Usuário:Yleite/Visão da evolução centrada nos genes

A visão da evolução centrada nos genes ou teoria do gene egoísta defende que a evolução ocorre através da sobrevivência diferencial de genes competidores, aumentando a frequência de alelos cujo efeito fenotípico promova efetivamente a sua própria propagação. Teoria proposta por Richard Dawkins que constrói um pensamento de que a entidade que sofre ação da seleção natural é o gene. Os organismos estão arranjados em uma estrutura hierárquica em que se podem perceber entidades de vários níveis (genes, células, indivíduos, grupos e espécies), a questão principal a ser resolvida é entender qual a entidade que sobrevive ou não, como consequência do processo de seleção natural[1]. O principal objetivo é explicar como surgem as características e comportamentos que os seres vivos apresentam a partir da seleção de entidades em diferentes níveis biológicos de organização.

A teoria da Seleção Natural editar

A teoria de Charles Darwin (1859) marcou o início de uma revolução nas ciências e de um grande questionamento religioso e filosófico. Dentre suas observações durante a viagem a bordo do Beagle, Darwin pretendia excepcionalmente duas coisas: Mostrar que as espécies evoluem e como se dá esse processo, ideia já discutida antes, porém não com a compreensão de Darwin do mecanismo de “descendência com modificação” e da seleção natural. Concluiu que qualquer entidade que apresente variação, reprodução e herdabilidade pode evoluir. Após a morte de Darwin (1822), as leis de Mendel foram redescobertas e os naturalistas e mendelianos entraram em uma grande disputa. Segundo Ernst Mayr (1998), seria necessário uma nova geração de geneticistas para solucionar esse problema, e entre 1936 e 1947, foi possível estabelecer uma base comum à biologia, afirmando o gradualismo da evolução e confirmando o pensamento populacional[2]. A síntese neodarwiniana que desloca do indivíduo e da espécie para o gene a unidade de seleção, teve uma grande contribuição para conceitos como evolução e espécie e criou diversas possibilidades para se entender como fenômenos evolutivos efetivamente operam nos casos individuais.

Os níveis de Seleção editar

Os “Níveis de Seleção” são estudados pela biologia evolutiva desde que Darwin publicou a sua teoria por seleção natural. Importantes biólogos a consideram-no relevante para solucionar questões empíricas e metodológicas no contexto da biologia evolutiva.

Indivíduo editar

Darwin acreditava que a competição é característica do mundo vivo, acontecendo primariamente entre organismos vivos e não entre entidades de níveis superiores como grupos, espécies ou ecossistemas e a evolução operaria sobre os organismos vivos, seja favorecendo-os ou não[3]. Como Darwin não conhecia hereditariedade, ele nem cogitava a possibilidade de seleção em níveis mais baixos. O seu principal e único objeto de estudo era o indivíduo. Após o desenvolvimento da genética e da etologia esse foco no indivíduo começou a ser questionado, sugerindo que pudesse ocorrer seleção a níveis mais altos ou mais baixos e a partir disso surgiram diversas outras pesquisas. Darwin não conseguia explicar alguns comportamentos em animais apenas pela seleção individual o que levou ao surgimento desses questionamentos. Segundo Elliot Sober e David Sloan Wilson (1994), a necessidade que se tinha de definir a unidade de seleção entre o organismo e o grupo era excepcionalmente para explicar o altruísmo[4].

Pelo o que se entende sobre a “luta pela sobrevivência”, o comportamento egoísta é sempre o esperado. No entanto é observado que o comportamento altruísta, ou seja, quando o indivíduo aumenta as expectativas de vida do outro à custa da diminuição da sua é muito comum na natureza e, é de fato esse comportamento que deve ser estudado e entendido[5].

Mayr afirma que somente o indivíduo tem visibilidade quando a questão em foco é a atuação da seleção natural, porém se depara com um problema já que os indivíduos que apresentam reprodução sexuada geram descendentes com um genótipo diferente e posteriormente morrem, portanto não existe continuidade no genótipo ao longo do tempo. Então Mayr postulou que o indivíduo é o alvo de seleção, mas não a unidade de seleção[2]. Templeton então define “unidade de seleção” como sendo o nível de organização genética que permitiria a previsão da resposta genética à seleção (2006, p.408), e “alvo de seleção” como o nível de organização biológica que vai exibir o fenótipo sob seleção (2006, p.409)[6].

