Usuário:Yleite/Evolução de organismos multicelulares

A evolução de organismos multicelulares foi uma importante inovação na história da vida e representa o aparecimento de organismos que além de serem constituídos por mais de uma célula apresentam diferenciação celular [1]. Estes organismos desenvolvem-se por meio da diferenciação do zigoto que leva ao surgimento dos muitos tipos celulares do indivíduo adulto. Enquanto o zigoto é uma célula muito simples ,as células que sofrem diferenciação se modificam,adquirindo novas características que as tornam especializadas. Essa especialização pode ser, por exemplo, a síntese de alguma substância específica como o suor produzido pelas glândulas sudoríparas ou a insulina produzida pelo pâncreas ou também pode ser uma modificação estrutural como as células musculares que são alongadas e com capacidade de contração e as células nervosas que apresentam longas ramificações que permitem a transmissão do impulso nervoso.[2]

Os primeiros organismos que existiram eram unicelulares. O modo como estes se tornaram multicelulares é um grande passo evolutivo e existe consequentemente um grande debate sobre isso. Ao contrário de outros grandes passos na evolução, julga-se que a multicelularidade terá surgido várias vezes independentemente umas das outras - plantas, animais e fungos tiveram vias evolutivas independentes, e vários outros clados evoluíram multicelularidade.

A multicelularidade atingiu um alto grau de complexidade nos animais e nas plantas.


Todos os animais e plantas existentes são constituídos por um grande número de células que funcionam de modo integrado no organismo. Nos seres humanos há trilhões de células enquanto em alguns vermes há algumas centenas. Em alguns fungos e em certos representantes do reino protista, também se pode observar a multicelularidade. Entretanto, as bactérias e os protozoários e algumas algas possuem apenas uma célula. Em determinados casos, não é possível estabelecer claramente a fronteira entre a unicelularidade e multicelularidade, como é o caso que ocorre em algumas espécies do gênero Volvox, em que as células se agrupam formando colônias celulares. Nestas colônias há células que são responsáveis pela locomoção enquanto outras ficam encarregadas pela reprodução. Embora unidas, as células pertencentes a estas colônias ainda se comportam como se estivessem isoladas. Uma característica da multicelularidade é a necessidade de uma célula estar funcionando em associação com as demais células que compõe um indivíduo de modo que há certo grau de interdependência entre estas para que haja um bom desempenho do organismo como um todo. Colônias celulares não são consideradas seres multicelulares uma vez que não apresentam esta interdependência, todavia, esses organismos sugerem como podem ter sidos os primeiros estágios para a evolução da multicelularidade.[3]

A multicelularidade atingiu um alto grau de complexidade nas plantas e nos animais, em que as células se associam para formar tecidos altamente especializados e que funcionam de forma integrada.[3]Por exemplo, as hemácias são células presentes no tecido sanguíneo de muitos animais e são responsáveis pelo transporte de gás carbônico (CO2) e de oxigênio (O2). O O2 é necessário para todos os tecidos corporais para a produção de energia sob a forma de ATP (trifosfato de adenosina) por meio do metabolismo aeróbico. O tecido muscular estriado cardíaco, que forma as paredes do coração, é um dos tecidos que necessita do O2 transportado pelas hemácias para produzir ATP e realizar a contração do miocárdio. Os batimentos cardíacos, por sua vez, promovem o movimento do sangue e consequentemente das hemácias nele contidas, ou seja, as fibras musculares do coração dependem do oxigênio trazido pelas hemácias para se contraírem enquanto as hemácias dependem da contração da musculatura cardíaca para executarem sua função de transporte. Portanto em um indivíduo multicelular todas as funções de seus tecidos estão interconectadas.

O fato de a grande maioria dos organismos eucariotos atuais serem multicelulares não deixa dúvidas de que a estratégia multicelular foi bem sucedida [3]. A existência destes organismos traz algumas questões como, por exemplo, quem foram os primeiros multicelulares? Por que eles apareceram? Quais são suas vantagens em relação aos seres unicelulares? Como o surgimento destes organismos influenciou na evolução da vida?

