Somatotropina bovina

A somatotropina bovina, também chamada somatotrofina bovina[3] (abreviadamente BST, do inglês bovine somatotropin ou somatotrophin) e também conhecida como hormônio do crescimento bovino (abreviadamente BGH, do inglês bovine growth hormone), é um hormônio peptídico produzido naturalmente pela glândula pituitária das vacas leiteiras.[4] Assim como outros hormônios, é produzida em pequenas quantidades e participa dos processos de regulação metabólica.[5]

O uso de somatotropina bovina recombinante possibilita incrementos de até 20% na produção de vacas leiteiras, é um dos produtos veterinários mais estudados da história e é atestado pela FAO e Organização Mundial da Saúde como seguro na alimentação humana.
O uso de somatotropina bovina recombinante, injetada periódicamente nas vacas leiteiras, possibilita incrementos de até 20% na produção de leite. É atestado pela FAO e Organização Mundial da Saúde como seguro na alimentação humana. Mas a substância está proibida, entre outros países, no Canadá e na União Europeia.[1][2]

O papel da somatropina natural editar

A hormona de crescimento bovino (BGH)é produzida naturalmente na glândula pituitária do gado. A hormona promove o crescimento das crias e regula a produção de leite das vacas leiteiras.

A produção normal de leite de uma vaca leiteira atinge um máximo cerca de cinquenta dias após o parto e depois diminui de forma constante nos dez meses seguintes. Após o pico, a vaca tem de se alimentar mais para satisfazer as exigências da lactação. [6]

Até as vacas leiteiras começarem a ser injetadas com hormonas a fim de aumentar a produção de leite, mesmo as raças mais produtivas tinham úberes de tamanho razoável, sem que o peso do seu leite as incomodasse. Nessa altura, era frequente os vitelos ficarem com as mães durante várias semanas: o bezerro era gradualmente desmamado e a ordenha da mãe aumentava. Assim, uma vaca passava sem problemas de alimentar o seu vitelo para dar leite aos humanos. [7]

Somatotropina sintética editar

Depois que a empresa de biotecnologia Genentech descobriu e patenteou o gene da BST, nos anos 1970,[8] tornou-se possível sintetizar esse hormônio usando a tecnologia do DNA recombinante para criar a somatotropina bovina recombinante, abreviadamente rBST (do inglês recombinant bovine somatotropin ou recombinant bovine somatotrophin), e o hormônio do crescimento bovino recombinante, abreviadamente rBGH (do inglês recombinant bovine growth hormone) ou hormônio do crescimento artificial. A partir da década de 1980, tornou-se possível obter o hormônio de crescimento em escala comercial.

Nos Estados Unidos, quatro grandes empresas farmacêuticas (Monsanto, American Cyanamid, Eli Lilly e Upjohn), entraram numa corrida para desenvolver produtos comerciais contendo rBST e submetê-los à aprovação da FDA (Food and Drug Administration). [9][10] A Monsanto foi a primeira a conseguir a aprovação da FDA para comercialização dos seus produtos à base de rBST nos Estados Unidos (em 1993). O mesmo ocorreu no México, no Brasil, na Índia, na Rússia e em pelo menos dez outros países.[11][ligação inativa] Em contrapartida, o produto foi proibido em todos os países da União Europeia, Nova Zelândia, Austrália e Canadá.[12][13]

Assim, depois de obter uma licença da Genentech,[8] a Monsanto passou a comercializar o rBST com o nome de Posilac. [14][15]

Em 1985, a Monsanto tinha apresentado a documentação inicial à FDA para obter a aprovação do Posilac. Era uma pilha de documentos da altura de um homem. A própria agência não efectua estudos toxicológicos, tais como testes em animais, apenas examina os dados fornecidos pelos fabricantes dos produtos. Quando Richard Burroughs, um veterinário da FDA na época, considerou os registros insuficientes e de qualidade científica muito pobre, e solicitou uma revisão mais aprofundada, acabou despedido pela FDA. Recorrendo aos tribunais, Burroughs conseguiu que a agência o reintegrasse, mas acabou por se demitir devido às pressões.[16]

O que diz o rótulo

(...) as vacas tratadas com Posilac tendem a manter uma condição corporal inferior à das vacas não tratadas. Este efeito é mais pronunciado nas vacas em segunda lactação ou mais velhas.

(...) As vacas injectadas com Posilac correm um risco acrescido de mastite (leite visivelmente anormal) e podem apresentar contagens de células somáticas [pus] mais elevadas. (...)

