Em matemática , sobretudo na teoria das equações diferenciais ordinárias , o teorema de Picard-Lindelöf estabelece condições suficientes para a existência e unicidade de soluções em uma vizinhança de
t
0
{\displaystyle t_{0}\,}
para o problema de valor inicial :[ 1]
d
d
t
y
(
t
)
=
f
(
y
(
t
)
,
t
)
y
(
t
0
)
=
y
0
{\displaystyle {\begin{aligned}&{\frac {d}{dt}}y(t)=f(y(t),t)\\&y(t_{0})=y_{0}\end{aligned}}}
onde
f
(
x
,
t
)
{\displaystyle f(x,t)\,}
é uma função contínua na variável
t
{\displaystyle t\,}
e Lipschitz contínua na variável
x
{\displaystyle x\,}
.
Algumas vezes, notadamente na França , este teorema é chamado de Teorema de Cauchy-Lipschitz . Os nomes do teorema são em honra aos matemáticos Charles Émile Picard , Ernst Leonard Lindelöf , Rudolf Lipschitz e Augustin Louis Cauchy .
Seja
f
(
x
,
t
)
:
[
y
0
−
a
,
y
0
+
a
]
×
[
t
0
−
b
,
t
0
+
b
]
→
R
{\displaystyle f(x,t):[y_{0}-a,y_{0}+a]\times [t_{0}-b,t_{0}+b]\to \mathbb {R} }
uma função contínua tal que:
|
f
(
x
,
t
)
−
f
(
y
,
t
)
|
≤
L
|
x
−
y
|
,
∀
x
,
y
,
t
∈
R
{\displaystyle \left|f(x,t)-f(y,t)\right|\leq L|x-y|,~~\forall x,y,t\in \mathbb {R} \,}
para algum
L
{\displaystyle L\,}
positivo.
Então existe um número
h
{\displaystyle h\,}
positivo tal que o problema de valor inicial
d
d
t
y
(
t
)
=
f
(
y
(
t
)
,
t
)
y
(
t
0
)
=
y
0
{\displaystyle {\begin{array}{ll}{\frac {d}{dt}}y(t)=f(y(t),t)\\y(t_{0})=y_{0}\end{array}}\,}
admite uma única solução no intervalo
[
t
0
−
h
,
t
0
+
h
]
{\displaystyle [t_{0}-h,t_{0}+h]\,}
.
As iterações de Picard
editar
Assuma que
y
(
t
)
{\displaystyle y(t)\,}
e
z
(
t
)
{\displaystyle z(t)\,}
sejam solução do problema, então a diferença
w
(
t
)
=
y
(
t
)
−
z
(
t
)
{\displaystyle w(t)=y(t)-z(t)\,}
satisfaz:
d
d
t
w
(
t
)
=
f
(
y
(
t
)
,
t
)
−
f
(
z
(
t
)
,
t
)
w
(
t
0
)
=
0
{\displaystyle {\begin{array}{ll}{\frac {d}{dt}}w(t)=f(y(t),t)-f(z(t),t)\\w(t_{0})=0\end{array}}\,}
Integrando temos:
w
(
t
)
=
∫
t
0
t
[
f
(
y
(
τ
)
,
τ
)
−
f
(
z
(
τ
)
,
τ
)
]
d
τ
,
t
∈
[
t
0
,
t
0
+
h
]
{\displaystyle w(t)=\int _{t_{0}}^{t}\left[f(y(\tau ),\tau )-f(z(\tau ),\tau )\right]d\tau ,~~t\in [t_{0},t_{0}+h]\,}
Usando a condição de Lipschitz, temos:
|
w
(
t
)
|
≤
∫
t
0
t
|
f
(
y
(
τ
)
,
τ
)
−
f
(
z
(
τ
)
,
τ
)
|
d
τ
≤
L
∫
t
0
t
|
w
(
τ
)
|
d
τ
,
t
∈
[
t
0
,
t
0
+
h
]
{\displaystyle |w(t)|\leq \int _{t_{0}}^{t}\left|f(y(\tau ),\tau )-f(z(\tau ),\tau )\right|d\tau \leq L\int _{t_{0}}^{t}\left|w(\tau )\right|d\tau ,~~t\in [t_{0},t_{0}+h]\,}
Uma simples aplicação do lema de Gronwall nos permite concluir que
w
(
t
)
≡
0
{\displaystyle w(t)\equiv 0\,}
e, portanto,
y
(
t
)
≡
z
(
t
)
{\displaystyle y(t)\equiv z(t)\,}
como queríamos. A demonstração no intervalo
[
t
0
−
h
,
t
0
]
{\displaystyle [t_{0}-h,t_{0}]\,}
é perfeitamente análoga.