Grupo editar

Passaram a acreditar que pelo menos um nível superior se beneficiaria quando um indivíduo altruísta estivesse presente no mesmo: o grupo. Um exemplo para isso é um comportamento de algumas espécies de pássaros chamado “gritos de alarme” que é basicamente a emissão de um aviso por um dos pássaros quando esse percebe a presença de um predador. Dessa forma, o bando todo procura refúgio, possibilitando uma maior chance de fugir do predador, porém o autor do grito pode ser prejudicado ao atraí-lo para si. No entanto, segundo Eric Charnov e John Krebs (1975) que apresentam o argumento desenvolvido por Roberto L. Trivers, mesmo que o pássaro sentinela (o que emitiu o “grito de alarme) se coloque em maior perigo imediato, os gritos de alarme podem evoluir e talvez ocorrer uma diminuição do ataque a grupos com sentinelas. Dessa forma a presença do sentinela aumentaria a aptidão de todos os indivíduos do grupo. Esse exemplo implica que a concepção de seleção ao nível do indivíduo tende a ser mais parcimoniosa do que a de seleção de grupo[7]. Enquanto a etologia impulsionou a proposta de seleção individual e de grupo, a genética levou a uma nova unidade de seleção: O gene.

Gene editar

 
Richard Dawkins, autor do livro O gene egoísta.

Richard Dawkins é um renomado zoólogo britânico, popularizador da ciência, evolucionista e, mais recentemente, militante ateísta. Em 1976 propôs a teoria do gene egoísta incluindo pelo menos três níveis: gene, indivíduo e grupo. Ele definiu o conceito de replicador e de veículo. “Um tipo de entidade que possuía a propriedade extraordinária de ser capaz de criar cópias de si mesmo” e “máquinas de sobrevivência” construídas pelos replicadores respectivamente[1]. Laurent Keller (1999) afirma que as principais respostas buscadas por diversos autores são: “(1) como a seleção natural entre veículos biológicos de níveis inferiores cria veículos de nível superior, e (2) dado que existem múltiplos níveis de veículos, como a seleção natural em um nível afeta a seleção em níveis inferiores ou superiores”[8]. Para ele, os veículos de nível superior são compostos de veículos de nível inferior, experimentando forças evolutivas de dois polos: a de atração e a de repulsão. A primeira como à tendência à cooperação entre parceiros do mesmo nível, e a segunda refletindo a competição entre os mesmos.Segundo Dawkins, devido às suas características de variabilidade, hereditariedade e reprodução diferencial, os genes seriam o elemento que efetivamente se reproduziria. Suas teses seguem a linha de Wiliams, sendo baseadas da análise etológica do comportamento animal a partir de uma interpretação bastante estrita da teoria darwiniana[9]. Ele explica a diferença entre genes e organismos, introduzindo o conceito de “replicador” como já discutido antes, como sendo a unidade mais estável e mais apta a sobreviver e gerar descendência. Afirma que as capacidades de longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia são as prioritariamente selecionadas, portanto o replicador seria o nível de seleção por excelência.

Dawkins então partiu do princípio que organismos não produzem cópias de si mesmo, os grupos também não, mas os genes sim. Logo, a unidade de seleção é o gene.


Características dos genes editar

O gene corresponderia a menor porção de material cromossômico que dura potencialmente por um número suficiente de gerações para servir como unidade de seleção natural. É importante notar que, ao contrário do que é sugerido pelo nome da teoria, Dawkins afirma que genes absolutamente não têm vontades próprias ou valores morais. O que acontece simplesmente é que aqueles genes que apresentam um comportamento que seria visto como egoísta pelos seres humanos são os que se mantêm representados dentro dos genomas das espécies, ao longo do processo evolutivo, com o passar dos anos e milênios[1].

Os genes são vistos como imortais. Essa imortalidade corresponde ao fato dele não ter uma maior probabilidade de morrer quando tem um milhão de anos do que quando tem apenas mil, ou dez. O efeito de um gene depende do ambiente onde ele está inserido e, portanto, depende também dos outros genes, da temperatura, pressão e outros fatores. O conjunto de todos os genes em um corpo constitui um “background” genético que pode alterar os efeitos de qualquer gene em particular.

Hoje em dia, portanto, o pool gênico é a nova "sopa" onde um gene existe. A única alteração é que hoje em dia os genes existem cooperando com diferentes outros genes que vivem no pool de forma a construir uma máquina de sobrevivência mortal após a outra. O gene vai passando de corpo em corpo através das gerações, manipulando-os de acordo com sua própria maneira, “abandonando” esses corpos mortais na medida em que eles vão ficando senis. Os indivíduos são passageiros, mas os genes são para sempre. Eles não são destruídos pela recombinação, simplesmente trocam de parceiros e seguem em frente. Em resumo, nós humanos seríamos como máquinas de sobrevivência para o agente replicador: o gene.

