Ray Gun foi uma revista norte-americana de Rock alternativo, iniciada em 1992 em Santa Monica, California. Dirigida pelo fundador e diretor de arte David Carson, Ray Gun fez experiências revolucionárias no design tipográfico das revistas, desenvolvendo um estilo caótico que explorava os limites da legibilidade tipográfica. De 1992 até 2000, 60 números da Ray Gun foram produzidos, lançando artistas como Bjork, David Bowie, Radiohead, Iggy Pop, PJ Harvey, Kate Bush e Cocteau Twins.[1]

Ray Gun
Categoria Revista Musical
Fundador(a) Marvin Scott Jarrett
Primeira edição 1992
Última edição 2000
País EUA
Idioma en-US
ISSN 1533-4732

Em comparação com as demais revistas que abordavam os temas de música, Rock and roll e cultura jovem contemporâneas, a Ray Gun estava relacionada à direção de arte que poderia ser considerada revolucionária por buscar o incomum em cada proposta visual, cada página de conteúdo, abrindo espaço também para experimentações de ilustração e fotografia incomuns em outras revistas.[1]

História editar

A Ray Gun surgiu em Los Angeles, na década de 1990, criada por Marvin Jarrett, ex-editor da revista Creem. O nome é uma alusão à um verso da música Moonage Daydream de David Bowie e também, acidentalmente, se conecta à proposta do artista Claes Oldenburg de renaming/reshaping da cidade de Nova York no início dos anos 1960.[2] Marvin Jarret inicialmente recrutou para a elaboração da revista o designer David Carson e o editor Neil Feineman, que haviam trabalhado juntos na revista Beach Culture, porém Feineman abandonou o projeto após divergências, só tendo participado das 3 primeiras edições.[1]

A revista mensal cresceu rapidamente para uma circulação de mais de 120.000 exemplares, passando a ser distribuída internacionalmente.[1] No entanto, perdeu força no início do ano 2000, após problemas financeiros que não vieram especificamente à público. Carson já não estava mais envolvido com a revista nesta altura.[3]

Design Gráfico editar

O design da Revista Ray Gun pode ser compreendido dentro do movimento do desconstrutivismo, que pode ser chamado também de "design grunge". Tal movimento diverge das correntes estilísticas do design do modernismo, representado pelas editorações de Josef Müller-Brochmann, por exemplo; do construtivismo, do movimento Bauhaus e da Nova Tipografia, que buscavam a simplicidade, minimalismo e geometria, baseadas em grids (grades geométricas nas quais o corpo do texto, imagens, legendas e outros elementos são encaixados com harmonia milimétrica em projetos editoriais), à serviço da compreensão e universalidade. Parâmetros de ergonomia visual (tais como legibilidade, alinhamento, clareza, redundância, etc.) para projetos editoriais que surgiram desses movimentos são considerados clássicos e fundamentais, o que destacava o impacto da existência de uma corrente que caminhava no sentido oposto, nos anos 1990.[4]

 
Logo da Banda Sex Pistols.

No trabalho gráfico do diretor de arte David Carson, outras funções, que não dizem respeito às tradicionais, são apresentadas. O que se buscava era representar graficamente a música alternativa e se comunicar com seu público alvo exclusivamente sem a ambição de atingir a universalidade de múltiplos segmentos de pessoas.[4]

Carson declarou que suas referências para o design da revista partiam de subculturas, televisão, filmes e propagandas, mais do que seu conhecimento na área de design em si.[1]

Tipografias punks dos anos 1970 como a do logotipo dos Sex Pistols, letras de recorte de jornal misturadas usadas em cartas anônimas, e o artista Mark Rothko,[5] são alguns exemplos de influências.[1]

O Design editar

Com o advento da Ray Gun, o design editorial passou a ser visto não como uma ciência capaz de dar forma ao conteúdo verbal, mas como a própria linguagem, que se expressa visual e verbalmente.[4]