Como
f
{\displaystyle f\,}
é contínua em
[
y
0
−
a
,
y
0
+
a
]
×
[
t
0
−
b
,
t
0
+
b
]
{\displaystyle [y_{0}-a,y_{0}+a]\times [t_{0}-b,t_{0}+b]\,}
, existe uma constante
M
>
0
{\displaystyle M>0\,}
tal que:
|
f
(
x
,
t
)
|
≤
M
,
∀
(
x
,
t
)
∈
[
y
0
−
a
,
y
0
+
a
]
×
[
t
0
−
b
,
t
0
+
b
]
{\displaystyle |f(x,t)|\leq M,\forall (x,t)\in [y_{0}-a,y_{0}+a]\times [t_{0}-b,t_{0}+b]\,}
Fixe
h
>
0
{\displaystyle h>0\,}
tal que:
M
h
≤
a
{\displaystyle Mh\leq a\,}
Por simplicidade e sem perda de generalidade considere
y
0
=
0
{\displaystyle y_{0}=0\,}
. Defina as iterações de Picard:
y
0
(
t
)
=
y
0
{\displaystyle y_{0}(t)=y_{0}\,}
y
n
+
1
(
t
)
=
y
0
+
∫
0
t
f
(
y
n
(
τ
)
,
τ
)
d
τ
,
n
≥
0
{\displaystyle y_{n+1}(t)=y_{0}+\int _{0}^{t}f(y_{n}(\tau ),\tau )d\tau ,~~n\geq 0\,}
É fácil estabelecer por indução que:
|
y
n
(
t
)
−
y
0
|
≤
∫
0
|
t
|
|
f
(
y
n
−
1
(
τ
)
,
τ
)
|
d
τ
≤
M
t
≤
M
h
≤
a
{\displaystyle \left|y_{n}(t)-y_{0}\right|\leq \int _{0}^{|t|}\left|f(y_{n-1}(\tau ),\tau )\right|d\tau \leq Mt\leq Mh\leq a\,}
Isto garante que
y
n
∈
[
y
0
−
a
;
y
0
+
a
]
,
∀
n
=
1
,
2
,
3
,
…
{\displaystyle y_{n}\in [y_{0}-a;y_{0}+a],~~\forall n=1,2,3,\ldots \,}
Necessitamos estabelecer a seguinte estimativa por indução em
n
{\displaystyle n\,}
:
|
y
n
+
k
(
t
)
−
y
n
(
t
)
|
≤
M
L
n
|
t
|
n
n
!
{\displaystyle \left|y_{n+k}(t)-y_{n}(t)\right|\leq {\frac {ML^{n}|t|^{n}}{n!}}\,}
|
y
1
+
k
(
t
)
−
y
1
(
t
)
|
≤
∫
0
|
t
|
|
f
(
y
k
(
τ
)
,
τ
)
−
f
(
y
0
(
τ
)
,
τ
)
|
d
τ
{\displaystyle \left|y_{1+k}(t)-y_{1}(t)\right|\leq \int _{0}^{|t|}\left|f(y_{k}(\tau ),\tau )-f(y_{0}(\tau ),\tau )\right|d\tau \,}
|
y
1
+
k
(
t
)
−
y
1
(
t
)
|
≤
L
∫
0
|
t
|
|
y
k
(
τ
)
−
y
0
(
τ
)
|
d
τ
≤
M
L
|
t
|
{\displaystyle \left|y_{1+k}(t)-y_{1}(t)\right|\leq L\int _{0}^{|t|}\left|y_{k}(\tau )-y_{0}(\tau )\right|d\tau \leq ML|t|\,}
|
y
n
+
k
(
t
)
−
y
n
(
t
)
|
≤
∫
0
|
t
|
|
f
(
y
n
+
k
−
1
(
τ
)
,
τ
)
−
f
(
y
n
−
1
(
τ
)
,
τ
)
|
d
τ
{\displaystyle \left|y_{n+k}(t)-y_{n}(t)\right|\leq \int _{0}^{|t|}\left|f(y_{n+k-1}(\tau ),\tau )-f(y_{n-1}(\tau ),\tau )\right|d\tau \,}
|
y
n
+
k
(
t
)
−
y
n
(
t
)
|
≤
L
∫
0
|
t
|
|
y
n
+
k
−
1
(
τ
)
−
y
n
−
1
(
τ
)
|
d
τ
{\displaystyle \left|y_{n+k}(t)-y_{n}(t)\right|\leq L\int _{0}^{|t|}\left|y_{n+k-1}(\tau )-y_{n-1}(\tau )\right|d\tau \,}
|
y
n
+
k
(
t
)
−
y
n
(
t
)
|
≤
L
∫
0
|
t
|
M
L
n
−
1
|
t
|
n
−
1
(
n
−
1
)
!
d
τ
=
M
L
n
|
t
|
n
n
!
{\displaystyle \left|y_{n+k}(t)-y_{n}(t)\right|\leq L\int _{0}^{|t|}{\frac {ML^{n-1}|t|^{n-1}}{(n-1)!}}d\tau ={\frac {ML^{n}|t|^{n}}{n!}}\,}
Como
M
L
n
|
t
|
n
n
!
≤
M
L
n
h
n
n
!
