Usuário:Yleite/Acasalamento preferencial

Acasalamento preferencial toma lugar quando organismos sexualmente reprodutores tendem a acasalar com indivíduos que são semelhantes a si próprios em algum aspecto (acasalamento preferencial positivo) ou diferentes (acasalamento preferencial negativo). Mas essas características (semelhantes ou não) nem sempre surgem da preferência individual para se acasalar com outro individuo de fenótipo similar (ou não), o acasalamento preferencial pode surgir de diversos fatores que não a escolha de parceiros. Independente de sua causa, o acasalamento preferencial gera conseqüências evolutivas para o fenótipo, através do desvio das frequências genotípicas de Hardy-Weinberg.

Acasalamento Preferencial X Endogamia

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A endogamia nada mais é que o acasalamento entre parentes biológicos. Diz-se por parentes biológicos indivíduos que, entre os ancestrais de um, existe um ou mais ancestrais do outro. Tanto o acasalamento preferencial quanto a endogamia aumentam a homozigosidade e ambos podem ser medidos por f, que é o “coeficiente de endogamia” responsável por medir os desvios das frequências genotípicas de Hardy-Weinberg. Ao considerarmos um modelo simples de um lócus autossômico com dois alelos (A e a) e que entre estes exista uma relação de 1genótipo: 1 fenótipo distintos, se os indivíduos se acasalarem com outros indivíduos de mesmo fenótipo, a freqüência de heterozigotos vai ser reduzida a metade a cada geração. Logo, devido a essa redução genotípica a cada geração, a população gradualmente alcança um equilíbrio genotípico no qual é completamente homozigota.

Além disso, o acasalamento preferencial mimetiza os efeitos da endogamia no que diz respeito ao aumento das freqüências fenotípicas de caracteres recessivos. Considere o fenótipo de surdez profunda precoce em humanos, que pode ser causada por doença, acidentes ou genes, sendo que estes últimos são responsáveis por 50% dos casos [1]. Para isso é necessário que os alelos para qualquer um dos cerca de 35 loci diferentes, sejam homozigotos recessivos [2]. Porém, a freqüência desses alelos é muito baixa. Sob acasalamentos ao acaso, é de se esperar que 1 em cada 10.000 nascimentos produzisse uma criança surda devido a homozigosidade do alelo. Mas a incidência real é de 3 a 5 em 10.000 nascimentos. Isso ocorre pois há um forte acasalamento preferencial para a surdez, com taxa de preferência fenotípica acima de 80% nos EUA, 92% na Inglaterra e 94% na Irlanda do Norte. As crianças com a surdez precoce estudam em escolas especiais, onde criam um vinculo com outras crianças surdas. Esse vinculo se perpetua, pois essas crianças se comunicam melhor entre si. Como resultado, existe uma forte tendência de casarem entre si, o que, por sua vez, aumenta a freqüência do homozigoto recessivo causador da surdez além do esperado nos acasalamentos ao acaso.

Uma das diferenças críticas entre esses dois sistemas de acasalamento não aleatório é que o acasalamento preferencial por si só é uma poderosa força microevolutiva em sistemas multiloci, criando um desequilíbrio de ligação entre alelos que têm efeitos fenotípicos similares. Já a endogamia não é uma força evolutiva para um lócus único, sendo que a forma mais extrema é um modelo de 2 loci, ou seja, através da autofecundação completa. Mesmo assim, essa forma extrema de endogamia não é uma força evolutiva por si só. Com 100% de acasalamento preferencial iria criar desequilíbrio de ligação, porém nenhum desequilíbrio é criado com 100% de autofecundação [3]. Além disso, o acasalamento preferencial pode criar ou manter o desequilíbrio de ligação, fazendo com que gametas tenham em loci diferentes alelos com efeitos fenotípicos similares. E é esse desequilíbrio de ligação que leva às mudanças evolutivas.