A editoração da revista era caracterizada por páginas ricamente bagunçadas, pois não havia um grid (grade geométrica na qual corpo do texto, imagens, legendas e outros elementos são encaixados com harmonia milimétrica em projetos editoriais) por detrás delas. O grid era subvertido e os elementos colocados de maneira completamente diferente em cada página de conteúdo, expressando uma disrupção de preconcepções sobre como e onde o relacionamento entre título, legenda de fotos, corpo do texto, imagem e margem deveria ser estabelecido. Muitas vezes os títulos das matérias ou da capa ficavam e corpo muito pequeno e era necessário procurar por eles enquanto que havia grandes palavras irrelevantes ocupando o espaço da página. Os espaços em branco eram extremamente valorizados e explorados. Carson declarou que tudo era visceralmente intuitivo.[1]

No quesito das palavras do conteúdo, ocorria o que foi acunhado de Tipographic Play, uma mudança constante de tamanhos de caracteres e de fontes, letras partidas ao meio, sobreposição e omissão de palavras importantes, uso de fontes customizadas não usuais e de fontes caligráficas desenhadas por ilustradores. As letras se tornavam arte e ideais como kerning, leading e spacing, uniformidade de ascendentes e descendentes, a consistência de linhas de base e de altura eram postos em segundo plano. É importante ressaltar a influência da tipografia grunge emergente, que surgia em artes gráficas provenientes desse estilo musical, ao mesmo tempo em que se observa a enorme contribuição da revista e de David Carson para esse gênero tipográfico em si.[1][6]

Os layouts brilhantes, desafiadores e confusos e jogos com as tipografias por vezes dificultavam a legibilidade das matérias, porém isso era algo positivo, pois funcionava como um jogo para os leitores decifrarem o conteúdo,[1] como se fosse necessária uma reflexão, elaboração crítica para entender suas nuances.[7] Apesar disso também havia momentos em que não se era possível compreender o design, e isso era intencional: em determinada edição da revista, por não ter gostado de um artigo sobre Bryan Ferry, David o editou na fonte Zapf Dingbats, que tem símbolos como caracteres. Toda a reportagem ficou completamente ilegível. Para ele, não era necessário conhecer as regras para quebrá-las e se deveria parar de confundir legibilidade com comunicação.[6]

Uma das mais radicais áreas de conteúdo da Ray Gun era a Sound In Print, onde os leitores recebiam de seis a oito páginas repletas de ilustrações de letras de músicas, enviadas por artistas à revista, interpretadas como uma forma música impressa. Dessa maneira, a Ray Gun existia como uma popular revista de arte, juntamente à cobertura de cena musical.[1][8]

Todo esse conjunto de características visuais que se apresentam pode ser visto como um estilo, ou melhor, como o core concept (algo como "coração conceitual") da Ray Gun. O teórico Lewis Blackwell pontuou que:

A tendência de ver isso como 'estilo' é resultado de ver grande variação como claro ponto de diferença, uma posição que se opõe à uniformidade e regras caracterizando a maior parte de seus layouts.[1]

David Carson preferia o termo core concept à "estilo" pois dizia que:

É visceralmente intuitivo, não há regras claras e por isso não é como um estilo que pode ser seguido.[1]

Contudo, também disse em uma entrevista que:

Há um certa previsibilidade na sua imprevisibilidade.[1]

Portanto havia um constante esforço em tentar explorar ao máximo novas ideias e possibilidades, como se houvesse um rebranding da revista a cada nova edição, até mesmo porque com o sucesso da revista, surgiram outras que tentavam imitar a autenticidade da Ray Gun.[1]

Público Alvo editar

As escolhas estéticas da revista se dão em função do tema abordado, mas principalmente em razão do público alvo para a qual era destinada, um nicho específico da geração x. A Eye Magazine fez as seguintes declarações:

Carson criou um sucesso gerenciando visualmente para comunicar a essência da música alternativa. O objetivo do design gráfico aqui não é de comunicar com a maior audiência possível, usar convenções universalmente aceitas, mas para dialogar com um grupo de pessoas muito específico com uma cultura visual particular. Carson conseguiu isso desenvolvendo um dialeto visual que não é só compreendido, mas preferível à linguagem simples.[1]

Caracterizando-o melhor:

Ela era a única revista na qual um obstinado indivíduo interessado por cultura poderia encontrar informações sobre música alternativa e estilo urbano que realmente importassem. Punk rock rasgou a música pop em pedaços e criou uma fome por um estilo de vida original para além da cultura de massa.[9]

Tipografia grunge editar

Após o lançamento nos anos 1990, a Ray Gun, embora não tenha sido uma revista difundida na cultura de massa, fez muito sucesso no nicho que a conhecia, o que fez com que muitos designers gráficos ficassem obcecados com o trabalho de David Carson e a tipografia grunge.[7] O panorama em que ela surgia era o do aumento da popularidade do Macintosh, lançado em 1984, que alterou permanentemente o cenário do design gráfico e da tipografia com a introdução dos softwares de editoração, fornecendo ferramentas que ampliavam as possibilidades de criação e expandiam a criatividade dos designers. Então, esses fatores culminaram numa grande difusão da tipografia grunge influenciada pela Ray Gun e por David Carson, que é considerado o seu fundador. Isso se refletiu, por exemplo, nas capas de álbuns de rock como Free World, do Pearl Jam, e Blink-182 (álbum), da banda de mesmo nome. Fontes clássicas grunges surgiram, como Hat Nguyen’s Droplet, Harriet Goren’s Morire, e Eric Lin’s Tema Cantante.[6] A tipografia grunge era uma reação contra o design "superlimpo" em voga na década de 1990, tal qual o movimento punk e rock alternativo se constituíam em movimentos de contracultura.[10]

Também surgiram muitas críticas à tipografia grunge, provenientes de designers mais conservadores como Massimo Vignelli, que, no documentário sobre a fonte Helvetica, expôs sua crença de que a tipografia deveria apenas comportar em si as palavras, nunca imprimir significado a elas, assim seriam elegantes e atemporais.[6]

Nos anos 2000, o estilo grunge começou a desaparecer quando os olhos se cansaram da experimentação caótica e os projetos gráficos começaram a favorecer linhas limpas e simplicidade novamente.[10]

