira
Idioma português
País Portugal Portugal
Gênero Contos
Localização espacial Luanda
Formato 16 cm
Lançamento 1963
Páginas 103

Luuanda é uma obra histórica, vista como um autêntico livro de rutura com a norma portuguesa na literatura angolana. Pelo seu cariz inovador, mereceu o reconhecimento geral e foi galardoado com dois importantes prémios - 1º Prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga, atribuído em Luanda em 1964, e o 1º Prémio do Grande Prémio da Novelística, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, em Lisboa, em 1965. A publicação do livro causou uma grande polémica e represálias na época salazarista. Luuanda é considerada pelo presidente da Associação Portuguesa de Escritores (APE) José Manuel Mendes "Uma das obras, sem duvida, maiores da literatura portuguesa".[1]

Traços principais editar

As estórias de Luuanda dão-nos a conhecer o espaço angolano no período colonial tardio. Retratam o quotidiano dos musseques luandenses; as histórias das famílias, o ambiente caótico, de confusão que a própria arquitectura dos musseques representa. A relação entre os pretos e os brancos, novos e velhos, comportamentos e ideias, vêm marcar o início do establecimento de uma norma angolana, distinta da norma portuguesa, na escrita e representação cultural. Tudo o que é retratado reflete a imagem do dia-a-dia do povo, sendo os mais velhos vistos como os sábios e os mais novos como os que ainda estão a aprender.

Para finalmente ser dada a voz aos angolanos, as estórias são uma mistura de português e inúmeras palavras e expressões em quimbundo. Só falando a mesma língua dos musseques, o texto teria acesso aos seus habitantes e seria apreciado na linguagem do povo.

Luuanda mostra-nos também a influência do português colonizador, sendo o português a língua de prestígio, utilizada pelas classes sociais mais altas, como patrões e administradores portugueses, e o quimbundo sendo a língua falada pelo povo do musseque nos seus contos e conversas. Para além desta nova linguagem, a comunidade de Luanda é representada também através de crenças e ensinamentos, sendo a verdade o povo angolano e a mentira representada pela implantação da lei português, o antigo crioulismo e o racismo existente nos tempos modernos.

Resumo das três estórias editar

O primeiro conto do livro, "Vavó Xíxi e Seu Neto Zeca Santos", reconstitui a vida difícil de uma mulher idosa que vive com seu neto numa cubata, que procura comida no lixo e come raizes de plantas para não passar fome, e não vê perspetivas para sair daquela situação de miséria extrema. Sem conscientização política, sem identificar no colonizador os inimigos de sua classe social, a avó e o neto vivem ao desamparo, a sós, sem esperança de mudança.

"A Estória do Ladrão e do Papagaio" relata o encontro de três marginalizados (dois angolanos e um cabo-verdiano) na cadeia: Xico Futa, aquele que sabe das coisas, Garrido Fernandes, aleijado de paralisia, e Lomelino dos Reis, que tem mulher e dois filhos e rouba patos porque não lhe autorizam trabalho honrado. Os três descobrem o valor da solidariedade para escapar da situação desesperadora em que vivem.

E finalmente a terceira e última história, "Estória da Galinha e do Ovo" ", tem como motor a disputa entre duas vizinhas - nga Bina e nga Zefa - pela posse de um ovo. Posto pela galinha Cabíri, que pertence a nga Zefa, no quintal de nga Bina, que está grávida e tem o marido preso, o ovo é reivindicado por ambas, que alegam seu direito sobre ele. A solução do conflito se dá com a interferência de duas crianças - Beto e Xico - que, imitando o cantar de um galo, fazem com que Cabíri fuja das mãos de policiais que haviam sido chamados para intervir no caso e que pretendiam levar vantagem na situação. Depois disso, nga Zefa resolve abrir mão do ovo e oferecê-lo a nga Bina.[2]

Temas e simbolismo editar

O livro retrata, em suas três narrativas, a vida nos musseques angolanos - bairros pobres de Luanda em que o autor viveu. Nessas histórias, a oralidade recria a linguagem e a vida real, descortinando o cotidiano e aproximando o leitor das personagens, cultural e linguísticamente.