Acasalamento Preferencial Positivo

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No acasalamento preferencial positivo indivíduos com fenótipo parecido tem maior probabilidade de se acasalar do que o esperado nos acasalamentos aleatórios. Embora o acasalamento preferencial possa acontecer devido às preferências individuais, também pode ocorrer através de fatores que não sejam a escolha de parceiros. Os insetos do gênero Enchenopa [4] podem se alimentar de vários tipos de plantas hospedeiras, porém só se reproduzem com os insetos que habitam a mesma planta. O que gerou uma dúvida: será que estes insetos preferem se reproduzir com parceiros que se desenvolvem na mesma planta? A resposta a essa pergunta foi surpreendente: não. Descobriu-se que a planta hospedeira era responsável pela maturidade dos insetos, ou seja, machos e fêmeas que se desenvolvem na mesma planta se tornam maduros no mesmo período. As fêmeas desse gênero possuem um curto período de tempo para se acasalarem após a maturidade, já os machos morrem logo após estarem maduros. Logo, a maioria dos indivíduos que estão aptos ao acasalamento em qualquer época se alimentaram da mesma planta. Com isso, percebeu-se que os insetos não escolhiam os parceiros por eles se alimentarem da mesma planta hospedeira, mas por serem os únicos parceiros ativos no momento. Nesse caso, o acasalamento preferencial não foi em relação a nenhuma preferência individual, mas através da planta hospedeira que definiu esse acasalamento, influenciando no tempo da maturidade sexual.

Um exemplo de acasalamento preferencial positivo na espécie humana é o caso de anões. A taxa com que anões acasalam com pessoas de mesmo fenótipo é muito alta, além do esperado. A acondroplasia é a forma mais comum do nanismo, sendo causada por um gene autossômico dominante. Apesar da freqüência desse gene ser baixa, pode ser que aconteça através de mutações esporádicas em 75% dos casos, daí pais normais podem ter um filho portador do nanismo. Normalmente, anões tendem a se relacionar com o mesmo fenótipo, o que aumenta em 50% a probabilidade do filho nascer com a mesma doença, em 25% do filho nascer com uma acondroplasia homozigótica letal e 25% do filho nascer ‘normal’. Já anões que se relacionam com pessoas que não sejam portadoras do alelo do nanismo, tem 50% de chance do filho ter a doença. Além disso, podemos citar que pessoas que possuem um Q.I elevado tendem a se cruzar com indivíduos com o QI também elevado. Já se tem provas de que o quociente de inteligência possui padrões hereditários, visto que gêmeos idênticos (ou seja, com genótipos idênticos) criados sob mesma influencia possuem QI muito parecido. O contrário também acontece, ou seja, pessoas com menor QI tendem a se relacionar com outros de mesmo fenótipo. Por fim, podemos citar a altura como sendo um outro exemplo de acasalamento preferencial positivo.

O melhoramento genético animal pode ser entendido como um conjunto de processos seletivos e de direcionamento dos acasalamentos cujo objetivo é aumentar a freqüência dos genes de efeitos desejáveis ou das combinações genéticas boas em uma população. Desta forma, com a finalidade de aperfeiçoar a capacidade de produção dos animais que apresentam interesse econômico para o homem em um dado ambiente. Para atingir tal finalidade, o homem dispõe de duas ferramentas básicas: a seleção de progenitores e os métodos de acasalamento [5].

Dentre esses métodos, inclui-se o acasalamento preferencial. O exemplo mais simples e de fácil visualização é em touros e vacas, afim de aumentar a quantidade de animais com genótipo extremo superior. Esse alto padrão dos animais é muito importante nos dias de hoje, onde as pessoas tem uma maior qualidade e fiscalização do que estão consumindo. Essa técnica nada mais é que a escolha de vacas e touros superiores e seu cruzamento dirigido, a fim de aumentar a produção de animais de certo genótipo e de reduzir a variabilidade da progênie. A estratégia, contudo, também aumenta a probabilidade de produção de animais extremos inferiores e a variabilidade da progênie, aumentando a proporção de fêmeas geneticamente inferiores para reposição e reduzindo a uniformidade entre os animais destinados ao abate [6] . Esses programas visam, por exemplo, a maior produção de leite por vacas leiteiras, e ainda maior produção de carne em gados de corte. Pode ainda ser utilizado em cavalos, carneiros, e todo o tipo de animal.


