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Mãe Preta
Joalpe/Testes
Autor Lucílio de Albuquerque
Data 1912
Técnica tinta a óleo, tela
Dimensões 180 centímetro x 130 centímetro
Localização Museu de Arte da Bahia

XX precisa rever introdução toda: usar como modelo Más Notícias

Mãe Preta é um quadro em óleo sobre tela de Lucílio de Albuquerque, de 1912. A obra retrata uma cena dramática: uma mulher negra, uma ama de leite, amamenta uma criança branca e observa, como se excluído, seu filho, um bebê negro, no chão.[1]

Foi indicado que o quadro representa uma cena de transição entre a escravidão e a inclusão subalterna das mulheres outrora escravizadas no Brasil.[2] A obra foi inicialmente associada ao eugenismo e, posteriormente, ressignificada como um símbolo abolicionista[3] e interpretada como uma crítica à condição das mulheres negras no Brasil.[4][5]

Foi inicialmente exposta no Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro e, por não ser uma pintura de acordo com as expectativas acadêmicas, --> isso talvez esteja errado foi recebido negativamente pela crítica à época de seu lançamento. O artista tentou inicialmente vender a obra ao Museu Nacional, mas a aquisição foi rejeitada em 1921 pelo diretor da instituição, Edgard Roquette-Pinto, por considerar que não tivesse valor etnográfico. Quatro anos depois, o quadro foi adquirido pelo Museu do Estado da Bahia, atualmente conhecido como Museu de Arte da Bahia.[3]

É provável que o quadro de Albuquerque tenha influenciado a obra Bahia, de Wilson Tibério, exposta em 1946.[3]

quadro dramático de cena materna

XX introdução está ruim: rever XX

Descrição editar

A pintura de Lucílio de Albuquerque apresenta uma ama de leite negra, sentada no chão, encostada em uma parede, enquanto amamenta uma criança alva e olha outro bebê, negro, deitado sobre o que parece ser um pano ou pele de animal.[6][7] A obra articula um triângulo visual: a mulher mantém em seu colo a criança a quem dá leite, enquanto o bebê negro, possivelmente seu filho, está no canto inferior da tela, observado de cima para baixo. A configuração do quadro acentua a exclusão desse bebê em relação a sua mãe, reforçada pela existência de uma coluna bem iluminada entre eles.[6]

A mulher foi descrita como sendo jovem, esguia e forte. Traja uma longa saia rodada e uma blusa, com decote;[6] não porta adornos na vestimenta ou nela. Está descalça, com o pé exposto em primeiro plano, um sinal de sua pobreza. O olhar da "mãe preta", como Albuquerque intitulou o quadro, foi considerado melancólico e apático,[7] mortificado. Seu rosto foi descrito como comum, com uma cicatriz que rasga sua face direita; tem cabelos curtos. As crianças vestem apenas uma camisa e parecem ter uma idade equivalente.[6]

O ambiente ocupa cerca de dois terços da pintura e está fundamentalmente vazio. Não há móveis ou decoração, contando apenas com assoalho e paredes; é sobre uma delas que a ama de leite se apoia enquanto amamenta. Há ao fundo o que parece ser uma porta.[6] O espaço não contém detalhes nem acabamento, pintado sem preocupação de contorno, e remete a uma situação de penúria. A grande dimensão do ambiente e a falta de elementos geram uma ambiguidade, pois o espaço tem impacto estrutural sobre a cena, como se a explicasse, e ao mesmo tempo realça a relação triangular que se estabelece entre as figuras retratadas.[7] A cena é iluminada por uma fonte externa, refletindo tons de terra, rosa, amarelo e branco.[6]

Contexto editar

 
Anchieta Escrevendo o Poema à Virgem, produzida por Lucílio de Albuquerque em 1906 e vencedora do Prêmio de Viagem da Escola de Belas Artes

--> rever este trecho

A obra de Lucílio de Albuquerque representa características fundamentais do contexto histórico na qual foi produzida. Na virada do século XIX para o século XX, o Brasil passou por um período de transição, com a abolição da escravidão e a consolidação do Sudeste, em especial São Paulo, como o principal polo econômico nacional.[7] A partir de 1888, a população negra outrora escravizada disputa novos espaços sociais, influenciando a representação artística.

