Ain't I a Woman?
Esta página cita fontes confiáveis, mas que não cobrem todo o conteúdo. (Março de 2015) |
- Este artigo é sobre o discurso de Sojourner Truth. Para o livro, ver Ain't I a Woman? (livro).
"Ain't I A Woman?" (em português: "Eu não sou uma mulher?") foi o nome dado a um discurso feito de improviso pela ex-escravizada Sojourner Truth, (1797-1883, nascida Isabella em Nova York), proferido na Convenção de Mulheres (Women's Convention) em Akron, Ohio, em 1851. Pouco depois de conquistar a liberdade em 1827, tornou-se uma conhecida oradora abolicionista.
Truth argumentou que enquanto a cultura estadunidense colocava (metaforicamente) as mulheres brancas sobre um pedestal e lhes concediam certos "privilégios", como o de não ter de exercer atividades remuneradas por sua suposta inferioridade intelectual e física, esta atitude não era estendida às mulheres negras, acostumadas com o trabalho braçal. O discurso foi feito em resposta a um dos palestrantes do sexo masculino, o qual aparentemente estava na platéia.
Relato em primeira mão e comentárioEditar
O discurso foi registrado por Frances Gage, militante feminista e uma das autoras do grande compêndio de materiais sobre a primeira onda feminista, The History of Woman Suffrage. Gage, que presidia o encontro, descreve o evento:
- As líderes do movimento estremeceram ao ver uma negra alta e ossuda, num vestido cinza e turbante branco encimado por um boné grosseiro, marchar deliberadamente para dentro da igreja, caminhar com o ar de uma rainha pelo corredor e tomar assento nos degraus do púlpito. Um murmúrio de desaprovação foi ouvido por toda a congregação e as pessoas comentavam, um encontro abolicionista!, direitos da mulher e crioulos!, eu te disse!, vai, neguinha!. Repetidamente, as medrosas e trêmulas vieram até mim e me disseram com seriedade, "não deixe que ela fale, sra. Gage, vai nos arruinar. Todos os jornais do país vão misturar nossa causa com a abolição e crioulos, e seremos completamente estigmatizadas". Minha única resposta foi: "quando a hora chegar, veremos."
- No segundo dia, os debates esquentaram. Pregadores metodistas, batistas, episcopais, presbiterianos e universalistas vieram ouvir e discutir as resoluções apresentadas. Um reivindicou direitos e privilégios superiores para os homens, baseado no "intelecto superior"; outro, porque "Cristo era varão; se Deus desejasse a igualdade da mulher, Ele teria dado algum sinal da Sua vontade através do nascimento, vida e morte do Salvador". Outro nos deu uma visão teológica do "pecado de nossa primeira mãe".
- Havia poucas mulheres naqueles dias que ousavam "falar numa reunião"; e os augustos professores do povo estavam aparentemente levando vantagem sobre nós, enquanto os garotos nas galerias e os zombeteiros entre os bancos da igreja divertiam-se à larga com o desconforto que imaginavam atingir as "cabeças duras". Algumas das amigas mais sensíveis estavam quase ao ponto de perder a dignidade, e a atmosfera ameaçava tempestade. Quando, lentamente, do seu lugar no canto ergueu-se Sojourner Truth, a qual, até então, mal havia erguido a cabeça. "Não deixe que ela fale!", arquejaram meia dúzia ao meu ouvido. Ela moveu-se lenta e solenemente até a frente, pôs o velho boné no chão e volveu seus grandes e expressivos olhos para mim. Houve um som sibilante de desaprovação acima e abaixo. Levantei-me e anunciei, "Sojourner Truth", e implorei à platéia que fizesse silêncio por alguns instantes.
- O tumulto cessou subitamente, e todos os olhares se fixaram nesta figura de quase amazona medindo cerca de 1,80 m de altura, cabeça erguida e olhos que penetravam as alturas como alguém num sonho. À sua primeira palavra, houve um profundo silêncio. Ela falou num tom profundo, o qual, embora não fosse alto, atingiu cada ouvido na congregação, e através da multidão aglomerada nas portas e janelas.
- History of Woman Suffrage, 2da. ed., vol.1. Rochester, NY: Charles Mann, 1889. Editado por Elizabeth Cady Stanton, Susan B. Anthony e Matilda Joslyn Gage.