Primórdios da estratégia multicelular editar

 
Cyclomedusa radiata. Vestígio multicelular do período edicarano

Os primeiros seres vivos a surgirem na Terra deviam ser muitos simples, constituídos por uma única célula com organização procariótica.[3]Compreender a evolução dos indivíduos multicelulares complexos a partir de ancestraisunicelulares tem sido extremamente desafiador uma vez que os primeiros passos deste processo ocorreram em um passado bem remoto.[4]De acordo com o relógio moleculara vida multicelular surgiu há cerca de 1,5 bilhão de anos. Os fósseis mais antigos de animais verdadeiramente multicelulares datam do período de 670 a 550 milhões de anos um pouco antes da explosão pré cambriana, no período edicarano.[1] Ediacara se refere a uma região da Austrália onde foram encontrados os fósseis mais antigos de animais, sendo que os achados fósseis desta região representam um dos mais importantes registros fósseis do mundo. [5]A fauna ediacara era caracterizada por apresentar organismos aquáticos desprovidos de partes duras, como conchas ou placas mineralizadas, de modo que fósseis como o Charnodiscus arboreus, um cnidário colonial e Cyclomedusa radiata, uma medusa, foram encontrados sob a forma de impressões em rochas, fato este que torna mais difícil o estudo morfológico destes metazoários mais basais. Outros fósseis de animais e plantas aquáticos multicelulares desse mesmo período também foram encontrados na China. Esta fauna apresenta uma extrema importância devido ao fato de ser o único vestígio de formas de vida multicelulares anteriores a explosão cambriana. O documentário fóssil de plantas e animais multicelulares só teve início efetivo no período cambriano que se iniciou há cerca de 540 milhões de anos.[1]

A ausência de estruturas rígidas nos primórdios da estratégia multicelular dificulta a fossilização sendo que o estudo deste passo evolutivo é baseado em organismos que vivem atualmente e que podem fornecer pistas sobre a origem da multicelularidade. Um dos organismos que são constantemente utilizados para tentar entender a transição da unicelularidade para a multicelularidade é alga colonial Volvox sp. Outro exemplo utilizado são os protozoários coanoflagelados.[3]

Volvox sp editar

A alga colonial Volvox sp pertence ao filo Chlorophyta e habita ambientes de água doce. Uma colônia dessa alga pode chegar a conter mais de mil células posicionadas lado a lado formando uma estrutura semelhante a uma esfera oca. Mas por que usar Volvox sp ? As células dessa colônia possuem certo grau de especialização e executam funções distintas. Dois tipos de células podem ser encontrados em uma colônia adulta: células reprodutivas e células somáticas. As células reprodutivas ficam encarregadas por gerar novas células para a colônia enquanto as células somáticas são dotadas de dois flagelos que são responsáveis por dar mobilidade à colônia. A embriogênese de Volvox foi estudada principalmente na espécie Volvox carteri que possui estes dois tipos de células em seu estado maduro. As células somáticas,que conferem mobilidade para a colônia, têm uma taxa de divisão superior as células reprodutivas e eventualmente entram em um processo de morte celular depois de cumprir a sua função de apoio e mobilidade.[3]

 
Volvox sp apresenta divisão de trabalho entre as células da colônia

As algas volvocine incluem tanto os organismos unicelulares e pluricelulares que estão intimamente relacionados. Chlamydomonas são organismos unicelulares, com dois flagelos apicais que são utilizados para a transdução sensorial e para o movimento no ambiente aquático. Estes seres unicelulares nem sempre apresentam estes flagelos sendo que corre uma reabsorção destas estruturas durante preparação para divisão celular, de modo que o ciclo de vida de Chlamydomonas é constituído pela alternância entre uma fase móvel a qual as células crescem e uma fase reprodutiva em que há ausência do flagelo. Quando as células de Chlamydomonas se dividem elas utilizam o que é chamado de modo fissão múltiplo de divisão a qual há a produção de quatro, oito ou dezesseis células-filhas. Em Volvox, estas duas funções, natação e reprodução, foram agrupadas em tipos de células distintas.[6] As células somáticas são pequenas, têm dois flagelos e permanecem em uma monocamada na superfície de uma esfera de matriz extracelular gelatinosa ( ECM). Seu trabalho é nadar para manter Volvox à luz para que possa ser realizada fotossíntese. As células somáticas não podem se dividir e esta distinção é muito importante uma a vez que Volvox tem multicelularidade com a divisão do trabalho , porque suas células somáticas perderam a capacidade de reprodução . A reprodução é realizada por um segundo tipo de células especializadas que apresentam tamanho grande e não possuem flagelos, então eles não podem nadar e, portanto, devem contar com células somáticas para a motilidade . Alguns cientistas acreditam que a segregação de funções somáticas como a natação e reprodução em tipos de células distintas foi um dos primeiros passos importantes na evolução de organismos multicelulares.[6]

Choanoflagellata editar

A origem dos animais representa uma das transições cruciais da história da vida e um de seus maiores mistérios não resolvidos. Enquanto o registro fóssil dificulta o entendimento sobre ascensão da multicelularidade, as bases genéticas e de desenvolvimento de origem animal pode ser deduzida a partir de elementos comuns entre os animais existentes e os seus familiares, os protozoários coanoflagelados.[7]