XX expandir o que isso quer dizer XX expor o impacto da mudança do sudesteA produção de Mãe Preta ocorre após uma missão de Lucílio de Albuquerque a Paris. Em 1906, seu quadro Anchieta Escrevendo o Poema à Virgem foi reconhecido pela Escola de Belas Artes e, com isso, o pintor recebeu o Prêmio de Viagem, para que aprimorasse suas técnicas e entrasse em contato com a cena artística parisiense. Ele fez estágios formativos na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e na Académie Julian, onde teve uma produção com influência simbolista que lhe conferiu fama nos círculos da arte brasileiros. Em 1911, produz as obras Sono, Despertar de Ícaro e A República Brasileira guiada pela Ordem e Progresso, algumas de suas pinturas mais conhecidas.[7]

 
Despertar de Ícaro foi uma das obras de Lucílio de Albuquerque realizadas com influências a sua viagem a Paris no início do século XX

Foi também na Europa que Lucílio de Albuquerque estabeleceu uma relação próxima com o pintor afro-brasileiro Artur Timóteo da Costa, assim como ele vencedor do Prêmio de Viagem. Estabeleceu-se uma convivência entre eles no estúdio de Lucílio de Albuquerque, em Montparnasse, e, na literatura acadêmica, notou-se que há pontos em comum entre a produção de Artur Timóteo da Costa, que retratou diversas cenas ligadas à escravidão e abolição no Brasil com cunho crítico, e Mãe Preta.[7] Durante o século XIX e início do século seguinte, a função de ama de leite era comum entre mulheres negras escravizadas ou livres e teorias raciais de cunho higienista, como as propagadas pelo periódico A Mãi de Família, argumentavam sobre a influência negativa das amas escravizadas no leite oferecido às crianças brancas e promoviam o aleitamento materno como essencial para a transmissão de características consideradas desejáveis. O veículo enfatizava os perigos da influência da escravidão nos hábitos das famílias brancas e defendia a necessidade de monitorar e educar as amas de leite anteriormente escravizadas. É provável que, sob influência de Artur Timóteo da Costa, Lucílio de Albuquerque tenha buscado romper com a visão propagada por essas teorias raciais, centrada na perspectiva da elite branca, e representar a mulher negra a partir de sua condição, da vulnerabilidade social.[7]

 
Autorretrato, de Artur Timóteo da Costa, produzido em 1908

Não há documento ou testemunho conhecido da visão de Lucílio de Albuquerque sobre a escravidão e a abolição. Mas há um registros de que no período em que produz Mãe Preta buscava introduzir "grandes ideias" em suas obras. Ele disse à época: "fico mais satisfeito toda vez que realizo um quadro de ideia, que faz pensar". É possível que o pintor tivesse buscado expressar na obra de 1912 sua frustração com a evolução da República no Brasil, ainda incapaz de romper com as mazelas do período escravocrata.[6]

Lucílio de Albuquerque regressou da Europa ao Brasil em 1911[7] e promoveu em 28 de agosto do mesmo ano sua primeira exposição, com a pintora Georgina de Albuquerque,[8] com quem era casado. A exposição atraiu um grande público, inclusive autoridades políticas, e, no geral, teve uma repercussão positiva na imprensa.[9] Ele pintou Mãe Preta em 1912, em Icaraí, em Niterói.[6] No mesmo ano, apresentou esta e outras obras no Salão de Belas Artes, no Rio de Janeiro.[7]

Análise editar

intro

Mãe Preta foi considerada uma obra singular, tanto em relação à produção de Lucílio de Albuquerque quanto na representação de personagens negras na arte brasileira.[6] Nessa obra, o pintor afastou-se do impressionismo e do simbolismo, com as quais ele havia se alinhado especialmente por influência da tradição artística parisiense.[7]

estilo e ruptura formal

A representação da mulher em Mãe Preta indicou uma ruptura de Lucílio de Albuquerque às expectativas da Escola de Belas Artes. Havia desde o fim do século XIX um processo de ruptura na escola com a tradição acadêmica, com o qual o pintor se alinhou de certo modo, mas sua obra de 1912 foi além. A desacademicização estava no Brasil influenciada pelo positivismo e a representação de cenas críticas nacionais era desencorajada, entendida como fora da visão de progresso que a Escola de Belas Artes buscava à época promover. Não eram habituais nem valorizadas produções sobre o passado colonial, as mazelas da escravidão e a integração das populações escravizadas após a abolição. A obra de Lucílio de Albuquerque foi considerada singular, tanto em relação às pinturas habituais do período em que a produziu quanto à sua própria produção, em que normalmente não representou uma cena histórica ou social específica.[7]