O discursoEditar
Primeira versão registradaEditar
Marcus Robinson, que assistiu à convenção e trabalhou com Truth, registrou a primeira versão do discurso na edição de 21 de junho de 1851 do Anti-Slavery Bugle.[1]
- Um dos mais singulares e interessantes discursos da convenção foi feito por Sojourner Truth, uma escrava alforriada. É impossível transcrevê-lo para o papel, ou exprimir qualquer ideia adequada do efeito que produziu sobre a plateia. Somente puderam apreciá-lo os que viram a forma poderosa dela, seu gestual devotado e sincero, e ouviram seu timbre forte e verdadeiro. Ela encaminhou-se para a frente até o tablado e dirigindo-se à presidente, disse com grande simplicidade: "Posso dizer umas poucas palavras?". Recebendo uma resposta afirmativa, ela prosseguiu:
“ | Quero dizer umas poucas palavras sobre este assunto. Sou uma mulher de direitos. Tenho tantos músculos quanto qualquer homem, e posso trabalhar tanto quanto qualquer homem. Tenho arado e ceifado e cortado e aparado, e pode algum homem fazer mais do que isso? Tenho ouvido falar muito sobre igualdade dos sexos. Posso carregar tanto quanto qualquer homem, e posso comer tanto quanto também, se conseguir o que comer. Sou tão forte quanto qualquer homem. Quanto ao intelecto, tudo o que posso dizer é, se uma mulher possui uma medida, e um homem possui duas — por que ela não pode ter a sua medidazinha cheia? Vocês não precisam temer nos dar nossos direitos por medo de que queiramos demais, — porque não poderemos pegar mais do que nossa medida suporta. Os pobres homens parecem estar em total confusão e não sabem o que fazer. Porque, crianças, se têm direitos das mulheres, dêem-nos a elas e irão se sentir melhor. Vocês terão seus próprios direitos e eles não serão um grande problema. Não sei ler, mas sei ouvir. Ouvi a Bíblia e aprendi que Eva levou o homem a pecar. Bom, se a mulher subverteu o mundo, dêem-lhe a chance de colocá-lo na posição certa de novo. A senhora falou sobre Jesus, de como ele nunca desprezou as mulheres, e ela estava certa. Quando Lázaro morreu, Maria e Marta foram até ele com fé e amor e exortaram-no para que erguesse o irmão delas. E Jesus foi e Lázaro levantou-se. E como Jesus veio para o mundo? Através de Deus que o criou e da mulher que o deu à luz. Homem, qual foi o seu papel? Mas as mulheres estão discutindo sob as bênçãos de Deus e uns poucos homens se aproximaram delas. Mas o homem está num espaço apertado, o pobre escravo parte para cima dele, a mulher parte para cima dele, certamente ele está entre um falcão e uma águia. | ” |
O discurso registrado por Frances GageEditar
Frances Gage registrou o discurso de Truth em History of Woman Suffrage no que, segundo ela, era o dialeto falado por Sojourner Truth (cuja língua nativa era o holandês, então ainda usado em Nova York). Como o dialeto soa estranho mesmo para um leitor moderno em inglês, faz-se necessária uma versão atualizada:
- Bem, crianças, onde há muita confusão deve haver algo de errado. Penso que entre os negros do Sul e as mulheres do Norte, todos falando sobre direitos, os homens brancos vão muito em breve ficar num aperto. Mas sobre o que todos aqui estão falando?
- Aquele homem ali diz que as mulheres precisam ser ajudadas a entrar em carruagens, e erguidas para passar sobre valas e ter os melhores lugares em todas as partes. Ninguém nunca me ajudou a entrar em carruagens, a passar por cima de poças de lama ou me deu qualquer bom lugar! E não sou mulher? Olhem pra mim! Olhem pro meu braço! Tenho arado e plantado, e juntado em celeiros, e nenhum homem poderia me liderar! E não sou uma mulher? Posso trabalhar tanto quanto e comer tanto quanto um homem - quando consigo o que comer - e aguentar o chicote também! E não sou uma mulher? Dei à luz treze filhos, e vi a grande maioria ser vendida para a escravidão, e quando eu chorei com minha dor de mãe, ninguém, a não ser Jesus me ouviu! E não sou mulher?
- Então eles falam sobre essa coisa na cabeça; como a chamam mesmo? [alguém na plateia sussurra, "intelecto"] É isso, meu bem. O que isso tem a ver com os direitos das mulheres ou dos negros? Se a minha xícara não comporta mais que uma medida, e a sua comporta o dobro, você não vai deixar que a minha meia medidazinha fique completamente cheia?
- Depois aquele homenzinho de preto ali disse que as mulheres não podem ter tantos direitos quanto os homens, porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com Ele.
- Se a primeira mulher feita por Deus teve força bastante para virar o mundo de ponta-cabeça sozinha, estas mulheres juntas serão capazes de colocá-lo na posição certa novamente! E agora que elas estão querendo fazê-lo, é melhor que os homens permitam.
- Obrigado aos que me ouviram, e agora a velha Sojourner não tem mais nada a dizer.
Palavras finais de Frances GageEditar
O seguinte relato contemporâneo foi extraído de History of Woman Suffrage de Gage:
- Em meio a um bramido de aplausos, ela voltou ao seu canto deixando muitas de nós com os olhos cheios de lágrimas, e os corações repletos de gratidão. Ela havia nos tomado em seus braços fortes e nos carregado em segurança sobre um charco de dificuldades, virando totalmente a maré a nosso favor. Eu nunca antes em minha vida havia visto algo como a influência mágica que subjugou o espírito de desordem daquele dia, e transformou as zombarias e ironias de uma multidão excitada em comentários de respeito e admiração. Centenas afluíram para apertar as mãos dela, e congratular a velha mãe gloriosa, e desejar-lhe sucesso em sua missão de "testemunhar contra a maldade desta gente".
Referências
- ↑ «Amazing Life page». Sojourner Truth Institute site. 28 de dezembro de 2006