Milagres (Ceará)

município brasileiro do estado do Ceará

Milagres é um município brasileiro do estado do Ceará. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2021 estimou sua população em 27.413 habitantes. O município é cortado pela BR-116 e pelas rodovias estaduais 393 e 293, sendo principal rota de acesso entre o município de Juazeiro do Norte aos estados do Pernambuco e Paraíba, além da capital Fortaleza.

Milagres
  Município do Brasil  
Igreja Matriz de Milagres.
Igreja Matriz de Milagres.
Igreja Matriz de Milagres.
Símbolos
Bandeira de Milagres
Bandeira
Brasão de armas de Milagres
Brasão de armas
Hino
Gentílico milagrense
Localização
Localização de Milagres no Ceará
Localização de Milagres no Ceará
Localização de Milagres no Ceará
Milagres está localizado em: Brasil
Milagres
Localização de Milagres no Brasil
Mapa
Mapa de Milagres
Coordenadas 7° 18' 46" S 38° 56' 45" O
País Brasil
Unidade federativa Ceará
Municípios limítrofes Norte: Aurora, Leste: Barro e Mauriti, Sul: Brejo Santo, Oeste: Abaiara e Missão Velha
Distância até a capital 475 km
História
Fundação 17 de agosto de 1846 (177 anos)
Emancipação 17 de agosto de 1846[1]
Administração
Distritos
Prefeito(a) Cícero Alves de Figueiredo (PDT, 2021 – 2024)
Características geográficas
Área total [2] 605,193 km²
População total (Censo IBGE/2010[3]) 28 316 hab.
 • Posição CE:66°
Densidade 46,8 hab./km²
Clima Tropical quente semiárido
Altitude 334[1] m
Fuso horário UTC -3 (UTC−3)
CEP 63250-000
Indicadores
IDH (PNUD/2010[4]) 0,628 médio
PIB (IBGE/2008[5]) R$ 87 198,973 mil
PIB per capita (IBGE/2008[5]) R$ 3 129,79
Sítio milagres.ce.gov.br (Prefeitura)
camaramilagres.ce.gov.br (Câmara)

Milagres é a cidade dos Pretinhos de Congos, uma grupo folclórico fundado no século XIX e que preserva as raízes da ancestralidade negra e suas resistências contra a escravidão e o racismo.[6] Ao longo do século XX o grupo foi comandado pelo Mestre do Mundo Doca Zacarias[7] (1929 - 2023[8]). A cidade de Milagres é também a terra natal de Jonas de Andrade, o Bilinguim, cantor e compositor brasileiro que nas décadas de 1970 e 1980 fez parte do grupo Trio Nortista que fez sucesso com a música "A velha debaixo da cama".[9]

História editar

Os povos indígenas do riacho dos Porcos editar

Nas últimas décadas do século XVII e primeira metade do XVIII os colonizadores do sertão nordestinos, os sesmeiros a serviço da Coroa Portuguesa enfrentaram os indígenas Kariri numa guerra em que as várias tribos dos sertões de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, confederadas entre si enfrentaram os invasores de suas terras para manter sua identidade e sua liberdade, esse conflito conhecido nos anais da história como Guerra dos Bárbaros, durou quase sessenta anos e teve como um dos palcos as terras onde hoje está localizado o município de Milagres.[10]

A resistência dos Kariri ao colonizador português levou as autoridades coloniais a utilizar todo tipo de subterfúgios políticos e ideológicos para justificar o extermínio dos povos indígenas do sertão nordestino. Os Kariri eram chamados pejorativamente de tapuias, isto porque os indígenas Tupi assim os chamavam, tapuia na língua tupi quer dizer habitante da Tapuirama, e os indígenas Tupi que eram seus inimigos os consideravam como falantes de uma língua travada, difícil. Desse modo, tapuia não é o nome de povo ou tribo indígena, mas somente um adjetivo utilizado para descrever um modo de comportamento dos indígenas Kariri.[11]