Foi dito que Mãe Preta foi influenciada pelas técnicas do art nouveau e outras perspectivas modernas, que Lucílio de Albuquerque possivelmente descobriu em sua viagem à Europa.[7] Por exemplo, as vibrações de cor e o desenho sem nitidez foram associados à pintura impressionista.[6]

análise histórica

 
Mulata Quitandeira, de Antonio Ferrigno, tem uma temática próxima à de Mãe Preta, de Lucílio de Albuquerque

Uma dúvida que permeou a análise do quadro foi se este representa uma mulher escravizada durante o período escravocrata ou se a cena ocorre no pós-abolição, indicando a exclusão das mulheres negras, ainda exercendo funções típicas da escravidão, como a de ama de leite.[7] O mais provável é que seja uma representação pós-abolição, já que a trabalhadora está acompanhada não apenas da criança que amamenta mas possivelmente também de seu filho, o que não era normalmente permitido no período da escravidão.[6]

A cena ilustra a mudança na percepção das pessoas negras no Brasil por parte da intelectualidade branca, que busca representar e entender a situação social contraditória das pessoas libertas na virada do século XIX para o século seguinte. A contradição deve-se pelo fato de a liberdade garantida pela abolição não foi acompanhada de integração social e portanto estava desalinhada aos ideais de progresso preponderantes à época. De todo modo, é provável que Lucílio de Albuquerque tenha ele mesmo presenciado o trabalho de amas de leite e tenha portanto retratado uma cena com a qual tinha familiaridade.[7]

Nas últimas décadas do século XIX e início do século XX, artistas representaram a vulnerabilidade social de mulheres negras. É o caso de Antonio Ferrigno, com Mulata Quitandeira (c. 1893-1903), de Armando Viana, com Limpando Metais (1923), de Gustavo Giovanni Dall'Ara, com Tarefa Pesada (Favela) (1913), e de Modesto Brocos, com Engenho de Mandioca (1892). Como Mãe Preta, essas obras foram adquiridas pelo governo, após seu reconhecimento em exposições da Escola de Belas Artes. Também é notável que tenham sido produções singulares na trajetória dos artistas, não sendo em suas carreiras individuais uma linha temática recorrente sobre a representação da mulher negra.[7]


15.   Efetivamente, naquele início do século XX, Mãe Preta quebrou com a estética que até então apresentava a ama-de-leite na pintura, ao incluir (ou não excluir) o filho biológico na composição, e ao introduzir a nota de sofrimento, em contraste com a atmosfera de harmonia e bem-estar das representações anteriores.



análise imagética

A cena foi descrita como dramática e cruel. A triangulação visual que opera e a aparente exclusão da criança negra de sua mãe justificam a aparente tristeza no olhar da mulher. Os contrastes de luz no quadro, por um lado, reforçam sua dramaticidade, até lhe dando um caráter de denúncia, e, por outro lado, parecem homenagear a ama de leite, rodeada pela aura luminosa criada pela saia e iluminada por uma fonte externa de luz.[6]


--> por que a obra de Albuquerque é singular em relação às outras obras sobre mulheres negras

45.   No ensaio que denominou A forma difícil, o crítico e historiador de arte Rodrigo Naves aborda, entre outras questões, a dificuldade do artista francês Jean-Baptiste Debret em aplicar no Brasil a fórmula neoclássica, com seu ideário edificante. “Decididamente, a existência da escravidão impedia de vez qualquer tentativa de transpor com verdade a forma neoclássica para o Brasil,” conclui, perguntando: “Onde encontrar virtudes exemplares numa sociedade toda assentada no trabalho escravo, a não ser por meio de um inaceitável falseamento?” (NAVES, 1997, p. 71).