 
Colônia de Choanolagellates

Os coanoflagelados são um grupo de pequenos eucariontes unicelulares que possuem uma morfologia bem distintiva: um corpo celular ovalado, ou mais para o esférico, que varia entre 3 e 10 um de diâmetro, possuindo um único flagelo apical, cuja base é rodeada por uma franja de algumas dezenas de microvilosidades . Essas células caracterizam-se por apresentar um funil membranosos ao redor do flagelo daí o nome coanócito pois coano significa funil.[3]Porém, o fato sobre os coanoflagelados que mais chama a atenção é o parentesco destes organismos com os animais sendo considerado por muitos pesquisadores, em função de estudos filogenéticos, o grupo de eucariontes unicelulares mais próximo aos animais (‘grupo irmão’), o que o coloca em uma posição de interesse para os biólogos evolutivos especialmente aqueles interessados em compreender as origens evolutivas da multicelularidade.[7] Os mecanismos pelos quais coanoflagelados formam colônias podem fornecer informações cruciais para a transição para a multicelularidade, mas pouco se sabe sobre sua biologia ou história natural. O coanoflagelado Salpingoeca rosetta forma colônia por meio de um processo de citocinese incompleto ao invés de agregação de células. Além disso, as células vizinhas em estão conectadas através de finas pontes intercelulares que podem permitir a partilha direta de moléculas pequenas. Essa capacidade de formar colônia não por simples agregação mas pela não separação das células ao se dividirem é um aspecto importante dos coanoflagelados pois este é um processo semelhante que ocorre em animais plantas e fungos.[7]

Vantagens da multicelularidade editar

 
Multicelularidade permite a existência de animais de grande porte como a Panthera tigris

A enorme quantidade de representantes multicelulares viventes atualmente evidencia claramente que o nível de complexidade atingido por estes organismos é bastante vantajoso. A associação de células permite a divisão de tarefas e funções. Nos indivíduos unicelulares, uma mesma célula é responsável por realizar todas as funções essenciais para manter-se viva, como captura do alimento ou fabricação deste, digestão, excreção e percepção do meio. Nos seres multicelulares há a possibilidade de divisão destas tarefas de modo que cada célula é especializada em executar determinada função, como, por exemplo, nos animais a percepção do ambiente é feita por célula do tecido nervoso enquanto a excreção é realizada por células renais. Esta divisão de tarefas resulta no aumento da eficiência do funcionamento do organismo.[3]

Outra vantagem proporcionada pela multicelularidade é a possibilidade de existir formas de vida com dimensões maiores.Todas as formas de vida unicelulares apresentam um tamanho extremamente pequeno em consequência da razão entre superfície e volume necessária para manter a eficiência das trocas com o meio. A medida que o tamanho da célula aumenta há uma expansão do volume celular. Uma célula maior requer o aumento de trocas de matéria com o meio o que resulta em uma taxa metabólica mais alta para suprir a demanda energética do indivíduo. No entanto, o aumento do volume não corresponde ao aumento da membrana plasmática. Então , a célula apresentaria um volume grande porém com uma superfície de contato com o meio pequena e insuficiente para manter seu funcionamento. Um organismo formado por mais de uma célula pode ter um aumento de tamanho sem comprometer a superfície de contato das células com o exterior. [8] A multicelularidade também permitiu a existência de uma grande diversidade de formas e de funcionalidades possibilitando a adaptação a diferentes meios ambientes além de propiciar uma maior independência em relação ao meio externo uma vez que as células são especializadas e garantem o equilíbrio do meio interno.[3]

Multicelularidade experimental editar

Visando buscar respostas para explicar como ocorreu o surgimento da vida multicelular, os cientistas frequentemente realizam experimentos em laboratórios a partir da utilização de organismos unicelulares na tentativa de simular como este processo aconteceu. Alguns destes experimentos obtiveram resultados importantes e fornecem indícios de como pode ter ocorrido e o motivo pelo qual se deu esta transição entre a unicelularidade e a multicelularidade, propiciando assim, um melhor entendimento deste passo que foi essencial para a evolução da vida animal e vegetal.