→
0
,
n
→
∞
{\displaystyle {\frac {ML^{n}|t|^{n}}{n!}}\leq {\frac {ML^{n}h^{n}}{n!}}\to 0,~~n\to \infty \,}
, temos que as funções
y
n
(
t
)
{\displaystyle y_{n}(t)\,}
convergem uniformemente no intervalo
[
t
0
−
h
,
t
0
+
h
]
{\displaystyle [t_{0}-h,t_{0}+h]\,}
para uma função contínua
y
{\displaystyle y\,}
Tomando o limite em:
y
n
+
1
(
t
)
=
y
0
+
∫
0
t
f
(
y
n
(
τ
)
,
τ
)
d
τ
,
n
≥
0
{\displaystyle y_{n+1}(t)=y_{0}+\int _{0}^{t}f(y_{n}(\tau ),\tau )d\tau ,~~n\geq 0\,}
temos:
y
(
t
)
=
y
0
+
∫
0
t
f
(
y
(
τ
)
,
τ
)
d
τ
{\displaystyle y(t)=y_{0}+\int _{0}^{t}f(y(\tau ),\tau )d\tau \,}
Neste limite usamos que
f
(
y
n
(
τ
)
,
τ
)
→
f
(
y
(
τ
)
,
τ
)
{\displaystyle f(y_{n}(\tau ),\tau )\to f(y(\tau ),\tau )\,}
uniformemente, isto é consequência da continuidade uniforme que é válida para funções contínuas em conjuntos compactos .
Como
f
(
y
(
τ
)
,
τ
)
{\displaystyle f(y(\tau ),\tau )\,}
é contínua em
τ
{\displaystyle \tau \,}
, podemos aplicar o teorema fundamental do cálculo :
d
d
t
y
(
t
)
=
f
(
y
(
t
)
,
t
)
{\displaystyle {\frac {d}{dt}}y(t)=f(y(t),t)\,}
E o resultado segue.
Generalizações
editar
O teorema pode facilmente generalizado para espaços de Banach , onde o problema de valor inicial toma a seguinte forma:
Seja
f
(
x
,
t
)
:
V
×
[
t
0
−
b
,
t
0
+
b
]
→
X
{\displaystyle f(x,t):V\times [t_{0}-b,t_{0}+b]\to \mathbb {X} }
uma função contínua tal que:
‖
f
(
x
,
t
)
−
f
(
y
,
t
)
‖
≤
L
‖
x
−
y
‖
,
∀
x
,
y
,
t
∈
R
{\displaystyle \left\|f(x,t)-f(y,t)\right\|\leq L\|x-y\|,~~\forall x,y,t\in \mathbb {R} \,}
para algum
L
{\displaystyle L\,}
positivo. Onde
X
{\displaystyle \mathbb {X} \,}
é um espaço de Banach e
V
{\displaystyle V\,}
é uma aberto contido nele.
Então existe um número
h
{\displaystyle h\,}
positivo tal que o problema de valor inicial
d
d
t
y
(
t
)
=
f
(
y
(
t
)
,
t
)
y
(
t
0
)
=
y
0
∈
V
{\displaystyle {\begin{array}{ll}{\frac {d}{dt}}y(t)=f(y(t),t)\\y(t_{0})=y_{0}\in \mathbb {V} \end{array}}\,}
admite uma única solução no intervalo
t
∈
[
t
0
−
h
,
t
0
+
h
]
{\displaystyle t\in [t_{0}-h,t_{0}+h]\,}
.
A derivada
d
d
t
{\displaystyle {\frac {d}{dt}}\,}
deve ser entendida no sentido de Fréchet .
A demonstração se faz de forma perfeitamente análoga, definindo as iterações de Picard.
O teorema de Picard-Lindelöf estabele apenas existência local, ou seja, em torno de alguma vizinhança da condição inicial.
As condições do teorema são suficientes, porém não são necessárias.
Exemplos e contra-exemplos
editar
d
d
t
y
(
t
)
=
y
(
t
)
2
y
(
t
0
)
=
1
{\displaystyle {\begin{array}{ll}{\frac {d}{dt}}y(t)=y(t)^{2}\\y(t_{0})=1\end{array}}\,}
[ 2]
satisfaz as condições do teorema e, de fato, sua solução é dada por:
y
(
t
)
=
1
1
−
t
,
t
<
1
{\displaystyle y(t)={\frac {1}{1-t}},~~t<1~\,}
d
d
t
y
(
t
)
=
|
y
(
t
)
|
y
(
t
0
)
=
0
{\displaystyle {\begin{array}{ll}{\frac {d}{dt}}y(t)={\sqrt {|y(t)|}}\\y(t_{0})=0\end{array}}\,}
não satisfaz as condições do teorema, pois
f
{\displaystyle f\,}
não é lipschitziana na origem. Este problema admite, no entanto, soluções, embora não haja unicidade. Duas possíveis soluções são:
y
(
t
)
=
0
{\displaystyle y(t)=0\,}
y
(
t
)
=
t
2
4
{\displaystyle y(t)={\frac {t^{2}}{4}}\,}
Referências