Aridez
Aridez é uma característica do clima que resulta do déficit hídrico gerado pela insuficiência da precipitação média e face à evapotranspiração potencial numa dada região. Assim, o grau de aridez depende da diferença entre a quantidade de água proveniente da precipitação e a perda máxima possível de água através da evaporação e transpiração (a evapotranspiração potencial). Quando a evapotranspiração potencial excede a precipitação, o consequente deficit hídrico conduz a uma crescente falta de água disponível, que no limite se traduz numa insuficiência de precipitação que limita ou impede o crescimento e desenvolvimento da vida vegetal e animal.[2][3] Ambientes sujeitos a elevada aridez tendem a ter vegetação esparsa ou mesmo ausente, sendo em geral designados por regiões de clima árido ou desértico. Cerca de 30% da superfície emersa da Terra é ocupada por regiões consideradas como de elevada aridez.[4]
Descrição
editarA aridez é um fenómeno climático resultante de uma baixa precipitação face à capacidade evaportiva resultante da temperatura do ar e da humidade relativa prevalecentes na região, fatores que se traduzem no evapotranspirativo do ambiente local. Nas chamadas regiões áridas, a precipitação é persistentemente inferior à evapotranspiração potencial (denominada ETP), ou seja o potencial evapotranspirativo é superior ao aporte hídrico trazido pela precipitação.
A aridez, em diversos graus, está presente em quase 30% das terras emersas,[5] distribuindo-se por várias latitudes, embora as regiões mais afetadas se concentrem em zonas áridas próximas dos trópicos devido à presença nessas regiões da parte descendente das células de Hadley.
As zonas áridas são caracterizadas por um déficit crónico de precipitação e a aridez é tradicionalmente caracterizado pela seca, especialmente quando esta limita severamente o crescimento vegetal ou faz com que as plantas morram.[6] O aquecimento global, e as consequentes mudanças climáticas ameaçam vastas regiões do planeta com uma crescente aridificação, aqui entendida como uma mudança gradual ou repentina no clima levando a uma situação de crescente aridez.
Sendo a aridez uma noção espacial, uma região pode ser qualificada como árida, mas o conceito não deve ser aplicado a períodos de tempo, embora seja frequente o uso, incorreto, de expressões como «mês de maior aridez» ou «verão árido».
Apesar das diferentes classificações climáticas em uso, existem três graus comuns em quase todos os índices de aridez:
- hiper-árido — precipitação média anual de 10 a 15 mm;
- árido — precipitação média anual de 50 a 150 mm na zona tropical, distribuída em chuvas sazonais;
- semi-árido — precipitação média anual até 500 mm, com sazonalidade acentuada.
A aridez é causada principalmente pela crista subtropical, um cinturão de anticiclones subtropicais semi-permanentes (gerando os desertos zonais e costeiros). Também pode ser devido à ocorrência de subsidência do ar atrás de um obstáculo no relevo favorecendo o efeito foehn no caso de desertos resultantes de sombra orográfica, ou mesmo ao afastamento da região em relação às costa, o que limita a chegada da humidade proveniente do oceano.
Quanto maior o albedo (refletividade), menor a absorção e a radiação é refletida de volta para o espaço. No caso de um domínio árido, o albedo é muito alto e muita energia solar é refletida, privando a vegetação de potencial de desenvolvimento ao mesmo tempo que serve para aquecer o ar que promove a evapotranspiração e a aridificação.
Ao nível do solo, a aridez leva a uma rarefação dos seres vivos e a uma adaptação destes a essas condições xéricas. Causa lacunas hidrológicas: chuvas baixas e irregulares, poucas redes hidrográficas ou redes hidrográficas pouco desenvolvidas. Por fim, há um processo de erosão pelo vento e acúmulo acelerado de areias acompanhado de esgotamento do solo e falta de água.
Climas áridos
editarUma região é árida quando é caracterizada por uma grave falta de água disponível, a ponto de dificultar ou impedir o crescimento e desenvolvimento da vida vegetal e animal. Ambientes sujeitos a climas áridos tendem a carecer de vegetação e são chamados de xéricos ou desérticos. A maioria dos climas considerados áridos localizam-se próximo nos trópicos, em regiões que ocupam parte substancial da África, Ásia, América do Sul, América do Norte e Austrália.[7]
As regiões de clima árido agrupam-se em duas grandes categorias:
- Desertos e regiões áridas zonais, resultantes do ramo descendente das células de Hadley, localizados ao longo dos trópicos:
- Ao longo do Trópico de Câncer: Mojave (Estados Unidos) e mexicano, Saara, Deserto da Arábia, Irão, Deserto de Thar . O nome do estado de Arizona significa zona árida.
- Ao longo do Trópico de Capricórnio: Deserto do Atacama, Calaári, desertos australianos.