Uma ideia de como os organismos multicelulares surgiram foi proposta por um grupo de americanos que cultivavam a alga Chlorella vulgaris em laboratório.[9] Esta alga unicelular foi cultivada por várias gerações e passado determinado período foi adicionado o predador também protista Ochromonas vallescia. Nas primeiras gerações, houve uma grande taxa de mortalidade das algas seguida por uma diminuição do número de predadores o que é esperado para qualquer relação entre presa e predador. Quando a população de presas conseguiu se recuperar, as algas uniram-se e formaram aglomerados de dez a centenas de células. No entanto, aquelas que formavam aglomerados muito grandes, apesar de não serem predadas, não conseguiram sobreviver devido à dificuldade para a absorção de nutrientes enquanto os aglomerados muito pequenos também morriam uma vez que estas estavam mais suscetíveis a predação. Passado dez a vinte gerações do cultivo das algas na presença do predador, a quantidade de células do aglomerado se estabilizou em oito provavelmente para resolver o problema da mortalidade de agregados muito grandes ou muito pequenos. O aparecimento de predadores é uma das hipóteses que tem o intuito de explicar o surgimento de organismos multicelulares a partir da necessidade de defesa contra a predação. Esta ideia parte do princípio de que na ausência de organismos capazes de realizar fagocitose não há pressão seletiva para que as células formem agregados sendo que esta estratégia pode ter sido aprimorada ao ponto de determinadas colônias tornarem-se organismos multicelulares.

 
Saccharomyces cerevisiae. Organismo utilizado em experimento para demonstrar como pode ter ocorrido a transição da unicelularidade para multicelularidade

Outro experimento realizado por um grupo diferente de pesquisadores utilizou o fungo [[ o popular fermento de padaria.[4] Esse organismo apresenta-se normalmente sob a forma unicelular, mas em condições de escassez de nutrientes pode formar um micélio. [10]

Os cientistas cultivaram a S. cerevisiae dentro de um tubo de ensaio que continha um meio de cultura rico em nutrientes. As células permaneceram neste tubo cerca de um dia afim de que pudessem crescer. Passado um dia, o tubo era centrifugado de modo que as células que formavam agregados precipitavam-se mais rapidamente em conseqüência do maior peso em relação às células isoladas. Os agregados foram retirados e transferidos para outro tubo que também possuía nutrientes para permitir o crescimento. Este procedimento foi repetido inúmeras vezes até que os agregados apresentassem centenas de células. Teoricamente estes aglomerados poderiam ter se originado a partir da união aleatória de células ou resultarem da não separação depois da divisão celular. A análise destes agregados permitiu que os cientistas constatassem que estes não se tratavam apenas de células que se uniam ao acaso, mas sim de células que apresentavam um parentesco e não se desgrudavam após a divisão celular. Este é um aspecto importante a ser ressaltado, pois os organismos multicelulares atuais são formados por células geneticamente idênticas originadas de uma única célula. Este fato torna mais provável a existência de cooperação entre as células, uma vez que mesmo que haja divisão de apenas uma célula do grupo enquanto as outras ficam responsáveis por executar outras tarefas, o material genético de todas elas será passado adiante. Estes agregados não são semelhantes ao micélio formado por algumas leveduras em situação de estresse nutricional seja por alta ou baixa quantidade de nutrientes. A presença de divisão de trabalho é evidenciada neste experimento a qual a maioria das células do agregado permaneceu viável e reproduzindo-se enquanto outras sofriam apoptose e serviam como ponto de ruptura que permitiam a produção de um maior número de propágulos. Este tipo de diferenciação pode ser utilizado como analogia para a distinção entre células germinativas (os gametas) e células somáticas (todas as outras células).[4]


[[Categoria:Paleontologia]] [[Categoria:Evolução por táxon]] en:Multicellular organism#Evolutionary history

Referências

  1. a b c Ridley,M.Evolução.Ed Artmed. Porto Alegre,2003
  2. Cezar, S.J.& Sesar, S. Biologia 1.Ed. Saraiva.São Paulo,2005
  3. a b c d e f g h i AMABIS, J.M. MARTHO, G.R.Biologia das Células. Ed. Moderna. São Paulo,2003
  4. a b c Ratcliff, W. C., Denison, R. F., Borrello, M.& Travisano, M. Experimental evolution of multicellularity.Proceedings of the National Academy of Sciences, 2011
  5. http://www.icb.ufmg.br/labs/lbem/aulas/grad/evol/especies/preposcambriano.html
  6. a b Miller S.M. Volvox, Chlamydomonas, and the Evolution of Multicellularity. Nature Education,2010
  7. a b c Dayel MJ, Alegado R.A., Fairclough S.R, Levin T.C., Nichols SA, Donald K.& King N. Cell differentiation and morphogenesis in the colony-forming choanoflagellate Salpingoeca rosetta. Developmental Biology,2011
  8. Ruppert, E. E. & Barnes, R.D. Zoologia dos Invertebrados.6ed. Ed. Roca. São Paulo,1996.
  9. MARTIN E. B., DIANNE B. S & JOSEPH E. B. Phagotrophy by a flagellate selects for colonial prey: A possible origin of multicellularity. Evolutionary Ecology ,1998
  10. AMABIS, J.M. MARTHO, G.R.Biologia dos organismos. Ed. Moderna. São Paulo,2004