O radical superóxido, mais vulgarmente designado por apenas superóxido, é uma espécie reactiva de oxigénio. A sua fórmula química é O2•-, encontrando-se por vezes a notação mais simples O2-. Actua normalmente como um poderoso agente oxidante, podendo ser produzido em sistemas vivos.

Configuração electrónica do superóxido, usando a notação de Lewis. A negro estão os seis electrões de valência de cada átomo de oxigénio, estando dois partilhados na formação da ligação covalente entre os dois átomos. A vermelho, o electrão que confere a carga negativa ao superóxido.

Características químicas editar

O superóxido é uma espécie radicalar, ou seja, possui um electrão desemparelhado, tornando-o numa espécie paramagnética. É constituído por dois átomos de oxigénio, mas possui mais um electrão que a molécula de oxigénio, O2.

O comprimento da ligação entre os dois átomos de oxigénio é de 1,33 Å, ligeiramente mais longo que os 1,21 Å da molécula de O2 e ligeiramente mais curto que os 1,49 Å no anião O22−. As diferenças nos comprimentos da ligação oxigénio-oxigénio correspondem ao decréscimo na ordem de ligação, de 2 (O2, ligação covalente dupla), para 1.5 (O2, ligação covalente mista, entre dupla e simples) e 1 (O22−, ligação covalente simples).

Síntese inorgânica editar

Os sais CsO2, RbO2, KO2 e NaO2 são preparados através da reacção de O2 com os respectivos metais alcalinos.[1]

Estes sais têm uma cor entre o amarelo e o laranja e são bastante estáveis desde que mantidos secos. Quando estes sais são dissolvidos numa solução contendo água, o superóxido sofre dismutação:

2 O2•- + 2 H2O → O2 + H2O2 + 2 OH

Esta reacção é muito rápida. O O2•- comporta-se como uma base forte de Brønsted, formando HO2.

Como outros sais, os sais de superóxido também se decompõem na ausência de água, através de aquecimento:

2MO2 → M2O2 + O2

em que M é um metal alcalino. Esta reacção é a base do uso do superóxido de potássio, KO2, em geradores químicos de oxigénio, como os usados em vaivéns espaciais e submarinos.

Formação in vivo editar

O superóxido é formado pela redução da molécula de oxigénio, O2, por um único electrão:

O2 + e- → O2•-

Em organismos que usam a respiração aeróbia, o O2 age como molécula aceitadora de electrões na cadeia respiratória, sendo reduzido a H2O. No entanto, sob determinadas condições, o O2 aceita apenas um electrão, formando o superóxido. Esta redução anómala ocorre especialmente a nível das enzimas fumarato redutase[2] e NADH desidrogenase e em flavoproteínas.[3] Na bactéria Escherichia coli foi demonstrada a produção de superóxido no complexo da sulfito redutase, que contém cofactores relacionados com flavinas e hemos;[3] estes resultados mostram que sistemas contendo flavinas, hemos, centros de ferro e quinonas são, em geral, bons redutores de oxigénio. Ainda em E. coli, foi estimado que cerca de 0,1% de todo o O2 consumido na respiração aeróbia é reduzido a superóxido.[4]

Como intermediário ou produto reaccional editar

O superóxido é um intermediário da reacção catalisada por algumas oxidases, como a glucose oxidase.[5] A enzima xantina oxidase produz superóxido in vitro,[6] sendo esta muito usada em testes de actividade enzimática de superóxido dismutase.[7][8]

No sistema imunitário editar

Devido à sua toxicidade, o superóxido é utilizado pelo sistema imunitário na eliminação de microorganismos invasores. Os fagócitos possuem uma enzima denominada NADPH oxidase que produz superóxido, sendo este utilizado na degradação das bactérias fagocitadas. A doença granulomatose crónica é uma imunodeficiência que resulta da mutação no gene que codifica esta enzima, tornando o portador muito susceptível a infecções.

Danos intracelulares editar

O superóxido pode causar danos a estruturas celulares quer de uma forma directa, quer originando outras espécias reactivas de oxigénio que, por sua vez, causam mais danos. Como o superóxido é uma molécula com carga eléctrica (negativa), é altamente polar, impossibilitando a sua passagem por difusão simples através das bicamadas lipídicas que formam as membranas celulares. Não está, por isso, normalmente associada a danos membranares. No entanto, a sua forma protonada, HO2 (radical hidroperoxilo) não possui carga e atravessa membranas mais facilmente. Como o pKa desta protonação é 4,8, apenas cerca de 1% do superóxido se encontra na forma protonada.

O superóxido reage com centros de ferro-enxofre existentes em proteínas como as desidratases[9] e a aconitase,[10] destruíndo-os e levando à libertação de ferro dentro da célula. A existência de ferro em solução dentro das células é uma situação de reconhecida potenciação de danos por espécies reactivas de oxigénio.

Outros compostos contendo enxofre, como o aminoácido cisteína, são também alvos da acção destrutiva do superóxido, formando sulfóxidos em soluções aquosas.[11]

O superóxido também reage com outros radicais.[12] Por exemplo, a enzima ribonucleótido redutase, responsável pela produção de desoxirribonucleótidos, usa um radical presente num aminoácido de tirosina para a sua actividade enzimática; o superóxido pode reagir com este radical, aniquilando-o (e consequentemente eliminando a actividade da enzima) e produzindo peróxido de hidrogénio.