Lista parcial das revistas editar

Número Data Cover
1 Novembro 1992 Henry Rollins
2 Dezembro 1992/Janeiro 1993 R.E.M.
3 Fevereiro 1993 Dinosaur Jr.
4 Março 1993 Frank Black
5 Abril 1993 Porno for Pyros
6 Maio 1993 PJ Harvey
7 Junho/Julho 1993 Sonic Youth
8 Agosto 1993 Iggy Pop
9 Setembro 1993 Urge Overkill
10 Outubro 1993 Teenage Fanclub
11 Novembro 1993 Swervedriver
12 Dezembro 1993/Janeiro 1994 L7
13 Fevereiro 1994 Ministry
14 Março 1994 Morrissey
15 Abril 1994 Elvis Costello
16 Maio 1994 Alice in Chains
17 Junho/Julho 1994 Perry Farrell
18 Agosto 1994 Lush
19 Setembro 1994 Jesus and Mary Chain
20 Outubro 1994 Kim Deal & J Mascis
21 Novembro 1994 Liz Phair
22 Dezembro 1994/Janeiro 1995 Keith Richards
23 Fevereiro 1995 Belly
24 Março 1995 Mudhoney
25 Abril1995 Pavement
26 Maio 1995 Beastie Boys
27 Junho/Julho 1995 Björk
28 Agosto 1995 Neil Young
29 Setembro 1995 Flaming Lips
30 Outubro 1995 David Bowie[a]
31 Novembro 1995 My Life with the Thrill Kill Kult
32 Dezembro/Janeiro 1996 Sonic Youth
33 Fevereiro 1996 Smashing Pumpkins
34 Março 1996 Cypress Hill
35 Abril 1996 Iggy Pop & Perry Farrell
36 Maio 1996 Rage Against the Machine
37 Junho/Julho 1996 Soundgarden
38 Agosto 1996 Yoko Ono
39 Setembro 1996 Beck
40 Outubro 1996 Tricky
41 Novembro 1996 Mazzy Star
42 Dezembro 1996/Janeiro 1997 Smashing Pumpkins
43 Fevereiro 1997 Nine Inch Nails
44 Março 1997 David Bowie
45 Abril 1997 U2
46 Maio 1997 Chemical Brothers
47 Junho/Julho 1997 Blur
48 Agosto 1997 Wim Wenders & Michael Stipe
49 Setembro 1997 Björk
50 Outubro 1997 Oasis
51 Novembro 1997 Jane's Addiction
52 Dezembro 1997/Janeiro 1998 Marilyn Manson
53 Fevereiro 1998 Goldie
54 Março 1998 Radiohead
55 Abril 1998 Pulp
56 Maio 1998 Pearl Jam
57 Junho/Julho 1998 Garbage
58 Agosto 1998 Andy Warhol
59 Setembro 1998 Prodigy
60 Outubro 1998 Kiss
61 Novembro 1998 Marilyn Manson
62 Dezembro 1998 R.E.M.
63 Janeiro1999 Beck
64 Fevereiro 1999 Underworld
65 Março 1999 Shirley Manson
66 Abril 1999 Jamiroquai
67 Maio 1999 Eminem
68 Junho 1999 Jamiroquai
69 Julho 1999 Edward Furlong
70 Agosto 1999 Red Hot Chili Peppers
71 Setembro 1999 Chris Cornell
72 Outubro 1999 Missy Elliott
73 Novembro 1999 Stone Temple Pilots
74 Dezembro 1999/Janeiro 2000 Nine Inch Nails

Ver também editar

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m n o BLACKWELL, Lewis (2000). The End of The Print: The Grafik Design of David Carson. [S.l.]: Laurence King Publishing an imprint of Calmann & King Ltd. ISBN 1856692167 
  2. OLDENBURG, Claes (1961). New York is needed, you see, and that is why New York will be renamed Ray Gun. [S.l.: s.n.] 
  3. J. KELLY, Keith (20 jan. 2000). «BIKINI TO HANG IT UP: RAYGUN FINANCIAL BATTERIES ARE RUNNING LOW; EXCLUSIVE». New York Post. Consultado em 9 de fevereiro de 2023 
  4. a b c CARDOSO, T.; SANTAELLA, L. (22 jun. 2016). «Análise semiótica de Ray Gun, um estudo de caso: por uma recolocação do problema da função de signo no design gráfico.». Revista Triades, v. 1, n. 2. Consultado em 8 de fevereiro de 2023 
  5. LANKS, Belinda (6 jun. 2017). «The Father of Grunge Typography Calls Out Lazy Design». Magenta. Consultado em 9 de fevereiro de 2023 
  6. a b c d SHETTY, Sharan (21 ago. 2012). «The Rise And Fall Of Grunge Typography». The Awl. Consultado em 9 de fevereiro de 2023 
  7. a b SEYMOUR, Corey (23 maio 2019). «Ray Gun, the Magazine That Defined the Alt '90s, Lives Again». Vogue. Consultado em 9 de fevereiro de 2023 
  8. LUISH (10 de março de 2008). «Sound In Print». raygunmagazine.blogspot.com. Consultado em 9 de fevereiro de 2023 
  9. Rizzoli USA (14 maio 2019). «Ray Gun: The Bible of Music and Style». www.rizzoliusa.com. Consultado em 9 de fevereiro de 2023 
  10. a b PALLADINO, Valentina (27 dez. 2013). «Angst, imagination, and the Ray Gun Effect: a history of grunge typography». The Verge. Consultado em 9 de fevereiro de 2023 
  1. Final issue to be art directed by David Carson.

Ligações externas editar