(...)As vacas injectadas com Posilac podem necessitar de um tratamento medicamentoso mais terapêutico para a mastite e outros problemas de saúde. (...) As vacas injectadas com Posilac podem apresentar jarretes mais dilatados e perturbações da região dos pés. O tratamento com Posilac pode reduzir os valores de hemoglobina e hematócrito.(...) [17]

Estudos (incluindo alguns confidenciais da própria Monsanto) mostraram que vacas leiteiras tratadas com Posilac eram mais propensas a desenvolver mastite , que também poderia vazar pus no leite e exigia mais aplicação de antibióticos. As vacas também sofriam de ovários, tiróide, fígado, coração, rins, aumentados e problemas reprodutivos. Seu leite tem um teor significativamente maior do fator de crescimento epidérmico, semelhante à insulina, EGF1. [18][19]

Em 1994, foi solicitado à comissão científica da União Europeia um relatório sobre a incidência de mastite e outras doenças em vacas leiteiras submetidas à ingestão de rBST. O parecer da comissão, acatado pela União Europeia em 1999, foi de que o uso de rbST aumenta substancialmente a incidência de problemas de saúde nos animais - problemas nas patas, mastites e doenças do aparelho reprodutor.[20]

Segundo outro estudo, por Dale Bauman[21] e outros, que contraria a própria Monsanto[22], não há relação entre o uso do produto rBST com aumento de incidência de mastite, alteração na contagem de células somáticas, problemas locomotores, ou descarte de animais. [23]

De acordo com um relatório de 2000, publicado pela Universidade de Cornell, o hormônio rBGH é empregado nos Estados Unidos desde 1993 ou 1994, e cânceres como o de mama podem levar muitos anos para se desenvolver; portanto, não havia, até então, provas que ligassem a presença de resíduos de hormônios, na carne ou no leite, a problemas de saúde humana. O relatório conclui que é demasiado cedo para estudar o risco de cancro da mama em mulheres que bebem leite ou comem carne de animais tratados com hormonas. Além disso não existiam estudos comparativos. O relatório termina: é necessária mais pesquisa. [1]

 
A Monsanto tentou, sem êxito, impedir a rotulagem de leite comum como "livre de rBST". Contudo, a FDA aconselhou a legenda: "De acordo com a FDA, não foi demonstrada qualquer diferença significativa entre o leite derivado de vacas tratadas com rBST e de vacas não tratadas com rBST."[24]

No entanto, a partir de 1999 a venda de rBST começou a ser proibida em vários países - primeiro no Canadá; em seguida, na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão, em Israel e em toda a União Europeia. O governo canadense recusou a aprovação para a venda de rBGH para gado leiteiro, com base não apenas nas preocupações acerca dos efeitos da substância para a saúde humana, mas também devido à degradação da saúde dos animais, que passaram a apresentar maior incidência de mastite, entre outros problemas. [1]

Atualmente, a somatotropina sintética é permitida tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Nos EUA, porém, como resultado da crescente preferência dos consumidores, continuam a ser produzidos laticínios isentos de rBST (rBST-free). [25][ligação inativa][26] [27]

Em outubro de 2008, a Monsanto vendeu o negócio para a Eli Lilly por US $300 milhões.[28]

Efeitos na saúde animal editar

Uma meta-análise publicada em 2003, sugeriu um impacto negativo da rBST na saúde dos bovinos. Verificou um aumento médio na produção de leite variando entre 11 a 16%, um aumento aproximado de 24% de risco de mastite , uma redução de 40% na fertilidade, e 55% de aumento de risco de desenvolvimento de claudicação . O mesmo estudo relatou uma diminuição no índice de condição corporal de vacas tratadas com rBST, apesar de um aumento de ingestão de matéria seca.[15] Uma outra meta-análise pelos mesmos autores analisara anteriormente os índices de condição corporal mas não conseguiu chegar a uma conclusão devido à falta de homogeneidade na conceção dos estudos e na apresentação dos relatórios. Verificaram uma tendência para a diminuição da condição corporal nas vacas tratadas, mas afirmam que "dependendo do nível de condição corporal destas vacas, este efeito pode ter sido benéfico ou prejudicial".[14]

Em 1994, o relatório da comissão científica da UE afirmava que a utilização da rBST aumentava substancialmente os problemas de saúde das vacas, incluindo problemas nas patas, mastites e reações no local da injeção, e causando perturbações reprodutivas. O relatório concluiu que a rBST não deveria ser utilizada.[20] O Health Canada proibiu a venda de rBST em 1999; foi considerado que existia um risco para a saúde humana e uma ameaça para a saúde animal, pelo que não podia ser vendido no Canadá. [29]

Embora não existam números exatos, estima-se nos anos noventa que a mastite custou às indústrias de laticínios americanas cerca de US$ 1,5 a 2 bilhões por ano no tratamento das vacas leiteiras.[30]