Acasalamento Preferencial Negativo

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Diz-se que no acasalamento preferencial negativo os indivíduos tendem a se relacionar com outros de fenótipo diferente. Isso significa que existe uma correlação negativa entre os fenótipos de indivíduos que se acasalam [7]. Ao contrário do acasalamento preferencial positivo, o negativo resulta em populações onde os alelos intermediários ficam em equilíbrio. A razão para essa estabilidade intermediária é que qualquer individuo com um fenótipo raro terá inerente vantagem no acasalamento preferencial por diferentes: quão mais raro você for, mais outros indivíduos terão fenótipos dissimilares aos seus e, portanto, “preferi-lo-ão” como parceiro [7] A referida palavra está entre aspas pois, assim como o acasalamento preferencial positivo, nem sempre a escolha do acasalamento é do parceiro. Por exemplo, algumas plantas possuem acasalamento preferencial por diferentes para loci de autoesterelidade gametofítico (loci S)[8]. Nesse caso, o grão de pólen de certo alelo para esse loci, só terá sucesso ao fertilizar um óvulo de uma planta que tenha um alelo diferente. Ou seja, vai resultar em um forte acasalamento preferencial negativo nos loci S.

Como fenótipos raros tem tal vantagem no acasalamento preferencial por diferentes, novas mutações associadas com fenótipos novos tem uma tendência a aumentar de frequência [7]. Devido a isso, loci relacionados a esse tipo de acasalamento tendem a ser polimórficos. Um exemplo relacionado a isso é a de uma espécie rara de planta (Oenothera organensis) que tem 45 alelos em um locus de autoesterelidade, sendo que o tamanho da sua população é de 500 a 1000 indivíduos [9]. Análises moleculares dos alelos S mostraram que eles permaneceram como polimorfismos durante milhões de anos, mesmo através de eventos de especiação [8][10]; .

Um exemplo muito importante de acasalamento preferencial por diferentes em humanos (também acontece em camundongos) é o do MHC – Complexo de Histocompatibilidade Principal. Nesse complexo, a variação genética induz a mudanças no odor, tendo um função extremamente importante no sistema imunológico, agindo no reconhecimento de antígenos, responsáveis pela resistência a algumas doenças. Os genes do MHC são altamente polimórficos, essa extrema variabilidade pode ser devido à vantagem heterozigota, a corrida armamentista hospedeiropatógeno e a seleção sexual por indivíduos com alelos do MHC dissimilares entre si [11].

O experimento que comprova esse acasalamento foi simples: diversos universitários usaram a mesma camisa durante dois dias. Foi então pedido que as universitárias cheirassem essas camisetas e as ordenassem da forma que preferissem. As camisetas com cheiro mais agradável pertenciam aos universitários que possuíam alelos mais diferentes no MHC, taxa maior do que se esperaria caso a escolha fosse ao acaso. Além disso, as universitárias escolhiam as camisetas com odores mais parecidos com dos seus namorados ou maridos. Isso mostrou que tanto homens quanto mulheres preferem parceiros com MHC mais diferente do que o próprio. Outro fato importante acerca do MHC é que alguns de seus alelos (loci MHC-DRB) tem persistido como linhagens alélicas distintas desde o tempo da divergência entre macacos do velho mundo e grandes primatas (há mais de 35 milhões de anos) [12]. Isto pode representar que quando se é heterozigoto para dois alelos em um locos do MHC um alelo paterno pode ser mais próximo evolutivamente de um alelo de uma macaca-de-rabo-de-porco (Macaca nemestrina – um tipo de macaco do velho mundo) do que do outro alelo paterno. Isso implica que o acasalamento preferencial negativo é uma poderosa força evolutiva em um locus único, tendendo a manter os polimorfismos.

Como dito, o acasalamento preferencial por diferentes causa um excesso da produção de heterozigotos, ou seja, dos intermediários. Nesse sentido, pode-se confundir com a fuga da endogamia, onde a frequência alélica também tende a ser menor que zero, o que significa maior frequência de heterozigotos. Porém o acasalamento preferencial por diferentes é específico para um locus e não tem impacto geral em todos os loci como tem a fuga da endogamia [7]. Utilizando-se deste princípio, algumas técnicas de melhoramento genético visam esses intermediários (heterozigotos), pois assim a gama de animais diferentes aumenta proporcionando maior variabilidade genética. Um caso comum de acasalamento preferencial por diferentes na espécie humana é o dos ruivos. Normalmente, tanto homens quanto mulheres ruivos preferem parceiros que não tem o mesmo fenótipo. Quantos casais ruivos você conhece? Provavelmente nenhum, pois homens ou mulheres ruivos nunca querem se acasalar com outro de mesmo jeito. Por isso, os alelos vão se perdendo, e é cada vez mais difícil encontrar uma pessoa ruiva pelas ruas.

