Acidente de Three Mile Island

Acidente nuclear ocorrido nos EUA

O acidente de Three Mile Island foi uma fusão nuclear parcial do reator da Unidade 2 (TMI-2) da Usina Nuclear de Three Mile Island, localizada no rio Susquehanna, em Londonderry Township, perto de Harrisburg, Pensilvânia, Estados Unidos. O acidente do reator começou às 4h em 28 de março de 1979 e liberou gases radioativos e iodo radioativo no meio ambiente.[1][2] É o pior acidente na história das centrais nucleares comerciais americanas.[3] Na Escala Internacional de Eventos Nucleares, o acidente do reator como nível 5, um “acidente com consequências mais amplas”.[4][5]

Acidente de Three Mile Island
O presidente Jimmy Carter nas instalações de Three Mile Island em 1 de abril de 1979
Data28 de março de 1979 (46 anos)
LocalizaçãoHarrisburg, Pensilvânia
 Estados Unidos

O acidente começou com falhas no sistema secundário não nuclear,[6] seguidas por uma válvula de alívio operada por piloto (PORV) presa e aberta no sistema primário,[7] que permitiu que grandes quantidades de água escapassem do circuito de refrigerante isolado pressurizado. As falhas mecânicas foram agravadas pela falha inicial dos operadores da planta em reconhecer a situação como um acidente de perda de refrigerante (LOCA). O treinamento e os procedimentos operacionais da TMI deixaram os operadores e a gerência despreparados para a deterioração da situação causada pelo LOCA. Durante o acidente, essas inadequações foram agravadas por falhas de projeto, como controle deficiente, uso de vários alarmes semelhantes e falha do equipamento em indicar o nível de estoque do líquido de arrefecimento ou a posição do PORV preso aberto.[8]

O acidente aumentou as preocupações com a segurança antinuclear entre o público em geral e levou a novas regulamentações para a indústria nuclear. Acelerou o declínio dos esforços para construir novos reactores.[9] Os ativistas do movimento antinuclear expressaram preocupações sobre os efeitos regionais do acidente na saúde.[10] Alguns estudos epidemiológicos que analisaram a taxa de câncer na área e arredores desde o acidente determinaram que houve um aumento estatisticamente significativo, enquanto outros não. Devido à natureza de tais estudos, é difícil provar uma relação causal entre o acidente e os casos de câncer.[11][12][13][14][15][16][17]

A limpeza no TMI-2 começou em agosto de 1979 e terminou oficialmente em dezembro de 1993, com um custo total de cerca de 1 bilhão de dólares (equivalente a 2 bilhões de dólares em 2023).[18] O TMI-1 foi reiniciado em 1985 e desativado em 2019 devido a perdas operacionais. Espera-se que volte a funcionar em 2028, como parte de um acordo com a Microsoft para fornecer energia aos seus centros de dados.[19]

A causa

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Foto da Usina Nuclear de Three Mile Island. Os reatores encontram-se nas cúpulas mais pequenas de topos arredondados (as grandes chaminés são apenas torres de arrefecimento).
 
Three Mile Island em 2014. Usam só uma central nuclear, a TMI-1 à direita. TMI-2 à esquerda, não foi usada desde o acidente.

O acidente começou às 4 da manhã da quarta-feira, dia 28 de Março de 1979,[20] com falhas no sistema secundário não-nuclear, seguido por uma válvula de alívio operada por piloto do sistema primário que tinha ficado aberta, permitindo que grandes quantidades de líquido de arrefecimento escapassem.[21] As falhas mecânicas foram criadas pela falha inicial dos operadores do reator em reconhecer a situação como um acidente de perda de líquido refrigerante devido a treino inadequado e factores humanos como erros de desenho industrial relacionados com a presença de indicadores ambíguos na sala de controlo no interface do utilizador da central.[22] O âmbito e complexidade do acidente tornaram-se claros no decurso de cinco dias, quando empregados da Metropolitan Edison, oficiais do estado da Pensilvânia e membros da Comissão Nuclear Reguladora dos Estados Unidos tentavam compreender o problema, comunicavam a situação para a imprensa e comunidade local, decidiam se o acidente requeria uma evacuação de emergência e por fim davam conta do fim da crise.

No final, o reator foi de novo controlado, apesar de maiores detalhes do acidente só terem sido descobertos mais tarde, seguindo extensas investigações por uma comissão presidencial e pela Comissão Nuclear Reguladora. O Relatório da Comissão Kemeny concluiu que "ou não haverá casos de câncer ou o número será tão pequeno que nunca será possível detectá-los. A mesma conclusão é aplicável para outros efeitos de saúde." Alguns estudos epidemiológicos posteriores ao acidente suportaram a conclusão de que a libertação de radiação no acidente não teve efeitos perceptíveis na incidência de cancro nos residentes perto do reator, apesar de estas descobertas terem sido contestadas por uma equipa de pesquisadores.[22]

A reação pública relativa ao evento foi provavelmente influenciada pela saída, 12 dias antes do acidente, de um filme chamado The China Syndrome, que descrevia um acidente num reator nuclear. Comunicações efetuadas por oficiais durante as fases iniciais do acidente foram sentidas como confusas. O acidente foi seguido por uma cessação de construção de novas centrais nucleares nos Estados Unidos da América.[23]