Outro exemplo de relevante actividade fisiológica é a produção de peroxinitrito (ONOO-) através da condensação de superóxido com óxido nítrico (NO).[13][14] Esta reacção é extremamente veloz (~109 M-­1s-­1),[15] pelo que tende a ocorrer sempre que o superóxido se encontre in vivo com o NO. O peróxido de hidrogénio (H2O2) e, por consequência, o radical hidroxilo (HO) também são conhecidas espécies resultantes da acção oxidativa do superóxido. Estas espécies químicas estão relacionadas com danos ao DNA.[16][17][18] Na realidade, a maioria dos danos observados aquando da produção de superóxido são devidos à libertação de ferro intracelular, como descrito acima, e à reacção de Fenton, pelo menos em E. coli.[18] A reacção de Fenton, que descreve a reacção de superóxido com metais de transição como o ferro e o cobre, explica a formação do radical hidroxilo, um dos radicais de efeitos mais nefastos para sistemas vivos.

A capacidade do superóxido em reagir com centros de ferro-enxofre é explorada pelas células para sentir mudanças no estado redox intracelular.[16] Determinadas proteínas têm os seus centros de ferro-enxofre destruídos de forma propositada pelo superóxido de modo a provocar a síntese de enzimas que desintoxiquem a célula desse mesmo superóxido. Neste sentido, o superóxido actua como molécula sinalizadora.

O superóxido reage também com compostos contendo grupos carbonilo e carbonos halogenados, gerando radicais peroxilo.

Quase todos os organismos que vivem em condições onde existe oxigénio (aeróbias ou microaerofílicas) possuem uma enzima denominada superóxido dismutase, que capta o superóxido de uma forma muito eficiente. Na realidade, a superóxido dismutase catalisa a reacção de dismutação do superóxido com uma velocidade próxima à da difusão das moléculas em solução, tornando-a numa enzima quase perfeita.

Referências

  1. Holleman, A. F.; Wiberg, E. "Inorganic Chemistry" Academic Press: San Diego, 2001. ISBN 0-12-352651-5.
  2. J.A. Imlay, "A metabolic enzyme that rapidly produces superoxide, fumarate reductase of Escherichia coli", J. Biol. Chem., vol.270, n.34, 1995, p.19767-19777
  3. a b K.R. Messner e J.A. Imlay, "The identification of primary sites of superoxide and hydrogen peroxide formation in the aerobic respiratory chain and sulfite reductase complex of Escherichia coli", J. Biol. Chem., vol.274, n.15, 1999, p.10119-10128
  4. J.A. Imlay e I. Fridovich, "Assay of metabolic superoxide production in Escherichia coli", J. Biol. Chem., vol.266, 1991,p.6957-6965
  5. Q. Su e J.P. Klinman, "Nature of oxygen activation in glucose oxidase from Aspergillus niger: the importance of electrostatic stabilization in superoxide formation", Biochemistry, vol.38, 1999, p.8572-8581
  6. J.M. McCord e I. Fridovich, "The reduction of cytochrome c by milk xanthine oxidase", J. Biol. Chem., vol.243, n.21, 1968, p.5753-5760
  7. I. Fridovich, "Quantitative aspects of the production radical by milk xanthine oxidase", J. Biol. Chem., vol.245, n.16, 1970, p.4053-4057
  8. J.M. McCord e I. Fridovich, "Superoxide dismutase - an enzymic function for erythrocuprein (hemocuprein)", J. Biol. Chem., vol.244, n.22, 1969, p.6049-6065
  9. K. Keyer e J.A. Imlay, "Superoxide accelerates DNA damage by elevating free-iron levels", Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A., vol.93, 1996, p.13635-13640
  10. J. Vásquez-Vivar, B. Kalyanaraman e M.C. Kennedy, "Mitochondrial aconitase is a source of hydroxyl radical - an electron spin resonance investigation", J. Biol. Chem., vol.275, n.19, 2000, p.14064-14069
  11. B.L. Miller, T.D. Williams e C. Schöneich, "Mechanism of sulfoxide formation through reaction of sulfur radical cation complexes with superoxide or hydroxide ion in oxygenated aqueous solution", J. Am. Chem. Soc., vol.118, 1996, 11014-11025
  12. C.C. Winterbourn e A.J. Kettle, "Radical-radical reactions of superoxide: a potential route to toxicity", Biochem. Biophys. Res. Commun., vol.305, 2003, p.729-736
  13. J.S. Beckman, T.W. Beckman, J. Chen, P.A. Marshall e B.A. Freeman, "Apparent hydroxyl radical production by peroxynitrite: implications for endothelial injury from nitric oxide and superoxide", Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A., vol.87, 1990, p.1620-1624
  14. N.V. Blough e O.C. Zafkiou, "Reaction of superoxide with nitric oxide to form peroxonitrite in alkaline aqueous solution", Inorg. Chem., vol.24, 1985, p.3502-3504
  15. R.E. Huie e S. Padmaja, "Reaction of .NO with O2-, Free Radic. Res. Commun., vol.18, 1993, p.195-199)
  16. a b D. Touati, "Iron and oxidative stress in Bacteria", Arch. Biochem. Biophys., vol.373, n.1, 2002, p.1-6
  17. T. Nunoshiba, F. Obata, A.C. Boss, S. Oikawa,T. Mori, S. Kawanishi e K. Yamamoto, "Role of iron and superoxide for generation of hydroxyl radical, oxidative DNA lesions, and mutagenesis in Escherichia coli, J. Biol. Chem., vol.274, n.49, 1999, p.34832-34837
  18. a b K. Keyer, A.S. Gort e J.A. Imlay, "Superoxide and the production of oxidative DNA damage", J. Bacteriol., vol.177, n.23, 1995, p.6782-6790