Outro estudo da Universidade da Geórgia sobre a monitorização pós-aprovação da rBST afirmou que não houve uma derivação estatisticamente significativa nos casos de mastite em vacas leiteiras tratadas com rBST e concluiu que apesar de haver aumentos numéricos na taxa de mastite em vacas suplementadas com Posilac em comparação com as outras, "a diferença ficava anulada quando ajustada para o volume de leite produzido."[31]

Contudo, a introdução da rBST não foi motivada por um défice de produção de leite, que os EUA produzem em excesso. [32][33]

Efeitos na saúde humana editar

O efeito da somatotropina bovina artificial na saúde humana, por meio do consumo de leite e carne dos animais, é um debate contínuo.

O leite produzido por vacas tratadas com a hormona não é exatamente igual ao das vacas não tratadas.[20]Tudo tem início no fato de que a vaca sob tratamento ter uma condição física inferior ao normal. [22]Ela produz mais leite debaixo de severa tensão física e mental em instalações lotadas. Está sujeita a mais doenças e mais frequente aplicação de antibióticos para problemas como a mastite.[34] As suas funções naturais são pervertidas por meio de drogas, transformando-a dolorosamente numa esgotada "máquina de dar leite".[33]

O leite das vacas tratadas com rBST pode conter níveis elevados de fator de crescimento semelhante à insulina (IFG-1), o que pode aumentar o risco de cancro de mama e outros tipos de cancro.[34][35] Apresenta contagens de células somáticas, ou seja, pus, mais elevadas.[20][22]