A memética editar

Dawkins propusera que o darwinismo não é somente uma maneira de explicar a vida, mas também a cultura e todo o resto[1]. Isso é bem ilustrado pelo conceito de memes, unidades culturais de imitação que pretensamente são os átomos da cultura e da história. O programa de pesquisa dos memes é um novo ramo das ciências sociais ou do espírito, a memética. Ele queria estabelecer uma relação entre genes e memes, ou seja, entre a biologia e a cultura sem reduzir uma à outra. Partindo de uma analogia com o gene egoísta, a memética pretende propor modelos explicativos que podem ser úteis para compreender a importância das ideias para a vida humana, para as sociedades, para as instituições e suas crises.

Críticas à teoria do gene egoísta editar

Por mais bem argumentada que seja a visão da evolução centrada nos genes ela ainda não é bem aceita em círculos científicos estritos e acadêmicos, onde é considerada como excessivamente extrapolativa e de difícil confirmação prática. De acordo com Sober e Wilson é necessário saber separar a questão da hereditariedade dos processos causais que agem como um diferencial no sucesso reprodutivo[4]. Eles criticam a visão de Dawkins, pois segundo eles é visto que os genes realmente são agentes de hereditariedade, mas não necessariamente seja a unidade de seleção. Sugerem uma análise da noção de hereditariedade para reavaliar essa teoria.

Hereditariedade é um dos conceitos primários a se analisar para que se possa estabelecer a seleção natural como causa da evolução, e isto de forma independente do tipo de entidade que é considerado como replicador. Gene, por definição, é o que dá hereditariedade aos objetos de níveis mais altos; portanto, ser replicador não é o mesmo que ser herdável. O maior questionamento sobre a teoria do gene egoísta é que Sober e Wilson acreditam que não só os genes, mas também os grupos possuem características hereditárias.

Segundo Sober (1984) é necessário se desvincular dos conceitos de aptidão e sucesso reprodutivo para entender a segunda crítica à teoria do gene egoísta e entender que seleção é muito mais amplo do que aptidão. Dizer que seleção de grupo ocorre é dizer mais do que grupos simplesmente diferem em aptidão, é dizer por que estas diferenças em aptidão são obtidas. “Seleção é a causa das diferenças de aptidão, assim como as diferenças de aptidão podem ser a causa de diferenças do sucesso reprodutivo”. Esta explicação permitiu a Sober criticar a posição de Dawkins e outros pesquisadores que buscam reduzir a explicação de seleção a níveis mais baixos. Sua crítica se fundamenta na falta de um aparato matemático preditivo que descreva a causa do processo de seleção[4]. Ele aproveita para fundamentar que os genes são sim as unidades de replicação, mas que não necessariamente seja a unidade de seleção. Alguns outros teóricos ainda têm ido contra a própria base da teoria do gene egoísta, questionando a hegemonia da informação genética para o desenvolvimento do organismo.

Outra questionadora da teoria de Dawkins foi Midgley (1979) uma filósofa inglesa, professora sênior aposentada da Universidade de Newcastle em Tyne. Ela publicou uma crítica na revista Philosophy chamada “Gene-Juggling” onde diz que a análise de Dawkins é reducionista e antropomórfica e que, na verdade, ela atrapalha a compreensão da evolução e do papel do homem na terra à luz da teoria darwiniana, o que, a despeito das discordâncias, é a intenção de ambos. Em uma de suas falas deixou clara a sua contrariedade á teoria do gene egoísta: “Genes não podem ser egoístas ou altruístas, não mais do que átomos possam ser ciumentos, elefantes possam ser abstratos ou biscoitos, teleológicos”[10].

Um estudo publicado em 2013 concluiu que se todos preferissem exercer ações egoístas os seres humanos poderiam ter sido extintos, contrariando a um estudo realizado em 2012 que revelou que os egoístas apresentavam certa vantagem sobre àqueles que cooperavam, resultado chamado de estratégia “egoísta e de má fé”. O resultado mais recente que propõe uma maior vantagem aos cooperadores foi baseado num estudo realizado por uma equipe da Michigan State University, nos Estados Unidos, baseado no modelo “jogo do dilema do prisioneiro” onde dois indivíduos eram interrogados separadamente e eles tinham que se decidir se delatam um ao outro ou se calam. Era proposto um acordo aos prisioneiros e o importante teórico matemático John Nash mostrou com esse modelo que o comportamento mais observado foi o de não cooperar. A teoria parte do pressuposto que os dois interrogados não falem entre si, impossibilitando um acordo entre as partes. Logo, havia uma tendência à delação ou de um ou de outro. Agir de má fé, ou seja, pelo egoísmo, levaria a uma vantagem a curto prazo, mas a longo prazo inevitavelmente haveria uma extinção de nossa espécie, segundo Christoph Adami, responsável pela pesquisa[11].