Falhas humanas e de equipamento

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Equipe faz limpeza em prédio auxiliar do reator danificado, 1979

Uma bolha de gás altamente radioativa havia se instalado na parte de cima do reator, uma parte do urânio derreteu e o material fisionazion entrou em contato com a água, impedindo o acesso da água de refrigeração. Somente no dia 2 de abril, os técnicos conseguiram reduzir a bolha de gás em volta do reator de 50 metros cúbicos para cerca de um metro cúbico. Enquanto isso aumentavam nos Estados Unidos as críticas às medidas de segurança.[24]

Em contrapartida, a empresa que administrava a usina acusou as autoridades de exagero ao comentarem o incidente. Algum tempo depois, os elementos combustíveis resfriaram e o perigo de explosão estava afastado.[24]

No dia 1 de novembro de 1979, uma comissão nomeada pelo então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, a Kemeny Commission Investigation, chegou à conclusão de que o acidente fora causado por uma combinação de diversos factores: falhas várias do equipamento, erros humanos, procedimentos administrativos inadequados e deficiências do projeto. A comissão acusou severamente a Babcock & Wilcox, a Met Ed (Metropolitan Edison Company), GPU (General Public Utilities), e a NRC (Nuclear Regulatory Commission), mas esclareceu que não tinha mandato para desenhar conclusões sobre o futuro da indústria nuclear ou para fazer comparações da energia nuclear com outras fontes de energia. Acrescentou, contudo, que sem as falhas humanas, o acidente teria sido provavelmente bem menor.[25]

A princípio, a direção da usina pretendia reparar o reator danificado. Os técnicos constataram, no entanto, que os danos haviam sido maiores do que se suspeitava. Setenta por cento do núcleo do reator fora destruído pelo calor.[24]

Evacuação

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Jimmy Carter na sala de controle do TMI-2 em 1979

Vinte e oito horas após o acidente ter começado, o então vice-governador da Pensilvânia, William Scranton III, apareceu em um boletim de notícias para dizer que a Metropolitan Edison, dona da fábrica, assegurou ao estado que "tudo estava sob controle".[26] Mais tarde naquele dia, o vice-governador mudou sua afirmação, dizendo que a situação era "mais complexa do que a empresa antes nos levou a acreditar". Havia declarações conflitantes sobre lançamentos de radioatividade. As escolas foram fechadas e os moradores foram instados a permanecer em casa. Os agricultores foram informados para manter seus animais em lugares cobertos, com alimentos.

O então governador Dick Thornburgh, sob o conselho do presidente da Comissão Reguladora Nuclear Joseph Hendrie, aconselhou a evacuação "de mulheres grávidas e crianças de idade pré-escolar (...) dentro de um raio de 5 milhas (8 km) da instalação de Three Mile Island". A zona de evacuação foi ampliada para um raio de 20 milhas (32 km) na sexta-feira, 30 de março.[27] Dentro de dias, 140 000 pessoas deixaram a área.[28] Mais da metade da população de 663 500 pessoas no raio de 20 milhas (32 km) permaneceu naquela área. De acordo com uma pesquisa realizada em abril de 1979, 98% dos evacuados voltaram para suas casas dentro de três semanas.

Um dia depois do acidente, um grupo de ecologistas mediu a radioatividade em volta da usina, a intensidade era oito vezes maior que a letal.[29] Uma área de até 16 quilômetros em volta de Three Mile Island estava contaminada. Apesar de ter sido declarado o estado de emergência, nenhum dos 15 mil habitantes que moravam numa área até dois quilômetros da área contaminada foi evacuado. O governador Dick Thornburgh, iniciou a retirada dos habitantes só dois dias depois, começando com as gestantes e crianças.[29]