Ver também editar

Referências

  1. a b c Gandhi, Renu (Junho de 2000). «Fact Sheet #37: Consumer Concerns About Hormones in Food» (PDF). Cornell University - Program on Breast Cancer and Environmental Risk Factors in New York State 
  2. Gutoskey, Ellen (30 de Setembro de 2021). «7 Everyday American Food Additives Banned in Other Countries». Mental Floss (em inglês) 
  3. Segundo o Comitê Científico da União Europeia, fatores tropicos afetam direção ou extensão do movimento do corpo, enquanto fatores tróficos afetam o crescimento. Portanto a denominação"somatotropina", frequentemente utilizada, seria equivocada. Ver Report on Animal Welfare Aspects of the Use of Bovine Somatotrophin The Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare; nota 1, p. 5.
  4. Cohen, Robert (1998). Leite-alimento Ou Veneno. [S.l.]: GROUND 
  5. Brennand, Charlotte (1999). «Bovine Somatotropin in Milk». Archived Food and Health Publications. Paper 32. 
  6. Grace, Eric S. (2006). Biotechnology Unzipped: Promises and Realities (2nd Edition). [S.l.]: Joseph Henry Press. pp. 98–99 
  7. Goodall, Jane (2005). «Chapter 5: Animal Factories: Farms of Misery». Harvest for Hope: a guide to mindful eating. [S.l.]: Hachette Book Group 
  8. a b Schneider, Keith (10 de junho de 1990). «BETTING THE FARM ON BIOTECH». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 24 de maio de 2023 
  9. Bijman, J. (1996), "Recombinant Bovine Somatotropin in Europe and the USA." Biotechnology and Development Monitor, n° 27, p. 2-5.
  10. Bovine Somatotropin. Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives Monograph.
  11. William D. Dobson. June 1996 The BST Case. Agricultural and Applied Economics Staff Paper Series No.397. Universidade de Wisconsin-Madison.
  12. «Blog : Food Safety Wins Out On GMO Bovine Growth Hormone Saga : Burra Foods». Burra Foods Australia. 22 de Novembro de 2013 
  13. Laskawy, Tom (7 de outubro de 2010). «Court rules rBGH-free milk *is* better than the kind produced with artificial hormones. Now what?». Grist (em inglês) 
  14. a b Dohoo, Ian R. (e vários outros) (Outubro de 2003). «A meta-analysis review of the effects of recombinant bovine somatotropin: 1. Methodology and effects on production». National Library of Medicine - National Center for Biotechnology Information. The Canadian Journal of Veterinary Research 67 (4): 241–251. PMC 280708 . PMID 14620860 
  15. a b Dohoo, Ian R. (e outros) (Outubro de 2003). «A meta-analysis review of the effects of recombinant bovine somatotropin: 2. Effects on animal health, reproductive performance, and culling». National Library of Medicine - National Center for Biotechnology Information. The Canadian Journal of Veterinary Research 67 (4): 252-264. PMC 280709 . PMID 14620861 
  16. Robin, Marie-Monique (2010). The world according to Monsanto: pollution, corruption, and the control of the world’s food supply. [S.l.]: The New Press. pp. 90–93 
  17. «Label: POSILAC- sometribove suspension». Daily Med - National Library of Medicine- NIH. Consultado em 14 de junho de 2023 
  18. Report on Animal Welfare Aspects of the Use of Bovine Somatotrophin (PDF). [S.l.]: The Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare, European Union. 10 de Março de 1999 
  19. Robin 2010, pp. 93-96.
  20. a b c d Report on Animal Welfare Aspects of the Use of Bovine Somatotrophin (PDF). [S.l.]: The Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare, European Union. 10 de março de 1999 
  21. «Dale E. Bauman - SourceWatch». SourceWatch - The Center for Media and Democracy (em inglês). Consultado em 17 de junho de 2023 
  22. a b c «Label: POSILAC- sometribove suspension». Daily Med - National Library of Medicine- NIH. Consultado em 14 de junho de 2023 
  23. St-Pierre, Normand R.; Milliken, George A.; Bauman, Dale E.; Collier, Robert J.; Hogan, Joseph S.; Shearer, Jan K.; Smith, K. Larry; Thatcher, William W. (1 de setembro de 2014). «Meta-analysis of the effects of sometribove zinc suspension on the production and health of lactating dairy cows». Journal of the American Veterinary Medical Association (5): 550–564. ISSN 1943-569X. PMID 25148097. doi:10.2460/javma.245.5.550. Consultado em 10 de maio de 2022 
  24. Westervelt, Amy (22 de Agosto de 2012). «Monsanto, DuPont Spending Millions to Oppose California's GMO Labeling Law». Forbes (em inglês) 
  25. North, R (10 de janeiro de 2007). «Safeway & Chipotle Chains Dropping Milk & Dairy Derived from Monsanto's Bovine Growth Hormone». Oregon Physicians for Social Responsibility 
  26. «Kroger to Complete Transition to Certified rBST-Free Milk by Early 2008». Finanzen.at. 1 de Agosto de 2007 
  27. «Statement and Q&A-Starbucks Completes its Conversion – All U.S. Company-Operated Stores Use Dairy Sourced Without the Use of rbGH». Starbucks Corporation. Arquivado do original em 29 de março de 2008 
  28. «Eli Lilly to Buy Monsanto's Dairy Cow Hormone for $300 million – DealBook Blog». The New York Times. 20 de agosto de 2008 
  29. Mills, Lisa Nicole (1999). Science and Social Context: The regulation of recombinant bovine growth hormone (rbGH) in the United States and Canada, 1982-1998. [S.l.]: National Library of Canada. pp. 112–126 
  30. Middleton, John R.; Saeman, Anne; Fox, Larry K.; Lombard, Jason; Hogan, Joe S.; Smith, K. Larry (1 de dezembro de 2014). «The National Mastitis Council: A Global Organization for Mastitis Control and Milk Quality, 50 Years and Beyond». Journal of Mammary Gland Biology and Neoplasia (em inglês) (3): 241–251. ISSN 1573-7039. doi:10.1007/s10911-014-9328-6 
  31. McClary, David; Nickerson, Stephen C. (21 de Dezembro de 2010). «University of Georgia Department of Animal & Dairy Science (Arq. em WayBack Machine)» (PDF) 
  32. Lee, Meredith (6 de novembro de 2021). «Got milk? Yes, actually, U.S. has too much.». Politico (em inglês) 
  33. a b «Labeling Issues, Revolving Doors, rBGH, Bribery and Monsanto». Source Watch. Consultado em 19 de junho de 2023 
  34. a b Escobar, Christine (2 de abril de 2009). «The Tale of rBGH, Milk, Monsanto and the Organic Backlash». Huffington Post (em inglês) 
  35. Mason, Margaret (7 de março de 1994). «MILK? IT MAY NOT DO A BODY GOOD». Washington Post (em inglês). ISSN 0190-8286 

Bibliografia editar

  • Boyens, Ingeborg (1999) - Colheita amarga - Livros do Brasil
  • Goodall, Jane (2005) - Harvest for Hope: a guide to mindful eating - Hachette Book Group
  • Grace, Eric S. -(2006) - Biotechnology Unzipped: Promises and Realities (2ª ed.) - Joseph Henry Press
  • Robin, Marie-Monique (2010) - The world according to Monsanto: pollution, corruption, and the control of the world’s food supply - The New Press
  • Seralini, Gilles-Éric & Douzelet, Jérôme (2021) - The Monsanto Papers: Corruption of Science and grievous harm to public health - Skyhorse Publishing
  • The Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare (1999) - Report on Animal Welfare Aspects of the Use of Bovine Somatotrophin

Ligações externas editar


  Este artigo sobre medicina veterinária é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.