O pensamento selvagem

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O pensamento selvagem (La pensée sauvage) é um livro do antropólogo Claude Lévi-Strauss publicado em 1962 pela editora Plon em Paris.

O Pensamento selvagem / La pensée sauvage
Autor(es) Claude Lévi-Strauss
Idioma Francês /Português Tradução: Maria Celeste da Costa e Souza e Almir de Oliveira Aguiar
País França França Brasil Brasil
Assunto
  • Etnologia
  • Homem primitivo
  • Sociedades Primitivas
Série Ciências Sociais
Editora Companhia Editora Nacional
Lançamento 1976 (1962)
Páginas 390

Esse antropólogo, criador do método estrutural, estudou os povos ditos primitivos, contestando o racismo e a noção de primitivo, e comparou etnografias realizadas em todos os continentes.[Nota 1]Talvez a sua principal contribuição seja sua demonstrável constatação de que os chamados selvagens não são atrasados, "menos evoluídos", selvagens nem primitivos, apenas operam de modo distinto da nossa civilização ocidental, com o que a antropologia convencionou denominar pensamento mítico-religioso ou magia. Lévi-Strauss nos demonstra que o pensamento mítico em termos de operações mentais é comparável ao pensamento científico,[1] diferindo quanto à questões do determinismo causal, global e integral para o primeiro e em níveis distintos, não aplicáveis uns aos outros, no pensamento científico. (Levi-Strauss o.c. p.31-32)

Ou melhor o “pensamento em estado selvagem” o mito, enquanto arte (narrativa, bricolagem) ou em suas relações com a ciência e a atividade classificatória em termos das possibilidades formais devem ser considerados como uma pré-condição da linguagem, antes de o tomarmos esta última como a particularidade da espécie humana. [2]

O mito e o rito, escreve Lévi-Strauss, não são simples lendas fabulosas, mas uma organização da realidade a partir da experiência sensível enquanto tal. Para explicar a composição do mito, organiza três características principais: função explicativa, o presente é explicado por alguma ação passada cujos efeitos permaneceram no tempo; função organizativa, o mito organiza as relações sociais (de parentesco, de alianças, de trocas, de sexo, de identidade, de poder, etc.) de modo a legitimar e garantir a permanência de um sistema complexo de proibições e permissões; e, por fim, uma função compensatória, o mito narra uma situação passada, que é a negação do presente e que serve tanto para compensar os humanos de alguma perda como para garantir-lhes que um erro passado foi corrigido no presente, de modo a oferecer uma visão estabilizada e regularizada da natureza e da vida comunitária.[3]

O reverso do totemismo, o homem naturalizado. Ilustração de Charles Le Brun utilizada no livro

Segundo Viveiros de Castro, antes de limitar-se à uma interpretação de mitos Levi-Strauss, em alguns de seus livros, analisa as disposições universais do pensamento humano: ameríndio, europeu, asiático ou qualquer outro. Em suas palavras: O “pensamento selvagem” não é o pensamento dos “selvagens” ou dos “primitivos” (em oposição ao “pensamento ocidental”), mas o pensamento em estado selvagem, isto é, o pensamento humano em seu livre exercício, um exercício ainda não-domesticado em vista da obtenção de um rendimento. O pensamento selvagem não se opõe ao pensamento científico como duas formas ou duas lógicas mutuamente exclusivas. Sua relação é, antes, uma relação entre gênero (o pensamento selvagem) e espécie (o pensamento científico). Ambas as formas de pensamento se utilizam dos mesmos recursos cognitivos; o que as distingue é, diz Lévi-Strauss, o nível do real ao qual eles se aplicam: o nível das propriedades sensíveis (caso do pensamento selvagem), e o nível das propriedades abstratas (caso do pensamento científico).[4]

O livro editar

Subdividido em 9 capítulos com um apêndice sobre a planta, Pansy (Pensée des champs / Viola tricolor, amor perfeito entre nós) homônima ao nome do livro em francês, Pensée sauvage, esse livro instaura uma nova perspectiva de análise dos mitos e sistemas de classificações de objetos, plantas, animais dos povos considerados primitivos. É um livro que se contrapõe segundo seu autor às clássicas definições do totemismo em etnologia. Tem com referencial o seu livro anterior “O totemismo hoje” (Le totémisme aujourd’hui. PU, Paris, 1962), as contribuições de Maurice Merleau-Ponty, a quem o livro é dedicado em memória e Jean Paul Sartre sem buscar uma oposição entre ambos conforme revela no seu prefácio da obra.

O professor brasileiro Eduardo Viveiros de Castro acredita que ao elaborar o conceito básico de" pensamento selvagem " Lévi-Strauss mostrou que a ciência, filosofia, arte, religião, mitologia, magia etc. constituem na realidade em um único eixo, que é, o conhecimento humano[5]

Assim subdivide-se o livro:

 
O reverso do totemismo. A natureza humanizada. Ilustrações de Grandville (Jean-Ignace-Isidore Gérard,) utilizadas no livro

1 – A ciência do concreto

2 – A lógica das classificações totêmicas

3 – Os sistemas de transformações

4 – Totem e casta

5 – Categorias, elementos, espécies, números

6 – Universalização e particularização

7 – O indivíduo como espécie

8 – O tempo redescoberto

9 – História e dialética

Epigrafe editar

" Nada se compara no mundo aos Selvagens, aos camponeses e aos provincianos, para estudarem, a fundo, em todos os sentidos, o que lhes diz respeito; eis porque, quando passam do Pensamento ao Fato, encontrais tudo completo. "