Os portugueses utilizarão também essa palavra tapuia para se referir aos Kariri, mas para os colonizadores tapuia era sinônimo de bárbaro, selvagem e canibal, enquanto tupi era sinônimo de índio manso e civilizado. O território de Milagres foi habitado pelo indígenas Kariri, esses indígenas eram seminômades, viviam as margens do Riacho dos Porcos, nas matas da Chapada do Araripe e nas serras e serrotes da área do Cariri Oriental.[12]

Os indígenas Kariri praticavam também uma agricultura de subsistência cultivando através da técnica de coivaras o plantio de feijão, milho, mandioca, também praticavam a coleta de caju, pequi, ouricuri, buriti, domesticavam alguns animais como o cão para a caça do tatu-peba, cateto, jacus. A região do Riacho dos Porcos foi uma das principais áreas de caça e coleta dos indígenas Kariri, essas terras onde hoje está o território do município de Milagres os Kariri também as aproveitavam, pois eram férteis e por isso mesmo propícias para garantir a sobrevivência da tribo.[13]

Por todo o Vale do Riacho dos Porcos é possível encontrar vestígios da presença dos Kariri, essa presença aparece nos vestígios cerâmicos, nas pinturas rupestres, nos objetos feitos em pedra,[14] isto atesta a complexidade da cultura dos Kariri que se desenvolveu em Milagres no período pré-colonial.[15]

Após a destruição da resistência Kariri contra o dominador português a região do Riacho dos Porcos foi ocupada pelos colonizadores que alegando estarem as terras devolutas pediram para ocupá-las e conseguindo a doação destas sob o título de datas de sesmaria passaram a povoá-las com gado vacum e gado cavalar, depois trouxeram mudas de cana de açúcar instalaram engenhos e escravizaram os indígenas que sobreviveram aos massacres.[16]

Os outros Kariri que não foram escravizados passaram a ser aldeados pelos frades capuchinhos e assim perderam sua cultura, seu modo de vida e suas identidades. Milagres foi um dos mais importantes territórios indígenas do sul do Ceará e a forte presença dos Kariri nessa área da Chapada do Araripe foi atestada ainda no século XIX quando os arredores da cidade abrigaram a última aldeia indígena oficialmente reconhecida da Província do Ceará a Aldeia da Serra da Cachorra Morta destruída em 1867 pela autoridades e fazendeiros do município.[17]

A fundação da Povoação de Nossa Senhora dos Milagres editar

Em 1703, um senhor de engenho da Vila Real de Goiana na Capitania de Pernambuco solicitou e obteve do capitão-mor Jorge de Barros Leite as terras do Riacho dos Porcos.[18][2] No pedido de sesmaria o fazendeiro Bento Correia Lima informa que ele e seu primo João Dantas Aranha pretendiam povoar as terras que segundo eles eram devolutas.[19][3] Em 1704, Bento Correia Lima volta a solicitar as mesmas terras informando mais uma vez que irá ocupá-las, mas até 1723 quando fez o sexto pedido de posse dessas terras ainda não as havia ocupado efetivamente.[20]

Entre os anos de 1690 e 1730, o conflito entre os indígenas Kariri sublevados contra os colonizadores que pretendiam ocupar as terras das tribos que se haviam instalado nos sertões impediram o capitão Bento Correia Lima e João Dantas Aranha de ocuparem suas novas propriedades do Riacho dos Porcos. A Guerra dos Bárbaros como ficou conhecida a Confederação dos Cariris se impôs como uma verdadeira barreira contra os projetos colonizadores da Coroa Portuguesa nos sertões do Nordeste, mas na década de 1730 a vitória dos colonos já se impunha como inevitável e os fazendeiros criadores de gado provenientes das capitanias de Pernambuco, Sergipe e Bahia avançaram com seus rebanhos em direção aos sertões do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí.[21]

