Navegação Inuíte

A navegação inuíte é um sistema de navegação usado há milhares de anos pelos Inuítes, um grupo de povos indígenas culturalmente semelhantes que habitam as regiões árticas e subárticas da Groenlândia, Canadá e Alasca (Estados Unidos).[1] Os caçadores inuítes viajam por longas distâncias na tundra e nas águas costeiras em busca de alimento.[2]

Caçador de focas Inuit em um qajaq, armado com um arpão.

Os inuítes acumularam uma vasta gama de conhecimento, transmitido pela tradição oral, sobre a navegação pela tundra, pelo gelo marinho e mar aberto, dominando técnicas de geolocalização nestes ambientes, que apresentam diversos desafios. Alguns deles são os poucos pontos de referência de navegação durante uma nevasca ou a falta de referência nas margens costeiras, quando observadas no mar.[3]

Os caçadores inuítes orientam-se na terra através da compreensão dos ventos dominantes e dos padrões por eles formados em montes de neve, assim como da compreensão do comportamento da migração de renas, peixes e pássaros e observação astronômica.[4]

Navegação astronômica editar

A navegação astronômica é feita pelos viajantes inuítes, embora seja limitada pela mudança na duração da noite ao longo do ano e outros fatores.[5] Condições meteorológicas nubladas, de nevasca e a luz da aurora boreal também limitam seu uso, por exemplo, já que a neve que é mantida no ar pelo vento cria uma espécie de neblina. Além disso, mesmo que o céu noturno esteja livre de nuvens ou neblina, o luar brilhando no gelo e na neve reflete no céu e pode obscurecer a observação das estrelas.[6]

Navegação no gelo marinho editar

 
Esta fotografia, tirada de um avião, mostra uma seção de gelo marinho. As áreas azuis mais claras são lagoas de gelo derretido e as áreas mais escuras são águas abertas.

A descrição dos ventos dominantes do local ou região e também as condições do gelo marinho podem resultar em ventos, marés e correntes e, por isso, são tão importantes para a navegação. Os viajantes inuítes orientam-se e instruem outros viajantes através da descrição das condições do gelo marinho, que possuem características específicas em locais definidos todos os anos, tais como dunas de gelo e cristas de pressão, acúmulo de gelo e polínias.[3]

As áreas de águas abertas resultantes de polínias podem ser identificadas no horizonte como um reflexo azul da água no céu, diferente da cor de fundo do céu.[3]

Navegação em terra editar

O vento dominante na região é a ferramenta mais confiável de orientação espacial para os viajantes inuítes porque ele molda formas e padrões nos montes de neve, incluindo sastrugi, que os inuítes chamam de kalutoqaniq.[3][5][7][8] Essas formas e esses padrões são característicos da paisagem da neve e indicam a direção do vento predominante. Os viajantes inuítes se orientam usando formas e padrões presentes em montes de neve enquanto viajam pela tundra plana ou quando uma nevasca ou outras condições climáticas obscurecem outros pontos de referência.[3][8]

Os inuítes constroem inuksuk (montes de pedra) com várias formas e diferentes propósitos, como a marcação do túmulo de um angakkuq ou para encurralar a rena para auxiliar na caça. Esses montes também atuam como indicadores de navegação.[8][9]

Transporte editar

 
Homem Iñupiat em um caiaque, Noatak, Alasca, c. 1929 (foto de Edward S. Curtis).

No verão, os inuítes caçam animais marinhos em barcos de pele de foca que comporta um único passageiro, chamados qajaq [10] ( sílabas inuktitut: ᖃᔭᖅ ), que possuem excelente flutuabilidade e são facilmente desvirados mesmo quando de cabeça para baixo. Por causa dessa característica, o design foi copiado por europeus e americanos para formulação do caiaque.[11]

No inverno, tanto na terra quanto no gelo marinho, os inuits usam trenós puxados por cães (qamutik) para transporte. A raça de cães husky deriva do Husky Siberiano, que teve seus ancestrais domesticados na Sibéria há 23 mil anos pelos antigos siberianos do norte, depois se dispersaram para o leste nas Américas e para o oeste pela Eurásia.[12] O trenó - feito de madeira, ossos de animais, barbas de baleia, peixes congelados, dentre outros - é puxado por uma equipe de cães disposta lado a lado ou em formato de leque[13] sobre a neve e o gelo.

