Versão cefálica externa

A versão cefálica externa (VCE) é um processo no qual o bebê pode ser girado dentro do útero pelas nádegas ou pelos pés. Trata-se de um procedimento manual que é recomendado para bebês que estejam em posição pélvica, a fim de possibilitar o parto vaginal.[1] Geralmente, a técnica é realizada após 36 semanas gestacionais,[2] preferivelmente após 37 semanas, e pode ser realizada em trabalho de parto prematuro.[3]

Bebê em posição pélvica

A VCE é endossada pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) e pelo Colégio Real de Obstetras e Ginecologistas (RCOG) como uma forma de minar riscos associados ao parto vaginal e à cesariana.[1][4] O procedimento pode, ainda, ser contrastado com a versão cefálica interna, a qual envolve a mão inserida através da cérvix.[5]

Uso médico editar

A versão cefálica externa é uma opção interventiva externa para bebês em posições pélvica a partir de 36 semanas de gestação. Outras opções incluem a cesariana planejada ou o parto vaginal planejado.[2]

Estatísticas editar

O método tem êxito entre 60 e 75% dos casos.[3] Diversos fatores podem alterar o sucesso da técnica. A experiência do profissional, o peso materno e fatores obstétricos como o relaxamento uterino, cabeça fetal palpável, placenta não anterior e índice de líquido amniótico acima de 7 a 10 cm, são fatores que podem estar associados à prática. Além disso, o efeito do bloqueio neuroaxial nas taxas de sucesso da VCE tem sido conflitante, embora a VCE pareça mais fácil de ser executada sob o bloqueio peridural.[1][6]

Relatórios de um estudo realizado pelo Centro Médico da Universidade Nacional da Malásia, entre 1 de setembro de 2008 e 30 de setembro de 2008, indicam que pacientes do grupo da VCE, com gestações que ocorreram após a data (além das 40 semanas), dois terços obtiveram êxito no parto vaginal enquanto um terço necessitou de cesariana. Neste estudo, a taxa de sucesso da VCE foi de 51,4% (73/143 casos) num período de três anos.[7][7] Quando a técnica é posta em prática e o bebê muda de posição, há uma chance de menos de 5% do bebê voltar à posição pélvica.[8]

Contraindicações editar

A versão cefálica externa é contraindicada em casos de hemorragia pré-parto recente, placenta prévia, monitoramento fetal anormal, rompimento de membrana, gravidez múltipla, pré-eclâmpsia, redução de fluido amniótico e outras anormalidades relacionadas ao útero ou ao bebê.[8]

Riscos editar

Como em qualquer procedimento, é possível que haja complicações, a maioria das quais pode ser reduzida com a presença de um profissional experiente na equipe de parto. Um ultrassom, a fim de definir a quantidade suficiente de líquido amniótico, e o monitoramento fetal após o procedimento podem ajudar a minimizar os riscos.[9] A evidência de complicações da VCE em ensaios clínicos é limitada, mas reduz a chance de apresentação de bebês em posição pélvica ao nascimento e à seção cesariana. A análise da Colaboração Cochrane de 2015 concluiu que "grandes estudos observacionais sugerem que complicações relacionadas à VCE são raras".[8][10]

Os riscos típicos incluem o entrelaçamento de cordão umbilical, descolamento prematuro da placenta, parto prematuro, rotura prematura de membranas (RPM) e desconfortos maternos graves. Desde 1979, as taxas gerais de complicações variaram de 1 a 2%. Embora haja um desfavorecimento de 1970 a 1980, o procedimento teve um aumento no uso devido à sua segurança relativa.[11] O sucesso da VCE diminui significativamente a ocorrência de cesariana. No entanto, as mulheres ainda apresentam um risco aumentado de parto instrumental, com fórceps e extração a vácuo, e parto cesáreo em comparação com mulheres que apresentam posição fetal correta.[2][12]

