Novas Cartas Portuguesas

Novas Cartas Portuguesas (NCP) é uma obra literária publicada conjuntamente pelas escritoras portuguesas Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa em 1972. As autoras ficariam conhecidas internacionalmente como “as três Marias” (The Three Marias tendo sido mesmo o título da edição original do livro em inglês). Nos anos setenta, a publicação de NCP assumiu um papel central na queda da ditadura dirigida por Marcelo Caetano, uma figura apenas superficialmente mais liberal que o seu antecessor António de Oliveira Salazar. O livro revelou ao mundo a existência de situações discriminatórias agudas em Portugal, relacionadas com a repressão ditatorial, o poder do patriarcado católico e a condição da mulher (casamento, maternidade, sexualidade feminina). NCP denunciou também as injustiças da guerra colonial e as realidades dos portugueses enquanto colonialistas em África, emigrantes, refugiados ou exilados no mundo, e “retornados” em Portugal.

Novas Cartas Portuguesas
Autor(es) Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa
Idioma Português
País Portugal Portugal
Assunto Feminismo
Editora Estúdios Cor
Editor Romeu de Melo
Lançamento 1972
Páginas 389

A obra editar

O livro foi concebido em 1971, três anos antes da Revolução dos Cravos e da consequente independência das colónias portuguesas em África. Enquanto obra literária, NCP não é facilmente classificável. Se não se trata de um romance ou ensaio, também não é apenas um manifesto feminista. Como indica a estudiosa Darlene Sadlier, as próprias três Marias se referem ao seu livro como “uma coisa” inclassificável, o que sugere não tanto a dificuldade, mas antes a relutância das autoras em categorizar o livro, rejeitando assim a lógica das formas literárias tradicionais.[1] NCP reúne cartas, ensaios, poemas e fragmentos de vária ordem, “saltando” entre o uso das línguas portuguesa e francesa. O livro abre com uma carta datada de 1 de Março, 1971 e termina com um fragmento escrito a 25 de Outubro, 1971. Porém, as entradas obedecem a duas dimensões temporais distintas: a das três Marias, e a das Marianas, Marias, Anas e Cavaleiros que por elas são inventados/as. Se todos os fragmentos surgem datados (o que aponta para uma cronologia baseada nos diálogos reais entre as três Marias), só um pequeno número de cartas é numerado, oferecendo ao leitor ou leitora uma breve fonte de ordem narrativa sem que esta constitua, porém, uma narrativa unitária. Em geral, as três Marias optam por uma forma radicalmente fragmentada.

Após publicação, a obra foi considerada deletéria ao regime e proibida pela censura.[2]

Foi aberto um processo contra as autoras, tornando o texto e o caso da sua supressão internacionalmente famosos. António Quadros, David Mourão-Ferreira, Fernanda Botelho, Maria Lamas, foram, entre outros, testemunhas do processo, em favor das acusadas. O processo foi suspenso e as autoras absolvidas somente após o 25 de Abril de 1974, tendo como advogados Duarte Vidal, Francisco Sousa Tavares e José Armando da Silva Ferreira.[3]

Os textos foram considerados “imorais” e “pornográficos”, pois retratavam mulheres livres, que questionam a sua identidade e expressam o desejo de ter acesso a novas ideias sociais e religiosas; em tom de revelação, com várias vozes narrativas, a obra propõe-se a resolver todos os paradoxos possíveis na relação entre homens e mulheres.[4]

O livro pode ser considerado um marco crucial na evolução do pensamento feminista na literatura portuguesa. As mulheres começam a falar sobre seu corpo, sobre os prazeres e sofrimentos de sua relação carnal com os homens, e chocam a sociedade portuguesa por conta disso. O livro é composto de fragmentos, o que expressa a própria concepção da mulher portuguesa, mas transmitindo uma só mensagem: a mulher também tem voz, e sabe falar.[4]

A inspiração editar

NCP inspira-se nas famosas Lettres Portugaises, uma obra clássica francesa do século XVII. Publicada como obra anónima (em francês) por Claude Barbin em Paris, em 1669, Lettres portugaises é composta por cinco cartas supostamente escritas por uma freira portuguesa, de nome Mariana Alcoforado, após esta ter sido seduzida e abandonada pelo seu amante, o cavaleiro francês Noel Bouton (Chevalier of Chamilly), no Convento da Conceição em Beja.[5][6]

As cartas referem-se à época em que França apoiava Portugal na Guerra da Restauração contra Espanha. Entre 1666 e 1668, Beja terá sido o centro de toda a acção militar.

A autoria editar

As três escritoras assinam a obra em conjunto e jamais revelaram qual delas compôs cada fragmento. Vários estudos académicos foram realizados na tentativa de atribuir a autoria dos diversos textos que compõem o livro a partir de sua comparação com as obras literárias posteriormente lançadas pelas autoras individualmente.[5]

Alguns estudos sobre a obra editar

Ver também editar

Ligações externas editar

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Referências editar

  1. Sadlier, Darlene. The Question of How: Women Writers and New Portuguese Literature. Westport, Connecticut: Greenwood Press, 1989, p. 7.
  2. «CENSURA – RELATÓRIO Nº 9462 (26 DE MAIO DE 1972) RELATIVO A "NOVAS CARTAS PORTUGUESAS"». EPHEMERA - Biblioteca e arquivo de José Pacheco Pereira 
  3. Mourato, Felipa (25 de outubro de 2015). «NATÁLIA CORREIA, MARIA LAMAS, E MUITOS OUTROS por Felipa Mourato e Helena Amaral». Capazes. Consultado em 28 de dezembro de 2020 
  4. a b «Novas Cartas Portuguesas: uma leitura obrigatória». Novas Cartas Portuguesas: uma leitura obrigatória. Consultado em 28 de dezembro de 2020 
  5. a b «Maria Teresa Horta e a aventura das Novas Cartas Portuguesas». Maria Teresa Horta e a aventura das Novas Cartas Portuguesas. Consultado em 28 de dezembro de 2020 
  6. «Cartas de Amor de poetas e soldados». Cartas de Amor de poetas e soldados. Consultado em 28 de dezembro de 2020