46.   Para efeito de comparação, observe-se, em relação à Mãe Preta de Lucílio, uma pintura do século XIX de autor desconhecido [Figura 7], integrante do acervo do Museu Imperial, localizado em Petrópolis (RJ). O pintor de Mucama com criança ao colo retratou-a com o filho do senhor numa cena idílica que transmite completude, harmonia e beleza, emoldurada por uma natureza exuberante.

47.   Durante muito tempo, se cogitou que a criança seria D. Pedro II. Em 1977 um esclarecimento formal foi encaminhado à direção do museu, para afastar equívocos. Trata-se de uma imagem da denominada “civilização do café fluminense”: a criança, Nhozinho (diminutivo de “senhor”, abreviatura de “senhorzinho”) é Luis Pereira de Carvalho e a mucama, Catarina, “lhe foi dada por sua madrinha, D. Maria Isabel de Jesus Vieira, mãe do Barão da Aliança.” Ambas as famílias, do afilhado e da madrinha, eram de fazendeiros de café na região de Valença, no Rio (MACHADO SOBRINHO, correspondência, 1977).

54.   Outro tipo de representação visual da mãe preta, este muito comum a partir da segunda metade do século XIX, foi as fotografias produzidas em estúdio [e.g., Figura 9]. De forma semelhante à tela da mucama, essas imagens igualmente ocultam os indícios de opressão e coisificação, romantizando essa modalidade de escravidão com a eliminação, ao máximo, de sinais de tensão ou inconformidade.  

Recepção e impacto editar

 
Retrato de Gonzaga Duque, de Eliseu Visconti, exposto no Salão de Belas Artes, de 1912

O quadro de Lucílio de Albuquerque foi exposto inicialmente no 19o Salão de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em setembro de 1912.[7] Participaram da comissão organizadora da exposição Corrêa Lima, Batista da Costa e Henrique Bernardelli.[10] Expuseram em torno de setenta artistas,[11] com destaque para Eliseu Visconti, que apresentou cinco obras, incluindo Retrato de Gonzaga Duque (1910) e Primavera (1912), celebrados pela crítica.[12] O salão também contou com pinturas de Georgina de Albuquerque, Adalberto Pinto de Matos, Artur Timóteo da Costa, Carlo De Servi, Fiuza Guimarães, Helios Seelinger, Modesto Brocos e Rodolfo Amoedo.[11][10] Foram premiados, entre outros, Francisco Pons Arnau (Medalha de Ouro) e Levino Fânzeres (Prêmio de Viagem).[11]

Lucílio de Albuquerque expôs diversas pinturas, incluindo algumas de técnica mais tradicional, como Despertar de Ícaro e Coquetterie, elogiadas pela crítica.[12] Na exposição, ele foi laureado com a Pequena Medalha de Ouro, também conferida a Rodolfo Chambelland.[11] Sobre Mãe Preta, o jornalista Bueno Amador disse:[nota 1]

Aí o assunto prestava-se para uma composição vigorosa, mas o artista alcançaria o seu fim se não apresentasse um ambiente fraco. Os modelos de que se utilizou e a disposição do trabalho não traduzem a beleza que o assunto poderia inspirar se fosse tratado com mais vigor. Lucílio de Albuquerque verá nestas linhas a franqueza aberta de quem deseja sempre o ver na vanguarda a produzir otimamente, pois que de tanto é ele capaz.
[12]

Uma crítica considerada de "rico valor histórico"[7] enfatiza a relevância do conteúdo do quadro, sem ater-se sobre questões estéticas. A importância desse texto é que reconhece a relevância social da ama de leite, por mais que não reconheça de maneira enfática a situação de opressão à qual estava submetida. O texto tem um teor de exaltação.[10] Diz essa crítica:

Lucílio de Albuquerque concorrerá com um seu novo trabalho, que se acha quase terminado. Mãe Preta é o título deste quadro. É um hino de gratidão à raça, que tantos serviços nos prestou, servindo-nos com carinho, criando com verdadeiro amor maternal os filhos daqueles que por uma desumanidade inaudita a colocaram sempre fora da lei, contra os próprios princípios da natureza.
[10]


