Palavras ditas e retornadas

As palavras ditas e retornadas são referências religiosas recorrentes em preces católicas populares portuguesas[1] e brasileiras[2]. As palavras, cujo número varia conforme a tradição - podendo ser 12[3], 13[4] ou 15[2] -, não se referem a vocábulos individuais; antes, dizem respeito a acontecimentos e dogmas ligados à tradição católica, quer oficial ou popular, que tenham relação com a ordem numérica. As palavras ditas e retornadas geralmente se inserem em complexas orações, em que se narra o desafio proposto pelo demônio àquele que as venha proferir[5], ou ao seu Anjo da Guarda[6]. O diálogo inicial entre o demônio e o protagonista - geralmente chamado de Custódio ou Cristóvão[4] - permeia toda a prece, e varia imensamente conforme a tradição. Em algumas delas, aliás, sequer se menciona o diabo, tornando sua menção implícita[7]. Um exemplo paradigmático da disputa entre os interlocutores é fornecido por Pedroso ([200?], p. 88), que a informa da seguinte maneira:

Diabo - Custódio amigo, tu queres ser santo?
Pessoa - Custódio sim, amigo teu não!
Quero sim, pela graça de Deus
E do Divino Espírito Santo
Diabo - Hás de dizer-me doze palavras ditas e retornadas. Quais (sic) delas é a primeira [ou qual delas é a um][...][3]

Frente à provocação do demônio, deve-se dizer a referência religiosa equivalente ao número por ele proposto mais as antecedentes. Assim, dita a segunda referência religiosa, deve-se dizer também a primeira, e dita a terceira, deve-se dizer também a segunda e a primeira, e assim sucessivamente. A interrupção da prece ou erro no encadeamento das referências religiosas, segundo a tradição popular, significaria tornar-se vulnerável às artimanhas do demônio[6], de modo que a execução da prece somente deve se realizar em situações extremas[1]. A referência religiosa associada a cada número varia grandemente conforme o lugar em que se recite. Na tentativa de tornar fácil o entendimento, pode-se propor a seguinte ordem numérica, sem pretensão de fazê-la exaustiva de todas as possibilidades:

Um: o sol mais claro que a lua [8], o Senhor Jesus Cristo[7] ou a Santa Casa de Jerusalém[9].
Dois: as duas tábuas de Moisés[3].
Três: as três pessoas da Santíssima Trindade[9] ou os três profetas: Abraão, Isaque e Jacó'[7]
Quatro: os quatro evangelistas'[9]
Cinco: as cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo [10]
Seis: os seis filhos bentos[7], os seis celebrantes[9] ou os seis círios bentos[10]
Sete: os sete coros de anjos[7], os sete pecados mortais[9] ou os sete sacramentos[11].
Oito: os oito coros de anjos[9] ou os oito corpos santos[7]
Nove: os nove meses em que Nossa Senhora trouxe seu menino no ventre[11] ou os nove salmos sentenciados[7]
Dez: os dez mandamentos[11]
Onze: as onze mil virgens'[11]
Doze: os doze apóstolos de Cristo[11]

A última estrofe, na maioria das vezes a decima terceira, pode conter um exconjuro ao demônio, conforme demonstra Fontes (1987, p. 874):

Treze raios tem o sol
Treze raios tem a lua;
Parte-te daqui, demônio, p'ro inferno
Que esta alma não é tua

Em outros casos, entretanto, a prece pode se estender para além de 13, e findar com a recitação do Pai Nosso, Ave Maria, ou outra reza católica, dedicadas às Cinco Chagas de Cristo ou outra devoção[7].

A tradição popular atribui propriedades extraordinárias a essas orações: recitadas sobre os agonizantes, teriam a capacidade de o salvar do inferno[1]; ademais, possuiriam a capacidade de fazer envultar quem as recite, apagar queimadas e proteger dos perigos do corpo e da alma, atuando de maneira tão forte que o recitador se sentiria abatido depois de as dizer[7].

Referências

  1. a b c Fontes (197, p. 872)
  2. a b São Paulo (1959, p. 207)
  3. a b c Pedroso ([200?], p. 88)
  4. a b Memória Média.As treze palavras ditas e retornadas. Disponível em <www.memoriamedia.net>. Acesso em 5 jan. 2015
  5. Lopes (1998, p. 57)
  6. a b Lima (1964, p. 167)
  7. a b c d e f g h i Jangada Brasil. Oração do Anjo Custódio. Disponível em <jangadabrasil.com.br>. Acesso em 5 jan. 2015
  8. São Paulo (1959, p. 206)
  9. a b c d e f Pedroso ([200?], p. 89)
  10. a b Fontes (1987, p. 873)
  11. a b c d e Fontes (1987, p. 874)

Bibliografia editar

  • FONTES, M. da C. Romanceiro da Província de Trás-os-Montes (distrito de Bragança). Tomo I. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1987.
  • LIMA, F. de C. P. Revista de etnografia. Volumes 3-4. Póvoa do Varzim: Museu de Etnografia e História, 1964.
  • LOPES, A. Tempo de soltícios. Santarém: O Mirante, 1998.
  • PEDROSO, C. Tradições Populares Portuguesas. Braga: Vercial, [200?].
  • SÃO PAULO. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo. Volumes 162-164. São Paulo: Diretoria do Protocolo e Arquivo da Prefeitura, 1959