Técnica editar

O procedimento é realizado por um ou dois médicos e em locais onde as instalações de emergência para realizar parto instrumental e cesariana estejam disponíveis. Há, também, coleta de sangue para comparação cruzada, caso ocorra uma complicação. Antes de realizar a VCE, é realizada uma ultrassonografia do abdome para confirmar a posição pélvica, a pressão sanguínea e o pulso da mãe. Uma cardiotocografia (CTG) também é realizada para monitorar a atividade cardíaca do bebê.[2][13]

Geralmente, o procedimento dura alguns minutos e é monitorado intermitentemente com a cardiotocografia.[4] Com uma cobertura de gel ultrassônico no abdome para reduzir o atrito, as mãos do médico são colocadas no abdome da mãe ao redor do bebê. Então, aplicando pressão firme para manobrar o bebê para cima e para longe da pelve e girar suavemente em várias etapas até a posição lateral, a manipulação final resulta em uma primeira aparição cefálica.[2][14] O procedimento é interrompido se houver desconforto na mãe, falha repetida ou comprometimento fetal durante a monitoração.[11]

Se realizada antes do parto, a VCE pode diminuir a ocorrência de posição pélvica, mas pode aumentar o risco de parto prematuro.[15] Há algumas evidências que apoiam a administração de drogas tocolíticas durante a técnica.[16] Administrados por injeção, os tocolíticos relaxam o músculo uterino e podem aumentar a chance de virar o bebê com sucesso. Isso é considerado seguro para a mãe e para o bebê, mas pode fazer com que a mãe experimente vermelhidão na face e taquicardia.[2] Além disso, o uso de nitroglicerina já foi proposto.[17]

Após o procedimento, uma repetição do CTG é realizada e uma repetição do ultrassom confirmará a versão bem-sucedida. Se a primeira tentativa falhar, uma segunda tentativa, em outro dia, pode ser considerada.[8] Outrossim, para prevenir a isoimunização Rh após o procedimento, té oferecida uma injeção intramuscular de anticorpos antiRh, a imunoglobulina antiRho(D), para todas as mulheres com Rh negativo.[2]

História editar

A versão cefálica externa existe desde 384-322 a.C., época de Aristóteles. Em torno de 100 d.C., Sorano de Éfeso incluiu orientações sobre a VCE como uma maneira de reduzir as complicações do nascimento de bebês em posição pélvica. O obstetra francês do século XVII, François Mauriceau, teria descrito a ECV como "um pouco mais difícil do que virar uma omelete uma frigideira".[18] Em 1807, Justus Heinrich Wigand publicou um relato da VCE e o procedimento foi cada vez mais aceito após a demonstração de Adolphe Pinard, na França. Em 1901, o obstetra britânico Herbert R. Spencer defendeu a VCE em sua publicação sobre o nascimento de bebês em posição pélvica. Em 1927, o obstetra George Frederick Gibberd revisou 9 000 nascimentos consecutivos no Guy's Hospital de Londres. Após o estudo, recomendou a ECV mesmo que falhasse e precisasse ser repetida com intervenção anestésica.[18]

Em contrapartida, a segurança durante a aplicação da VCE continuou sendo uma controvérsia de longa data. Seguindo um protocolo desenvolvido em Berlim, a VCE aumentou sua popularidade nos Estados Unidos durante a década de 1980. O procedimento tem sido cada vez mais considerado como baixo risco de complicações e sua melhora na segurança como resultado do monitoramento eletrônico fetal, aguardando até mais perto do uso de tocolíticos, tem ressurgido.[4]