Em 1735, finalmente as terras da área do riacho dos Porcos foram efetivamente ocupada pelo capitão Bento Correia Lima que além do gado criado solto nas matas e várzeas da região desde a década anterior passa a instalar na localidade denominada de Sítio Pilar uma sede de fazenda e um engenho de pau.[22] A fertilidade do solo e a abundância de água tornou possível o plantio de cana-de-açúcar para a produção de rapadura, cachaça e açúcar. Assim, esse primeiro engenho do Cariri construído nas margens do riacho dos Porcos e a criação de gado levaram a prosperidade da região e em 1740 o capitão Bento Correia Lima doou a sé de Olinda um terreno nas proximidades do Sítio Pilar para a construção de uma capela para Nossa Senhora dos Milagres.[23]

A construção de uma igreja em honra a Nossa Senhora dos Milagres foi o marco inicial da fundação da Povoação de Nossa Senhora dos Milagres no ano de 1740. Com uma população de aproximadamente uma centena de habitantes, em sua maioria trabalhadores negros e indígenas livres ou escravizados, a Povoação de Nossa Senhora dos Milagres rapidamente se desenvolveu transformando-se num importante centro colonizador no Cariri Oriental.[24] Em 1745 uma seca se abateu sobre o sertão cearense e obrigou os colonos a se retirarem de suas sesmarias, o capitão Bento Correia Lima escreveu a rei Dom Pedro II de Portugal pedindo indenização pelas suas perdas em gado e cana devido a seca na região do Riacho dos Porcos.[25]

Em 1749, após quatro anos de relativo abandono e Povoação de Nossa Senhora dos Milagres voltou a interessar aos colonizadores e a capela que havia parcialmente desmoronado foi reconstruída e ao longo das décadas de 1750 a 1770 localidade ganhou novas fazendas de criar gado e engenhos de rapadura, assim devido ao trabalho de homens e mulheres pretos livres ou escravizados, bem como indígenas, logo transformaram a Povoação de Milagres num importante centro produtor de gado e cana-de-açúcar dos Cariris Novos.[carece de fontes?]

Nas primeiras décadas do século XIX, assim como Crato e Jardim, Milagres já tinha as mais ricas fazendas da região. Até 1829 a Povoação de Milagres esteve sob a jurisdição de Jardim e os proprietários locais que em 1824 haviam se aliado a Joaquim Pinto Madeira contra a família Alencar passaram a solicitar da Câmara Municipal da Vila de Jardim autonomia política. No ano de 1831 a Revolta de Pinto Madeira voltou a agitar o Cariri impondo aos fazendeiros a necessidade de se alinharem em dois grupos políticos, de um lado os aliados de José Martiniano de Alencar político cratense que liderou a Revolta de 1817 e a Confederação do Equador no Ceará e do outro os partidários do caudilho Pinto Madeira. A vitória do Crato sobre Jardim reorganizou as forças políticas do Ceará e em Milagres não foi diferente, assim em 1842 a assembleia provincial do Ceará apresentou o projeto de transformação da Povoação de Milagres em freguesia.[26]

O desenvolvimento econômico de Milagres graças aos seus rebanhos de gado e aos extensos canaviais bem como os acordos políticos entre a elite latifundiária local e a família Alencar que se fizera a mais poderosa força política do Ceará levaram a emancipação da Povoação de Milagres com relação ao Crato no dia 17 de agosto de 1846, e assim Milagres foi elevada a condição de vila ganhando uma câmara municipal, um delegado e um juiz de direito.[27]