" Il n'y a rien au monde que les Sauvages, les paysans et les gens de province pour étudier à fond leurs affaires dans tous les sens; aussi quand ils arrivent de la Pensée au Fait, trouvez vous les choses complètes. " (Honoré de Balzac, Le Cabinet des Antiques)

Ver também editar

Notas

  1. Há referências no livro às seguintes etnias: Axântis; Algonquinos; Arabanna (Arabana); Aranda; Arunta; Aimarás; Azande; Bahima; Banioro (Bantos); Bemba; Bateso; Blackfoot; Bororos Brasil; Bororos África (Peul, Kaguru); Bosquímanos (coisã); Canelas; Chickasaw; Chineses; Chinook; Chippewa; Coahuilla (América Central); Creek; Crows; Dakotas (Sioux); Dayak; Delaware; Devanga (Bengala); Dinka; Dobu (I. Amphlett) ver: Kula; Dogon; Elema (Sul da Nova Guiné; Esquimós; Fang; Fox (Meskwahki-haki - Ohio); Gahuku-Gama (Nova Guiné); Guaranis; Hanunoo (Sul das Filipinas); Havaí; Hopis; Iakute (Gagaúzes); Iatmul; Iban (Dayak do mar); Ioway; Iroquês; Itelmene; Kaguru; Kaitish - Unmatjera (Língua arrernte); Kalar (Sibéria); Karadjeri; Karuba; Kauralaig; Kavirondo (Bantos); Kazak (Cossacos); Kiway (Nova Guiné); Koko Yao (Cabo York); Kuruba; Kwakiult; Luapula; lubara (Uganda); Luvale (Rodésia - Zâmbia); Mabuiag (Austrália); Maias; Maithakudi; Malecite (América do Norte); Mandan; Mashona (Bantos); Matabele; Menomini (Região dos Grandes Lagos); Miwok; Mocassino; Mixe; Mohawk (Moicanos); Munda; Muskogi; Murngin (Arnhem - Austrália); Naga (Assam); Nandi (Uganda); Naskapi (Inuítes); Navajos; Ndembu (Angola - Zaire - Zâmbia); Negritos; Nueres; Oirote; Ojibwa; Okerkila (Austrália); Omaha (Missouri); Oraon; Osage; Ossete; Papago (Pima-papago); Pawnee; Penan (Bornéu - Penang; Penobscot (Maine); Peul; Pigmeus; Pima; Pinatubos (Negritos - Filipinas); Ponapê (Pohnpei - Micronésia); Ponca (Dakota do Sul - Nebraska); Pueblos (Novo México); Russos (Altai); Russos (Sibéria); Russos (Surgut); Saibai (Austrália); Samoa; Sauk (Eastern Woodlands - Wisconsin); Seminoles; Senufôs; Sioux; Subanum (Filipinas); Tanoan (kiowa-tanoano); Tewa (Pojoaque Pueblo - Novo México); Tikopia; Tiwi (Yermalner Ilha Melville); Tjongandji (Australia); Tlingit; Toradja (Indonésia Celebes do Sul); Toreya (Sul da Índia; Trobriand; Tucunas (Ticunas); Tupis cavaiba (Tupis); Tutu; Ulawa (Makira-Ulawa); Ungarinyin (Ngarinyin - Australia); Unmatjera (Anmatjera - Norte da Austrália); Walpari, Walpiri (Australia); Warramunga, Waramanga (Australia); Winnebago (Wisconsin); Wik munkan (Cabo York - Austrália); Wotjobaluk (Jadawadjali Austrália); Xerentes; Yoruba; Yuma (Quechan Colorado); Yorok); Zuni.

Referências

  1. Levi-Strauss, Claude. O pensamento selvagem SP, Ed. Nacional, 1976
  2. LANNA, M.; COSTA, C. E.; SOUZA, A. C. de. Sacrifício, tempo, antropologia: três exercícios em torno de O Pensamento Selvagem. Revista de Antropologia, [S. l.], v. 58, n. 1, p. 321-361, 2015. DOI: 10.11606/2179-0892.ra.2015.102110. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/102110. Acesso em: 18 fev. 2023.
  3. Levi-Strauss, C. Mito e significado. Lisboa, Pt, Edições 70, 1963 apud: Cotta, Mirian de Abreu. A filosofia dos mitos indígenas - mitologias e cultura na américa Curso de Filosofia da U.F. Juiz de Fora. 2009 Pdf Jun. 2011
  4. Castro, Eduardo Viveiros. O pensamento em estado selvagem do pensamento científico Com Ciência 46 Jan. 2011
  5. Il a montré l'universalité de la raison », Books, n°1, décembre 2008 janvier 2009, p. 53.

Ligações externas editar

  • 1962. O Pensamento selvagem. C. Ed. Nacional, 1970 Google Livros Jan. 2011
  • Goldman, Marcio. Lévi-Strauss e os sentidos da História. Rev. Antropol. vol.42 n.1-2 São Paulo 1999 Scielo Jan. 2011
  • O pensamento Selvagem. Resenha Shvoong Jan. 2011
 
Totem Tlingit (Civilizaçao Nadene)