SAXS (espalhamento de raios-X a baixo ângulo)

Introdução editar

Técnicas de espalhamento de raios x (λ: 0.5 – 2.0 Å) são técnicas analíticas e não destrutivas empregadas para analisar a forma e o tamanho de partículas tão pequenas que não podem ser vistas a olho nu (dimensões nanométricas; 1 nm =   m) analisando a forma com que a radiação é espalhada pelo objeto. A radiação (λ) é emitida da fonte, paralelamente incidindo sobre a amostra, onde ocorre o espalhamento (λ’), que será coletado por um detector. Todas essas técnicas operam baseadas no principio de interferência construtiva e, como não existe diferença de energia entre os fótons incidentes e os fótons espalhados, o espalhamento é considerado completamente elástico. (λ = λ’) [1] [2]

A primeira aplicação conhecida relacionava-se unicamente a cristalinidade, mas graças a avanços tanto no campo experimental, quanto no teórico, descobriram-se outras aplicações, dentre elas o estudo da estrutura atômica do material, da sua composição química e das propriedades físicas. São baseadas na intensidade de espalhamento dos raios x incidentes na amostra; sabendo-se que essa intensidade é uma função do ângulo de espalhamento e que o espalhamento é caracterizado pela lei de reciprocidade, que fornece uma relação inversa entre o tamanho da partícula e o ângulo de espalhamento 2θ. [3]

 
Esquema DRX

Na difração de raios x (DRX), de acordo com a lei de Bragg, o ângulo de difração θ é inversamente proporcional a distância entre os planos de rede da amostra e costuma ser grande em cristais comuns porque d é da mesma magnitude que o comprimento de onda dos raios x. Houve, porém a necessidade de usar DRX a baixos ângulos para tornar possível medir as grandes distâncias entre os planos de rede de outros materiais, como minerais e moléculas complexas. [3]

Foi experimentalmente observado que certas amostras causam um espalhamento intenso e contínuo sem produzir os efeitos típicos de difração que existem em um padrão comum de raios X. Isso se deve ao fato de que o espalhamento está ligado a existência de inomogeneidades no material, cujas dimensões são nanométricas. Logo, o termo baixo ângulo refere-se a caracterização de estruturas com dimensões de ordem nanométricas onde a intensidade do espalhamento é medida de acordo com ângulos 2θ aproximadamente 0°;[3] ou seja, quando a direção de espalhamento é quase a mesma do raio incidente.

Feixes de raios x podem ser providenciados por fontes de síncrotron, ou por outras fontes, mas as primeiras são favorecidas nessa técnica pois elas produzem feixes fortes e bem colimados, adequados para esse experimento. [4]

Entre as amostras que podem ser usadas, encontram-se soluções de macromoléculas biológicas (ex: proteínas), nanocompósitos, polímeros sintéticos, estruturas porosas, coloides, etc. O importante é que a amostra possua inomogeneidades de densidade eletrônica.[1]

Teoria editar

No espalhamento de raios x a baixo ângulo, o raio-x atravessa a amostra e interage com os elétrons do material, fazendo-os oscilarem senoidalmente. A radiação emitida de cada elétron é espalhada e as ondas secundárias espalhadas interferem umas com as outras, cancelando-se completamente em algumas direções (interferência destrutiva). Considerando ângulos pequenos, as diferenças de fases entre as ondas são menores e a intensidade alcança seu máximo quando 2θ=0°, onde todas as ondas estão em fase (interferência construtiva). [5] [6]

Os elétrons também sofrem espalhamento Compton (inelástico.) Como não existe uma ligação entre as fases da onda incidente com a espalhada, os comprimentos de ondas espalhados não sofrem interferências um com o outro. Porém, como a intensidade do espalhamento Compton dentro do alcance de baixo ângulo é fraca, sua contribuição para essa técnica pode ser negligenciada. [7]

A intensidade de espalhamento produzida por um material é uma função do ângulo de espalhamento e do vetor de espalhamento q, e suas características estão relacionadas a densidade eletrônica ρ(r) por uma transformada de Fourier. Logo, o objetivo final dos cientistas, muitas vezes, é determinar a função ρ(r), que descreve completamente a estrutura do material, através do espalhamento medido experimentalmente. [7]