Ver também

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Referências

  1. Rogovin, Mitchell (Janeiro de 1980). Three Mile Island: a report to the commissioners and to the public. The problem was caused by a cooling problem and caused some of the core to melt in the 2nd reactor. Volume I. Washington, D.C.: U.S. Nuclear Regulatory Commission. OSTI 5395798. doi:10.2172/5395798. Consultado em 17 de outubro de 2021 
  2. Rogovin, Mitchell (Janeiro de 1980). Three Mile Island: a report to the commissioners and to the public. Volume II Part 2 (PDF). Washington, D.C.: U.S. Nuclear Regulatory Commission. Consultado em 17 de outubro de 2021 
  3. «Backgrounder on the Three Mile Island Accident». U.S. Nuclear Regulatory Commission. Consultado em 6 de março de 2018 
  4. Spiegelberg-Planer, Rejane (Setembro de 2009). «A Matter of Degree» (PDF). Vienna, Austria: Division of Public Information, International Atomic Energy Agency. IAEA Bulletin. 51 (1): 46. Consultado em 16 de outubro de 2021Three Mile Island is mentioned on page 47 
  5. «The International Nuclear and Radiological Event Scale» (PDF). INES. International Atomic Energy Agency. 1 de agosto de 2008. Consultado em 16 de outubro de 2021 
  6. «Secondary system». U.S. Nuclear Regulatory Commission. 9 de março de 2021. Consultado em 16 de outubro de 2021 
  7. «Primary system» (PDF). Reactor Concepts Manual, Pressurized Water Reactor. USNRC Technical Training Center. p. 4-3. Consultado em 16 de outubro de 2021 
  8. Walker, J. Samuel (2004). Three Mile Island: A Nuclear Crisis in Historical Perspective (em inglês). Berkeley, California: University of California Press. 211 páginas. ISBN 0-520-23940-7. Consultado em 19 de outubro de 2021 
  9. «Michael Levi on Nuclear Policy». The Economist. 31 de março de 2011. Consultado em 6 de abril de 2011. Arquivado do original em 15 de abril de 2011 – via YouTube 
  10. Gofman, John W.; Tamplin, Arthur R. (1979). Poisoned Power: The Case Against Nuclear Power Plants Before and After Three Mile Island (em inglês) Updated ed. Emmaus, Pennsylvania: Rodale Press. Consultado em 1 de outubro de 2013 
  11. Hatch, Maureen C.; et al. (1990). «Cancer near the Three Mile Island Nuclear Plant: Radiation Emissions». American Journal of Epidemiology. 132 (3): 397–412. PMID 2389745. doi:10.1093/oxfordjournals.aje.a115673  
  12. Levin, R. J. (2008). «Incidence of thyroid cancer in residents surrounding the Three-Mile Island nuclear facility». Laryngoscope. 118 (4): 618–628. PMID 18300710. doi:10.1097/MLG.0b013e3181613ad2 
  13. Levin, R. J.; De Simone, N. F.; Slotkin, J. F.; Henson, B. L. (Agosto de 2013). «Incidence of thyroid cancer surrounding Three Mile Island nuclear facility: the 30-year follow-up». Laryngoscope. 123 (8): 2064–2071. PMID 23371046. doi:10.1002/lary.23953 
  14. Han, Y. Y.; Youk, A. O.; Sasser, H.; Talbott, E. O. (Novembro de 2011). «Cancer incidence among residents of the Three Mile Island accident area: 1982–1995». Environ Res. 111 (8): 1230–1235. Bibcode:2011ER....111.1230H. PMID 21855866. doi:10.1016/j.envres.2011.08.005 
  15. Hatch, M. C.; Wallenstein, S.; Beyea, J.; Nieves, J. W.; Susser, M. (Junho de 1991). «Cancer rates after the Three Mile Island nuclear accident and proximity of residence to the plant». American Journal of Public Health. 81 (6): 719–724. PMC 1405170 . PMID 2029040. doi:10.2105/AJPH.81.6.719 
  16. «Backgrounder on the Three Mile Island Accident: Health Effects». U.S. Nuclear Regulatory Commission. Consultado em 13 de janeiro de 2018 
  17. Goldenberg, D, Russo, M, Houser, K, Crist, H, Derr JB, Walter V, Warrick JI, Sheldon KE, Broach J, Bann, DV (2017). «Altered molecular profile in thyroid cancers from patients affected by the Three Mile Island nuclear accident». Laryngoscope. 127 supplement 3: S1–S9. PMID 28555940. doi:10.1002/lary.26687 
  18. «14-Year Cleanup at Three Mile Island Concludes». The New York Times. 15 de agosto de 1993. Consultado em 28 de março de 2011 
  19. Sherman, Natalie (20 de setembro de 2024). «Microsoft chooses infamous nuclear site for AI power». BBC News. Consultado em 20 de setembro de 2024 
  20. «Usina de Three Mile Island - EUA - Disciplina - Química». www.quimica.seed.pr.gov.br. Consultado em 27 de março de 2024 
  21. Patriota, Patricia (4 de Dezembro de 2011). «Three Mile Island». Ambiental Sustentável (Arq. em WayBack Machine). Arquivado do original em 16 de agosto de 2017 
  22. a b Digital, Olhar; Dias, Mateus (8 de agosto de 2023). «Pior acidente nuclear dos Estados Unidos foi causado por um dia ruim no trabalho». Olhar Digital. Consultado em 27 de março de 2024 
  23. http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/acidente-nuclear-atinge-os-eua-9949026
  24. a b c de Oliveira, Luiz Fernando Seixas (1980). UM SUMÁRIO DO ACIDENTE DE THREE MILE ISLAND: DO INSTANTE ZERO ÀS LIÇÕES PARA O FUTURO (PDF). Rio de Janeiro: COPPE / UFRJ 
  25. Walker, J. Samuel (2004). Three Mile Island : a nuclear crisis in historical perspective. [S.l.]: University of California Press. pp. 209–213 
  26. http://www.washingtonpost.com/wp-srv/national/longterm/tmi/stories/decade032889.htm
  27. Comportamento de evacuação e Three Mile Island
  28. Antecedentes sobre o acidente de Three Mile Island
  29. a b Hank, Holger. «28 de março de 1979». DW. Consultado em 22 de março de 2023 

Bibliografia

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