Os contos têm em comum a questão da subsistência: no primeiro, um jovem tem que procurar emprego para que ele e sua avó não passem fome; no segundo, três homens se associam em roubos; e no último, o facto de uma galinha ter posto o ovo na casa ao lado causa uma discussão entre as vizinhas sobre quem deve ficar com o ovo.

Como Margarida Calafate Ribeiro, que entrevistou o autor sobre o seu livro, escreveu, "Luuanda ganhou um lugar tanto na história portuguesa como na angolana como um momento-chave do enfrentamento. A sua comemoração envolve, para nós, a partilha da história de Luuanda por José Luandino Vieira".[3]

"Vavó Xixí e seu neto Zeca Santos" editar

A história da Vavó Xixí foi escrita quando Luandino estava na prisão, e é também a sua história preferida das três do livro. Este texto "conta-nos uma história dramática sobre fome e vaidade adolescente", diz Luandino Vieira durante uma entrevista. O conto é comparado à história da Cigarra e da Formiga por Pires Laranjeira, sendo a Vavó Xixí a formiga trabalhadora e Zeca Santos, o seu neto, a cigarra vaidosa e perguiçosa.[4] Vavó Xíxi é a imagem da beleza e da força de Luanda e de quem tomou conta do seu neto Zeca Santos "que só quer sobreviver, comer bem, vestir roupas boas, e se apaixonar".[3]

"A Estória do Ladrão e do Papagaio" editar

O autor começou a escrever a estória sobre o ladrão dos patos, que inicialmente era para ser um romance, depois de se dar conta de que todos mentiam sobre tudo e mais alguma coisa e também das verdadeiras razões das pessoas serem aprisionadas. A ideia para o começo do conto surgiu-lhe à chegada de um homem aleijado à prisão, quando lhe disseram que a razão de este estar na prisão era por roubar patos, o que, no entanto, não era a verdadeira razão.[3] Xiko Futa, uma das personagens principais desta estória, é aquele que já descobriu o que está por trás das injustiças do mundo, a razão de uns poucos terem tanto e a imensa maioria não ter nada, e que não tem nenhuma responsabilidade nisso, sendo tudo culpa dos homens, já que um nunca se satisfaz com o que tem e sempre quer mais à custa da miséria alheia. É quem fala por metáforas ou parábolas.

"A Estória da Galinha e do Ovo" editar

Luanda é também representada pelas mulheres dos musseques que discutem sobre o roubo de um ovo, apenas acabando por concordar que o seu desaparecimento tem a ver com as autoridades portuguesas, que também iriam roubar a galinha. Este é o conto da "Galinha e do Ovo", que nos remete ao cliché de quem é que veio primeiro? A galinha ou o ovo? A moral desta estória é claramente política. Como o pelo próprio autor pergunta, "A quem pertence um ovo, que pertence a uma galinha que vadia de jardim para jardim?" A procura de resposta para tal pergunta leva-nos a uma outra: quem é que é o dono das riquezas de Angola? A tentativa da polícia de roubar a galinha aos habitantes do musseque revela que os portugueses não só querem o produto mas também a fonte das riquezas de Angola.[3]

Ver também editar

Referências editar

  1. «Luandino Vieira, cinco décadas depois da censura». Rtp.pt. 30 de junho de 2015. Consultado em 14 de fevereiro de 2018 
  2. Gonçalves, Adelto. "Luandino Vieira e a literatura como 'arma'".http://triplov.com/letras/adelto_goncalves/2007/Luandino-Vieira.htm
  3. a b c d Ribeiro, Margarida Calafate. "E agora José, Luandino Vieira? An Interview with José Luandino Vieira." Portuguese Literary & Cultural Studies 15/16 (2010), 27-35.
  4. Laranjeira, Pires. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1995.

BARBOSA,L. A ORALIDADE EM LUUANDA E EM HISTÓRIAS DE ALEXANDRE. in:sgcd.assis.unesp.br/Home/PosGraduacao/Letras/.../lilianbarbosa.pdf

Ligações externas editar