Referências

  1. a b c Sharoni, L (março de 2015). «Anesthesia and external cephalic version». Current Anesthesiology Reports. 5: 91–99. doi:10.1007/s40140-014-0095-0 
  2. a b c d e f g «Breech baby at the end of pregnancy» (PDF). www.rcog.org (em inglês). Julho de 2017. Consultado em 23 de setembro de 2018 
  3. a b Arnold, Kate C.; Flint, Caroline J. (2017). Obstetrics Essentials: A Question-Based Review. Oklahoma, USA: Springer. pp. 231–235. ISBN 978-3-319-57674-9. doi:10.1007/978-3-319-57675-6 
  4. a b c «External Cephalic Version: Overview, Technique, Periprocedural Care». Medscape. 6 de agosto de 2018 
  5. NEELY MR (maio de 1959). «Combined internal cephalic version». Ulster Med J. 28 (1): 30–4. PMC 2384304 . PMID 13669146 
  6. Wight, William (2008). «18. External cephalic version». In: Halpern, Stephen H.; Douglas, M. Joanne. Evidence-Based Obstetric Anesthesia (em inglês). [S.l.]: John Wiley & Sons. pp. 217–224. ISBN 9780727917348 
  7. a b Lim, Pei Shan, P, A (2014). «Successful External Cephalic Version: Factors Predicting Vaginal Birth». The Scientific World Journal. 2014. 860107 páginas. PMC 3919060 . PMID 24587759. doi:10.1155/2014/860107 
  8. a b c d «External Cephalic Version and Reducing the Incidence of Breech Presentation» (PDF). www.rcog.org.uk. 2010. Consultado em 23 de setembro de 2018 
  9. Kok, M.; Cnossen, J.; Gravendeel, L.; Van Der Post, J. A.; Mol, B. W. (janeiro de 2009). «Ultrasound factors to predict the outcome of external cephalic version: a meta-analysis». Ultrasound in Obstetrics and Gynecology. 33 (1): 76–84. ISSN 0960-7692. PMID 19115237. doi:10.1002/uog.6277 
  10. Hofmeyr, GJ; Kulier, R; West, HM (2015). «External cephalic version for breech presentation at term (Review)» (PDF). Cochrane 
  11. a b Coco, Andrew S.; Silverman, Stephanie D. (1 de setembro de 1998). «External Cephalic Version». American Family Physician (em inglês). 58 (3). ISSN 0002-838X 
  12. de Hundt, M; Velzel, J; de Groot, CJ; Mol, BW; Kok, M (junho de 2014). «Mode of delivery after successful external cephalic version: a systematic review and meta-analysis.». Obstetrics and Gynecology. 123 (6): 1327–34. PMID 24807332. doi:10.1097/aog.0000000000000295 
  13. «What Is External Cephalic Version?». WebMD (em inglês). Consultado em 23 de setembro de 2018 
  14. «37 weeks pregnant». www.nct.org.uk. Consultado em 23 de setembro de 2018 
  15. Hutton, EK; Hofmeyr, GJ; Dowswell, T (29 de julho de 2015). «External cephalic version for breech presentation before term.». The Cochrane Database of Systematic Reviews. 7 (7): CD000084. PMID 26222245. doi:10.1002/14651858.CD000084.pub3 
  16. Cluver, C; Gyte, GM; Sinclair, M; Dowswell, T; Hofmeyr, GJ (9 de fevereiro de 2015). «Interventions for helping to turn term breech babies to head first presentation when using external cephalic version.». The Cochrane Database of Systematic Reviews. 2 (2): CD000184. PMID 25674710. doi:10.1002/14651858.CD000184.pub4 
  17. Hilton J, Allan B, Swaby C, et al. (setembro de 2009). «Intravenous nitroglycerin for external cephalic version: a randomized controlled trial». Obstet Gynecol. 114 (3): 560–7. PMID 19701035. doi:10.1097/AOG.0b013e3181b05a19 
  18. a b Paul, Carolyn (22 de março de 2017). «The baby is for turning: external cephalic version». BJOG: An International Journal of Obstetrics & Gynaecology (em inglês). 124 (5). 773 páginas. ISSN 1470-0328. PMID 28328063. doi:10.1111/1471-0528.14238