16.   Quatro anos depois da estreia no Rio, Mãe Preta foi levada ao público de São Paulo em 1916, na exposição conjunta de Lucílio de Albuquerque e da pintora Georgina Albuquerque, sua mulher[2]. A Revista do Brasil, periódico paulista então dirigido por Monteiro Lobato, registrou, na resenha sobre pintura de março daquele ano, que a tela foi uma das duas mais apreciadas da exposição do casal, e vaticinou que “é um quadro de museu.” A obra mereceu o único registro visual da resenha, e rendeu elogios aos méritos do artista, com as impressões muito particulares do autor do texto:  

17.                                 Nesta scena, perfeitamente natural, quase um aspecto trivial da nossa vida, soube Lucilio pôr uma tal simplicidade de execução, “num quadro simbólico da dedicação da raça negra, na feliz evocação do tocante sacrifício das nossas “mamans-pretas”, cujo afeto materno conseguia dividir-se entre o filho do branco e a sua criatura. (REVISTA, 1916, p. 333-337).

18.   Em 1920, a tela aparece numa fotografia da família Albuquerque, sem moldura, fixada na parede do ateliê, na residência do casal no Rio de Janeiro [Figura 2]. Na imagem, Georgina está junto à filha mais velha e ao filho caçula, e à frente de Mãe Preta. Embora a artista e os filhos se posicionem sobre a parte inferior do quadro, a parte visível da tela na fotografia permite identificar nitidamente a cena da amamentação.

19.   A imagem foi a terceira de uma sequência de três fotografias produzidas por/para Moysés Nogueira da Silva, em que Georgina aparece com a família no ateliê, tendo ao fundo obras que evocam a maternidade, conforme registrado no estudo de Manuela Henrique Nogueira (2017, p. 153-160).

20.   Em abril de 1921, Lucílio obtém do Museu Nacional permissão para abrigar Mãe Preta na ampla sede da Quinta da Boa Vista. O acerto evoluiu para uma proposta de aquisição, conforme revela a correspondência particular do artista (PORTAL). O então diretor do museu, Bruno Lobo, responde ao “professor” - Lucílio era então catedrático na Escola Nacional de Belas Artes - transmitindo-lhe o parecer do então chefe da Seção de Antropologia e Etnografia, Roquette Pinto:

21.                                 Trata-se de um quadro digno de um Museu Historico, mas nenhum caracteristico anthropologico ou ethnographico accentuado possue, ao contrario de todos os que o Museu Nacional tem adquirido. Creio mesmo que o Museu lucraria mais encomendando, pelo mesmo preço, ao illustre pintor, uma ou mais, telas de caracter definitivamente anthropologico ou ethnographico referente a raça negra e sua influencia no Brasil. (MUSEU, 1921)

Ressignificação editar

A obra foi inicialmente entendida como reproduzindo o modelo dominante e depois foi incorporada como expressão da luta pelos direitos negros

Outras figuras de mãe preta

2.     Ao longo desses 110 anos, o quadro resistiu a deslocamentos geográficos, passou por restauração, ganhou uma cópia em pintura, inúmeras reproduções fotográficas em meios impressos e digitais, e gerou repercussões diversas que, no conjunto, atestam a sua capacidade de permanência e o seu poder de representação na vida brasileira dos séculos XX e XXI.

INCLUIR SELO

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Stamp_of_Brazil_-_1971_-_Colnect_187526_-_Slaves_emancipation_Law.jpeg

22.   Em 1924, seria a vez de o público baiano conhecer Mãe Preta, incluída por Lucílio e Georgina na seleção de 48 obras expostas na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, então funcionando numa ala do Palácio do Governo, na Praça Municipal, em Salvador. A exposição do casal, prestigiada pelo então governador Góes Calmon, entre outras personalidades, obteve ampla repercussão nos jornais locais, que saudaram particularmente a tela de 1912 entre os trabalhos “importantíssimos:” “Admirável tela, genuinamente nacional”, comentou o jornal A Tarde (27 set. 1924, p.1).[3]

23.   Na ocasião o governador adquiriu pessoalmente duas obras - Paysagem, de Georgina, e Velhas mangueiras, de Lucílio -, conforme registrado em A Tarde (30 set. 1924, p. 3). Na tabela de preços do catálogo da exposição [Figura 3a e Figura 3b], vê-se que, entre todos os quadros, Mãe Preta era o de valor mais elevado: 9:000$ em moeda da época (o mil réis, ou conto de réis).