O vetor de espalhamento q é definido como a diferença entre os vetores Q e Q’ , que possuem módulos iguais a 2π/ λ e que têm as mesmas direções do feixe espalhado e do incidente, respectivamente. Como tanto Q e Q’ são proporcionais ao momento linear dos fótons ( p = (h/2π) Q); [7] [8]

  e  

Onde h é a constante de Planck. Unindo a segundo fórmula com a de interferência construtiva de fenda dupla   , encontramos o diâmetro do objeto a ser caracterizado: [8]

 

O problema da análise consiste na dedução do tamanho, da forma, da massa e até da densidade eletrônica através da curva de espalhamento. É necessário que se conheça uma partícula modelo, cujo espalhamento seja equivalente ao observado. Em outras palavras, é necessário que a curva de espalhamento da partícula modelo concorde com o erro experimental da curva a ser analisada. [6]

Para uma partícula anisotrópica e esférica, é preciso calcular o espalhamento para cada direção e calcular uma média dos resultados. Uma das diferentes técnicas para isso envolve a função de distribuição de elétrons(ρ(r)), que é obtida através de considerações geométricas. A curva de espalhamento I é obtida por ρ(r) através da inversão de Fourier. [6]

 

No caso de uma partícula que contém poucas inomogeneidades, a densidade eletrônica pode ser considerada constante. Caso contrário, será necessário calcular experimentalmente a função de correlação gama (ɣ (r)),e a fórmula para calcular a intensidade I de uma única partícula será: [4]

 

Para sistemas isotrópicos compostos de partículas do mesmo tamanho isoladas, a intensidade de espalhamento pode ser considerada o resultado do seguinte produto: [4]

 ;

Onde N é o número de partículas por unidade de volume,   é a intensidade de espalhamento de uma única partícula e S(q) é a função estrutural. Se o sistema for diluído, S(q) = 1. [4] Nesse caso se é permitido aplicar a aproximação de Guinier, para valores pequenos de q correspondentes ao começo da curva de espalhamento, que relaciona a intensidade de espalhamento ao raio de giro (RG) da partícula. [8]

 

Para os valores altos de q, usa-se a lei de Porod: [8]

  , onde S é a superfície da partícula.

Para sistemas de duas densidades eletrônicas, consistindo de partículas homogêneas com densidade   e uma matriz com densidade constante   ,[4]

 

Onde v é o volume da partícula e Dmax é sua dimensão máxima.

Aplicações editar

As aplicações típicas do SAXS envolvem determinar a estrutura em micro ou nano escala de um sistema de partículas, em função dos seguintes parâmetros: tamanho das partículas, forma, distribuição, razão entre a área e o volume. Com o avanço da nanotecnologia, muitos materiais nanoestruturados com propriedades químicas e físicas interessantes vêm sendo desenvolvidos e, para entender as propriedades não-usuais que eles apresentam, é necessário conhecer informações estruturais sobre eles, o que é possível através dessa técnica.[4]

Os padrões conseguidos não fornecem informações sobre a morfologia diretamente; o resultado de um experimento de SAXS é essencialmente a intensidade da Transformada de Fourier da densidade eletrônica e precisa ser interpretado para determinar a morfologia da amostra.[1]

As amostras podem ser sólidas ou líquidas e podem conter domínios sólidos, líquidos ou gasosos do mesmo material ou de outro, sem gastar muito tempo de preparação, (as amostras líquidas podem ser medidas em capilares, por exemplo, e as amostras de fibra podem ser medida simplesmente através da suspensão da fibra no feixe.) [1] Conceitualmente, técnicas de espalhamento a baixo ângulo (SAS – Small Angle Scattering) são simples: a amostra é exposta a radiação (raios-x ou nêutrons) e a radiação espalhada é medida por um detector.