Embora tantas críticas sejam apresentadas à teoria do gene egoísta, vemos que a maioria dos autores reconhece o valor científico da mesma, considerando que é uma argumentação que tem enriquecido o debate sobre os níveis de seleção. O principal ponto de crítica que permanece, mesmo para autores que consideram a seleção gênica consistente, está claro na afirmação de Hull: “Selecionistas gênicos parecem pensar que todos os níveis mais altos de organização podem ser ignorados sem perda[12]”.


O livro O Gene Egoísta editar

O livro foi publicado por Dawkins em 1976 sendo o primeiro livro desse tão renomado e polêmico autor. Teve com principal objetivo examinar a biologia do egoísmo e do altruísmo.

Desde a sua publicação, foi traduzido para mais de 25 idiomas e sucesso de vendas por todo o mundo. Um dos livros mais aclamados da história da divulgação científica, ele não só apresenta a biologia evolutiva de forma acessível, mas acrescenta uma interpretação metafórica que inspirou diversas gerações de biólogos e simpatizantes. Devido sua grande repercussão foram publicadas inúmeras notícias sobre essa tão inovadora forma de pensar de Dawkins: “O primeiro livro de Dawkins, O gene egoísta, foi um enorme sucesso... Melhor de tudo, Dawkins expôs sua biologia - parte dela realmente sutil - numa prosa fantasticamente lúcida. (É, em minha opinião, o melhor trabalho de divulgação científica já escrito.)" - H. Allen Orr, New York Review of Books; “O tipo de divulgação científica que faz o leitor sentir-se um gênio."- New York Times; "Dawkins demonstra que ideias complexas, teóricas ou matemáticas podem ser expressadas de forma rigorosa, em linguagem comum. O livro é excelente para aqueles que não foram treinados em evolução entenderem discussões modernas." - Trends in Ecology and Evolution.


[13]. [3]. [1]. [1]. [1]. [1]. [2] [2]. [3]. [4]. [5]. [6]. [7]. [8]. [9]. [4]. [10]. [14]

Referências

  1. a b c d e f g h Dawkins, R. O Gene Egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, [1976] 2001 Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Dawkins" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  2. a b c d Mayr, E. “Typological versus Populational Thinking” in Sober, E. (org). Conceptual Issues in Evolutionary Biology. London: MIT/Cambridge, 1984, pp. 14-17 Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Mayr" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  3. a b c Darwin, C. Origem das Espécies. São Paulo: Itatiaia,[1859] 2002 Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Darwin" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  4. a b c d e Sober E. Wilson, “A critical review of philosophical work on the units of selection problem” in Philosophy of Science, 1994, vol. 61, no. 4. Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Sober" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  5. a b Haldane J.B.S, 1932, The Causes of Evolution
  6. a b Templeton Alan R. “Units and Targets of Selection”, Population Genetics and Microevolutionary Theory, St. Louis: Wiley-Liss, 2006 pp. 407-452 Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Templeton" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  7. a b Trivers R. L. “The Evolution of Reciprocal Altruism”, 1971 Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Trivers" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  8. a b Keller L.(ed). Levels of Selection in Evolution 1999, Princeton, University Press Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Keller" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  9. a b Williams G.C., Adaptation and Natural Selection, 1966 Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Williams" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  10. a b Midgley M. Beast and Man. Londres: Routledge. 2002 (1978) Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Midgley" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  11. Christoph Adami & Arend HintzeNature Communications 4, Article number: 2193 doi:10.1038/ncomms3193Received 05 March 2013 Accepted 25 June 2013 Published 01 August 2013
  12. Hull, 1980, p. 323
  13. Crick, F. 1970, Central dogma of molecular biology
  14. HULL, David. L. Individuality and Selection. Annual Review of Ecology and Systematics, 1980, vol. 11, pp. 311-32.


Ligações Externas editar

Egoísmo poderia ter extinto seres humanos.

Richard Dawkins "The Selfish Gene".

Peter Singer: O porquê e o como do altruísmo eficaz

{{Portal3|Ciência|Biologia|Evolução}} {{DEFAULTSORT:Visao Evolucao Centrada Nos Genes}} [[Categoria:Biologia evolutiva]]