Elaboração de mapas editar

Os navegadores inuítes entendiam o conceito de mapas e construíam mapas em relevo com areia, gravetos e seixos como forma de se localizarem. Também desenharam mapas em peles usando corantes vegetais.[8] Por exemplo, a partir da casca do amieiro é possível extrair a cor marrom avermelhada e o abeto produz o vermelho.[14] Bagas, líquen, musgo e algas também eram utilizados como fonte de corantes naturais.[15]

Referências

  1. Irwin, Colin (maio de 1985). «Inuit Navigation, Empirical Reasoning and Survival». Journal of Navigation (em inglês) (02): 178–190. ISSN 0373-4633. doi:10.1017/S0373463300031271. Consultado em 3 de agosto de 2022 
  2. Domínguez-Solera, Santiago David (2014). «Inuksuit en el oeste de Groenlandia: símbolo y huella de la relación ancestral de los inuit con el espacio» (PDF). Revista Española de Antropología Americana. 44 (1). ISSN 0556-6533. Consultado em 2 de agosto de 2022 
  3. a b c d e Aporta, Claudio (2003). «Inuit Orienting: Traveling Along Familiar Horizons». Sensory Studies. Consultado em 30 de agosto de 2021 
  4. Aporta, Claudio and Eric Higgs (2005). «Satellite Culture: Global Positioning Systems, Inuit Wayfinding, and the Need for a New Account of Technology». Current Anthropology. 6 (5): 729–753 
  5. a b MacDonald, John (1998). The Arctic Sky: Inuit Astronomy, Star Lore, and Legend. [S.l.]: Royal Ontario Museum, and Nunavut Research Institute, Toronto. ISBN 0888544278 
  6. Mont-Mégantic, ASTROLab du parc national du (1 de janeiro de 2016). «The Inuit Sky | Universe». Canada under the stars. Consultado em 4 de agosto de 2022 
  7. Irwin, Colin (maio de 1985). «Inuit Navigation, Empirical Reasoning and Survival». Journal of Navigation (em inglês) (02): 178–190. ISSN 0373-4633. doi:10.1017/S0373463300031271. Consultado em 4 de agosto de 2022 
  8. a b c d Engelhard, Michael (14 de março de 2019). «Arctic Wayfinders: Inuit Mental and Physical Maps». Terrain.org. Consultado em 30 de novembro de 2021 
  9. Heyes, Scott (1 de fevereiro de 2002). «Inuit and scientific ways of knowing and seeing the Arctic Landscape». Master of Landscape Architecture Thesis, School of Architecture, Landscape Architecture and Urban Design, Adelaide University, Australia. Consultado em 4 de agosto de 2022 
  10. «Inuinnaqtun to English» (PDF). p. 156. Consultado em 1 de dezembro de 2021 
  11. SILVEIRA, Jhonatas da (2017). «Construção de um caiaque de madeira utilizando Strip Planking» (PDF). Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina. Departamento Acadêmico Metalmecânica. Curso Superior de Tecnologia em Design de Produto. Consultado em 2 de agosto de 2022 
  12. Perri, Angela R.; Feuerborn, Tatiana R.; Frantz, L.; Larson, G.; Malhi, R.; Meltzer, D. J.; Witt, Kelsey E. (2021). «Dog domestication and the dual dispersal of people and dogs into the Americas». Proceedings of the National Academy of Sciences. doi:10.1073/pnas.2010083118. Consultado em 4 de agosto de 2022 
  13. Hegener, Helen (30 de dezembro de 2008). «The History of Mushing: The Inuit Sled Dog». The History of Mushing. Consultado em 4 de agosto de 2022 
  14. Renouf, M. A. P.; Bell, T. (2008). «Dorset Palaeoeskimo Skin Processing at Phillip's Garden, Port au Choix, Northwestern Newfoundland». Arctic (1): 35–47. ISSN 0004-0843. Consultado em 4 de agosto de 2022 
  15. Issenman, Betty Kobayashi (1997). Sinews of Survival: the Living Legacy of Inuit Clothing. Vancouver: UBC Press. p. 187. ISBN 978-0-7748-5641-6. OCLC 923445644