A técnica de SAXS também é amplamente utilizada no estudo de proteínas, permitindo a determinação de informações estruturais em solução. Ela é capaz de fornecer informações sobre o tamanho, a forma e a conformação de proteínas, bem como a sua interação com outras moléculas em solução. [9][10][11] Além disso, a SAXS pode ser utilizada para monitorar mudanças conformacionais induzidas por condições ambientais, como pH, temperatura e presença de ligantes. Com sua capacidade de analisar amostras em solução, a SAXS permite estudar proteínas em seu estado nativo e fisiológico, tornando-se uma ferramenta de grande importância em estudos biológicos.

Existe um problema ligado à análise dos dados, uma vez que o resultado do espalhamento pode ser considerado ambíguo. A maioria dos detectores mede apenas a intensidade da Transformada de Fourier e não a informação sobre a fase, complicando a interpretação da data. A perda dessa informação reflete nas incógnitas: forma da partícula e poli dispersão, que, consequentemente, não poderão ser obtidas separadamente. A forma da partícula só pode ser calculada se as informações sobre a dispersão são conhecidas e vice-versa, exigindo informações complementares.[1]

Outro problema é a separação entre a intensidade espalhada fraca e o raio principal. A maior parte das fontes de raios-x produzem feixes divergentes, o que acaba por agravar o problema. Uma solução é o uso de instrumentos de colimação, que tornam paralela a trajetória do feixe, com a maior precisão possível. [5]


Referências

  1. a b c d e Brian Richard Pauw. «About SA(X)S (Inglês)». Consultado em 24 de fevereiro de 2013 
  2. Yun-Xing Wang, Xiaobing Zuo, Alexander Grishaev, Jinbu Wang. «The first NIH Workshop on Small Angle X-Ray Scattering and Aplication in Biomolecular Studies(Inglês)» (PDF). Consultado em 26 de fevereiro de 2013 
  3. a b c A.Guinier, G. Fournet "Small-Angle Scattering of X-Rays", (1955)
  4. a b c d e f A. F. Craievich, "Synchrotron SAXS Studies of Nanostructured Materials and Colloidal Solutions. A Review", (2002)
  5. a b «Small Angle X-Ray Scattering (Inglês)». Consultado em 26 de fevereiro de 2013 
  6. a b c O. Glatter, O. Kratky, "Small Angle X-Ray Scattering", Academic Press (1982)
  7. a b c A. Craievich, "Small Angle X-Ray Scattering of Nanoestructured Materials", chapter 8, cB 10 (2005)
  8. a b c d Elliot Gilbert. «Introduction to Small Angle X-Ray Scattering (Inglês)» (PDF). Consultado em 3 de março de 2013 
  9. Piiadov, Vassili; Ares de Araújo, Evandro; Oliveira Neto, Mario; Craievich, Aldo Felix; Polikarpov, Igor (fevereiro de 2019). «SAXSMoW 2.0: Online calculator of the molecular weight of proteins in dilute solution from experimental SAXS data measured on a relative scale». Protein Science (em inglês) (2): 454–463. ISSN 0961-8368. PMC PMC6319763  Verifique |pmc= (ajuda). PMID 30371978. doi:10.1002/pro.3528. Consultado em 18 de abril de 2023 
  10. Fischer, H.; Oliveira Neto, M. de; Napolitano, H. B.; Polikarpov, I.; Craievich, A. F. (1 de fevereiro de 2010). «Determination of the molecular weight of proteins in solution from a single small-angle X-ray scattering measurement on a relative scale». Journal of Applied Crystallography (em inglês) (1): 101–109. ISSN 0021-8898. doi:10.1107/S0021889809043076. Consultado em 18 de abril de 2023 
  11. Mario de Oliveira Neto, Adriano de Freitas Fernandes, Vassili Piiadov, Aldo Felix Craievich, Evandro Ares de Araújo, Igor Polikarpov. (11 de novembro de 2021). «SAXSMoW 3.0: New advances in the determination of the molecular weight of proteins in dilute solutions from SAXS intensity data on a relative scale». Wiley Online Library. Protein Science. Consultado em 18 de abril de 2023