24.   Não se sabe sobre os resultados financeiros da exposição, mas a biografia do pintor preparada para o Museu Lucílio de Albuquerque, que Georgina tentou viabilizar após a morte dele,[4] registra que do ponto de vista artístico a ida a Salvador foi exitosa: “O ano de 1924 foi fundamental em sua trajetória, pois sua estadia na Bahia, acompanhada de uma exposição, marcou uma transformação na sua técnica artística. A estadia neste local marca uma fase de evolução transformadora de sua arte e técnica de pintura.” (PORTAL)

25.   A nova fase do artista se traduziu na obra Rua da Bahia, exposta no Salão Internacional de Los Angeles (EUA) em 1926. Nesse ano, no Rio de Janeiro, o jornal A Notícia deflagrava uma campanha para a criação de um monumento à Mãe Preta, com o propósito de marcar a contribuição dos negros à sociedade brasileira e afirmar a ideia de fraternidade racial. A iniciativa, que repercutiu e conquistou apoios entre negros e brancos, utilizou a obra de Lucílio como ilustração (ALBERTO, 2017, p. 108 e 202).

26.   Três anos depois, em Salvador, Mãe Preta estaria no centro dos acontecimentos que marcaram a vida da cidade naquele 28 de setembro de 1929, quando foi instituído na Bahia o Dia da Mãe Preta, na data em que se completaram 58 anos da promulgação da Lei do Ventre Livre (Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871), que declarou livres os filhos de mulheres escravas nascidos no Brasil desde então.

27.   A programação foi ampla, se estendendo desde a madrugada, com alvorada de salva de tiros, até a tarde, com Te Deum na Catedral Basílica seguido de “romaria cívica.” Incluiu sermão, orquestra, hino, poesias e discursos, com a participação do então governador, Vital Soares, além de prefeito, secretários, vereadores, representantes do clero, de associações de classe, professores e alunos de escolas públicas.

28.   Especialmente para aquela ocasião, conforme noticiaram os jornais,[5] o pintor baiano Presciliano Silva produziu uma cópia do quadro de Lucílio [Figura 4]. Na véspera, a obra ficou exposta na loja Duas Américas, de onde foi transferida à noite para a catedral. No dia seguinte, após o ato religioso, foi conduzida à frente do cortejo cívico pelas ruas, ao lado de quadros retratando abolicionistas como Castro Alves, Visconde do Rio Branco, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco e a Princesa Isabel [Figura 5].

29.   O cortejo fez paradas na praça Castro Alves, para homenagens ao poeta abolicionista, e no Largo de São Pedro, junto à estátua do Barão do Rio Branco, para homenagens ao pai, o baiano José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco, autor da Lei do Ventre Livre. Daí seguiu até o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia - IGHB, onde o governo baiano fez a doação de Mãe Preta.[6] Supõe-se que, para aquele momento, não foi possível, por alguma razão, dispor da obra original de Lucílio. Apelou-se então ao recurso da cópia – prática não característica da produção de Presciliano Silva.

31.   O evento fora articulado por líderes negros ligados ao Centro Operário, tendo à frente Ascendino Bispo dos Anjos. Essas lideranças mantinham ligação com os intelectuais negros paulistas, que sustentavam uma ativa imprensa negra em São Paulo. Mais especificamente, eram ligados aos editores do jornal O Clarim d´Alvorada, que em 1928 haviam lançado na capital paulista a ideia do Dia da Mãe Preta, apelando a ativistas negros e à imprensa de todo o país para que aderissem àquela homenagem à raça negra, simbolizada na “figura amoravel e dolorosa da Mãe Preta.”

35.   Como registrado na pesquisa de Paulina L. Alberto (2011) sobre intelectuais negros brasileiros no século XX, a imagem da Mãe Preta passou a ser utilizada a partir da década de 1920 como símbolo da mãe de todos os brasileiros, para invocar a fraternidade racial, em oposição ao racismo e às ideologias de branqueamento, e para afirmar a contribuição negra num momento em que era expressiva a imigração de trabalhadores brancos europeus.

36.   As mobilizações se concentraram no Rio de Janeiro, que deflagrou a campanha por um Monumento à Mãe Preta em 1926, e em São Paulo, que propôs a criação de um feriado, o Dia da Mãe Preta, em 1928. Havia convergência de propósitos, porém com significativas diferenças de visão quanto às projeções do símbolo.