Acasalamento Preferencial Positivo X Negativo

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Como dito anteriormente, o acasalamento preferencial positivo tende a extremos, enquanto o positivo tende aos intermediários. Outra diferença é que o acasalamento preferencial positivo causa um enorme desequilíbrio de ligação, porém no acasalamento por diferentes não acontece o mesmo. Como dito, esse tipo de acasalamento não aleatório tende a agrupar no mesmo gameta alelos com efeitos fenotípicos diferentes, o que não é suficiente para gerar e manter um desequilíbrio de ligação. Além disso, um fator que quebra o desequilíbrio de ligação é a frequência de duplos-heterozigotos, e no acasalamento preferencial negativo o excesso de heterozigotos irá acentuar essa efetividade da recombinação.

No acasalamento preferencial por diferentes, os indivíduos tendem a se acasalar com dissimilares não existindo a possibilidade de se dividir uma população em subdivisões genéticas ou fenotípicas que sejam reprodutivamente isoladas. Já no acasalamento preferencial por iguais pode existir a divisão em subpopulações geneticamente isoladas por criar o desequilíbrio de ligação.

O acasalamento preferencial por iguais pode levar a persistência de diferenças genéticas entre as populações historicamente diferenciadas, muito tempo após o contato ter sido estabelecido entre eles. Já o acasalamento preferencial por diferentes destrói diferenças genéticas entre as subpopulações históricas que entrem em contato e que se acasalem procurando por opostos, mesmo para características não genéticas [7]. Por exemplo, os índios Makiritare e os Yanomami viviam juntos na América do Sul antes de 1875, mas não se intercruzavam muito [13]. Como consequência disso, a maioria das vilas das duas tribos tem grandes diferenças. Isso é resultado do fato de que alguns alelos presentes em índios Makiritare não existem nem no pool gênico dos Yanomami. Isso só começou a mudar, quando os Makiritare fizeram contato com os brancos, e assim entraram no interior, onde era território Yanomami. Só a partir dai que eles começaram a intercruzar. Hoje em dia, a tribo Yanomami de Borabuk é idêntica geneticamente a dos Makiritare, embora culturalmente ainda sejam Yanomamis [13].



Referências

  1. Cavalli-Sforza, L. L., Bodmer, W. F (1971). The Genetics of Human Populations. San Francisco,W. H. Freeman and Company
  2. Marazita, M. L., Ploughman, L. M, e cols (1993). Genetic Epidemological Studies of Earlyonset Deafness in the US School-age Population. American Jornal of Medical Genetics
  3. Karlin, S (1969). Equilibrium Behavior of Population Genetic Models with Non-Random Mating. New York, Gordon and Breach Science Publishers
  4. Wood, T. K., Keese, M. C (1990). Host-plant-induced assortative mating in Enchenopa treehoppers. Evolution
  5. Facó, O., Villela, L.C.V (2005). Conceitos Fundamentais do Melhoramento Genético Animal. Campos, A.C.N (Org). Do Campus para o Campo: tecnologias para produção de Ovinos e Caprinos. Fortaleza
  6. Neves, H. H de Rezende., Carvalheiro. R, e cols (2009). Acasalamento Dirigido para Aumentar a Produção de Animais Geneticamente Superiores e Reduzir a Variabilidade da Progênie em Bovinos. Revista Brasileira de Zootecnia
  7. a b c d e Templeton, A. R (2011). Genética de Populações e Teoria Microevolutiva. Ribeirão Preto, Sociedade Brasileira de Genética
  8. a b Vekemans, X., Slatkin, M (1994). Gene and Allelic Genealogies at a Gametophytic Self-incompatibility Locus. Genetics
  9. Wright, S (1969). Evolution and the Genetics of Population, Volume 2: The Theory of Gene Frequencies. Chicago, University of Chicago Press
  10. Ioerger, T.R., Clark, A.G., e cols (1991). Polymorphism at the Self-incompatibility Locus in Solonaceae Predates Speciation. USA, Proceedings of the National Academy os Sciences
  11. Bandeira, C. B (2011). Conectando os Sinais Químicos ao Sistema Imune: Uma Revisão Bibliográfica. Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  12. Zhu, Z., Vineck, V. e cols (1991). MHC-DRB genes of the Pigtail Macaque (Macaca nemestrina): Implications for the Evolution of Human DRB genes. Molecular Biology and Evolution
  13. a b Chagnon, N. A., Neel, J.V. e cols (1970). The Influence of Cultural Factors on the Demography and Pattern of Gene Flow from the Makiritare to the Yanomama Indians. American Journal of Physical Antropology.