Referências

  1. a b [1]
  2. IBGE (10 de outubro de 2002). «Área territorial oficial». Resolução da Presidência do IBGE de n° 5 (R.PR-5/02). Consultado em 5 de dezembro de 2010 
  3. «Censo Populacional 2010». Censo Populacional 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 29 de novembro de 2010. Consultado em 11 de dezembro de 2010 
  4. «Ranking decrescente do IDH-M dos municípios do Brasil». Atlas do Desenvolvimento Humano. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). 2000. Consultado em 11 de outubro de 2008 
  5. a b «Produto Interno Bruto dos Municípios 2004-2008». Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Consultado em 11 de dezembro de 2010 
  6. Albuquerque, George Arruda de (2022). Os Congos de Milagres: a linguagem dos sons. Porto Alegre: Editora Fi. ISBN 978-65-5917-175-0 
  7. «RAIMUNDO ZACARIAS (MESTRE DOCA ZACARIAS)». Anuário do Ceará. Consultado em 19 de fevereiro de 2023 
  8. Cordeiro, Jaqueline Aragão. «Coisa de Cearense». Coisa de Cearense. Consultado em 19 de fevereiro de 2023 
  9. «Jonas de Andrade – Forró em Vinil». Consultado em 19 de fevereiro de 2023 
  10. Puntoni, Pedro (2002). A guerra dos bárbaros : povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo, SP, Brasil: FAPESP. OCLC 58807958 
  11. «Os Tapuios, etnia ou designação? - 21/08/2019 - Notícia - Tribuna do Norte». www.tribunadonorte.com.br. Consultado em 10 de março de 2023 
  12. «Tupi e tapuia |». www.leah.inhis.ufu.br. Consultado em 10 de março de 2023 
  13. Oliveira, Antonio José (19 de julho de 2016). «Processo de "invisibilidade" dos Índios Kariri nos sertões dos Cariris Novos na segunda metadade do seculo XIX». CLIO: Revista de Pesquisa Histórica (2): 270–289. ISSN 2525-5649. doi:10.22264/clio.issn2525-5649.2016.34.2.al.05. Consultado em 10 de março de 2023 
  14. «Kariri-Xocó». Encontroteca. Consultado em 10 de março de 2023 
  15. «Kariri-Xokó - Povos Indígenas no Brasil». pib.socioambiental.org. Consultado em 10 de março de 2023 
  16. Souza, Carlos (2021). Milagres, nossa terra Cariri. Fortaleza: Artes Gráfica. p. 25. 26 páginas. ISBN 9786555562248 
  17. Na mata do sabiá : contribuições sobre a presença indígena no Ceará. Estêvão Martins Palitot. Fortaleza, Ceará: Governo do Estado do Ceará, Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. 2009. OCLC 724591374 
  18. UFRN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2012). «Plataforma SILB». Plataforma. Consultado em 25 de março de 2023. Cópia arquivada em 2012 
  19. «Histórico do Município de Brejo Santo – Brejo Santo Governo Municipal». www.brejosanto.ce.gov.br. Consultado em 25 de março de 2023 
  20. ALVES, Joaquim (1946). «O Vale do Cariri» (PDF). www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1945/1945-OValedoCariri.pdf. Consultado em 25 de março de 2023. Cópia arquivada (PDF) em 2015 
  21. «A BÁRBARA GUERRA DO AÇU». Impressões Rebeldes. Consultado em 25 de março de 2023 
  22. FILHO, Carlos Studart (25 de março de 1961). «A Guerra dos Bárbaros» (PDF). www.institutodoceara.org.br 
  23. FILHO, J.de Figueiredo (2010). Engenhos de rapadura do Cariri. FORTALEZA: Edições UFC. p. 12. 2 páginas. ISBN 9788572824170 
  24. Antonio., Bezerra, (2009). Algumas origens do Ceará. [S.l.]: Fundação Waldemar Alcântara. OCLC 683311042 
  25. «Anais da Biblioteca Nacional 1876 a 1997 - DocReader Web». docvirt.com. Consultado em 25 de março de 2023 
  26. Alencar., Araripe, J. C. (1995). Alencar, o padre rebelde. [S.l.]: Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará. OCLC 36474791 
  27. SOUZA, Carlos (2021). Milagres, Nossa Terra Cariri. Fortaleza: Artes Gráfica. p. 65. 4 páginas. ISBN 978 - 65 - 5556- 224 - 8 

Ligações externas editar

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