37.   No Rio, onde a população afrodescendente era bem maior que em São Paulo, a ação partiu de um jornalista branco, Cândido de Campos, editor de A Notícia, e trazia implícita um pacto: “Colocaria uma mulher negra no centro simbólico da nação brasileira, mas em troca desse ato de tolerância e generosidade os proponentes brancos da homenagem esperavam gratidão, perdão e conformidade dos negros.” O monumento, portanto, passaria a ser uma prova definitiva da ausência de preconceito: “Essa visão de fraternidade racial como fato consumado deixava pouco espaço para reclamações eficazes contra a discriminação” (ALBERTO, 2017, p. 114).

38.   Já em São Paulo, a mobilização partiu da própria imprensa negra, tendo à frente José Correia Leite, editor de O Clarim d´Alvorada. Vinculado desde a origem ao ativismo racial, o jornal estabeleceu as diferenças de visão em relação à proposta do Rio: comungava da ideia de fraternidade racial, porém inserindo a distinção racial e a alusão ao sofrimento do passado como reivindicação para inclusão na vida nacional.    

39.   O governo da Bahia adquiriu a obra Mãe Preta em 1925 (ano seguinte à exposição do casal em Salvador) conforme registrado na ficha catalográfica do Museu Lucílio de Albuquerque (MÃE PRETA, ver IMAGEM), que  informa também o valor (avaliação) atribuído então à obra: Cr$ 200:000,00, em moeda da época (o cruzeiro, o que indica ser o documento posterior a 1942). Em 1931, a obra original de Lucílio dava entrada no Museu de Arte da Bahia,[8] em cujo acervo se encontra até hoje. Ali foi restaurada em 1994.[9]

40.   Em 1971, quando se rememorou no país o centenário da promulgação da Lei do Ventre Livre, a Mãe Preta de Lucílio foi escolhida para ilustrar a homenagem prestada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT: um selo comemorativo da data, que passou a compor o acervo de filatelia brasileira dos Correios [Figura 6].

41.   Recentemente, a tela foi citada em duas publicações de universidades norte-americanas, em razão da presença no Dia da Mãe Preta de 1929 em Salvador: Terms of Inclusion - Black Intellectuals in Twentieth-Century Brazil, da historiadora Paulina L. Alberto, publicada em 2011 pela Universidade da Carolina do Norte (ALBERTO, 2011, p. 144)[10] e Progressive Mothers, Better Babies, da historiadora Ozeki T. Otovo, lançada em 2016 pela Universidade do Texas (OTOVO, 2016, p. 71).

Ver também editar

Notas

  1. Quando possível, seguiu-se a atualização ortográfica realizada por comentadores que compilaram as críticas na imprensa à obra de Lucílio de Albuquerque. Buscou-se a referência original e foi cotejada a atualização.

Referências

  1. Pereira, Suzana Alice Silva. «Mãe Preta, de Lucílio de Albuquerque: uma obra de arte, suas motivações e seu poder de representação». 19&20. Consultado em 29 de março de 2024 
  2. «O revide da mãe preta». Jornal da USP. 20 de junho de 2023. Consultado em 29 de março de 2024 
  3. a b c Pinheiro, Bruno. «Imagens da "Mãe Preta": modernismo brasileiro e cultura antirracista». Geledés 
  4. Bocchi, Aline Fernandes de Azevedo (2019). «Da senzala ao cárcere: corpo e maternidade às margens da história». Fragmentum (54): 135–157. ISSN 2179-2194. doi:10.5902/2179219438824. Consultado em 29 de março de 2024 
  5. «Um ensaio: A mulher negra na pintura brasileira no início do século xx - (2)». Hora do Povo. 20 de março de 2018. Consultado em 29 de março de 2024 
  6. a b c d e f g h i j k l Pereira 2021
  7. a b c d e f g h i j k l m n o p q Dume 2018
  8. Jornal do Brasil 1911a, p. 3
  9. Jornal do Brasil 1911b, p. 4
  10. a b c d A Noite 1912, p. 2
  11. a b c d Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira 2024
  12. a b c Jornal do Brasil 1912, p. 5

Bibliografia editar


Categoria:Pinturas de 1912