- Desertos e regiões áridas não zonais, com diferente génese:
- zonas de sombra a jusante da cordilheiras: desertos americanos da Grande Bacia, da Argentina;
- interior dos continentes: desertos da Ásia Central;
- devido às correntes marinhas frias das costas ocidentais dos continentes: desertos chileno-peruanos, Baja California, Namibe, Río de Oro.
O Manto de Gelo Antártico (o inlandsis antártico), bem como algumas áreas do Ártico, apresentam pouca precipitação e estão tecnicamente entre as regiões mais áridas do mundo. No entanto, estes não são ambientes onde a água esteja ausente, pois está presente na forma de gelo. A ausência de cobertura vegetal devido ao frio, mais do que a ausência de água, significa que não associamos necessariamente o clima dos mantos de gelo (ou inlandsis) ao discurso habitualmente dedicado à problemática da aridez.[8]
Índices de aridez
editarUm índice de aridez (IA) é um indicador numérico do grau de secura do clima em uma determinada região. Desde os anos finais do século XIX que vários índices de aridez foram sendo propostos, com usos diferentes e períodos de maior ou menor intensidade de utilização. Esses indicadores servem para identificar, localizar ou delimitar regiões com variável déficit de água disponível, condição que pode afetar severamente o uso efetivo da terra para atividades como agricultura ou pecuária.[9]
O cálculo de um índice de aridez, assim como a classificação dos climas, sempre foi objeto de investigação em climatologia. Há uma infinidade de índices e fórmulas, alguns baseados em critérios climatológicos, outros biogeográficos.
Entre os índices de aridez mais conhecidos contam-se os de Köppen/Geiger, de Martonne (1926 a 1941), de Thornthwaite (1948), de Budyko e o de Bagnouls/Gaussen (1953 a 1957), índices de que adiante se dá uma breve descrição.
Índice de Köppen/Geiger
editarNos anos iniciais do século XX, Wladimir Köppen e Rudolf Geiger desenvolveram um conceito de classificação climática na qual as regiões áridas são definidas como aqueles locais onde em média a precipitação total anual (em centímetros) é menor que , onde:
- — se a precipitação ocorrer principalmente na estação fria;
- — se a precipitação for uniformemente distribuída ao longo do ano;
- — se a precipitação ocorrer principalmente na estação quente.
onde é a temperatura do ar média anual em graus Celsius.
Esta foi uma das primeiras tentativas de definir um índice de aridez capaz de reflectir os efeitos do regime térmico e da quantidade e distribuição da precipitação na determinação da vegetação natural possível numa região. O índice reconhece a importância da temperatura em permitir que lugares mais frios, como o norte Canadá sejam vistos como húmidos com o mesmo nível de precipitação que alguns desertos tropicais, devido aos níveis mais baixos de evapotranspiração potencial nos lugares mais frios. Nos subtrópicos, a consideração da distribuição da precipitação entre as estações quentes e frias reconhece que as chuvas de inverno são mais eficazes para o crescimento das plantas que podem florescer no inverno e ficar dormentes no verão do que a mesma quantidade de chuva de verão durante a estação quente. Assim, um lugar como Atenas, na Grécia que recebe a maior parte de suas chuvas no inverno pode ser considerado como tendo um clima húmido (como atestado pela vegetação) com aproximadamente a mesma quantidade de chuva que impõe condições semidesérticas em Midland, Texas, onde as chuvas ocorrem em grande parte no verão.
Índice de Bagnouls/Gaussen
editarO índice de aridez de Bagnouls/Gaussen (AIBG), frequentemente designado apenas por índice de aridez de Gaussen, foi desenvolvido por François Bagnouls e Henri Gaussen, sendo calculado mês a mês, considerando-se que um determinado mês é árido quando se verifica a seguinte condição:[10][11][12]
onde é a precipitação total (em mm) no mês; e é a temperatura média mensal do ar (°C) no mesmo mês.
Este índice de aridez é útil quando utilizado na construção de um diagrama ombrotérmico, em geral construídos recorrendo à escala 1 °C = milímetro.
Índice de Martonne
editarO índice de aridez de Martone (AIM), desenvolvido pelo geógrafo e climatologista Emmanuel de Martonne, permite determinar o grau de aridez de uma região com base na precipitação e na temperatura do ar. Para o calcular o índice de aridez anual é utilizada a fórmula:
onde designa a precipitação total anual e a temperatura média anual do ar (ºC). Quando calculada para um determinado mês, a fórmula assume a forma:
onde designa a precipitação total no mês e a temperatura média no mês.
Quando calculado na base anual, os limites que definem vários graus de aridez e as áreas aproximadas envolvidas são os seguintes:
Regiões hiper-áridas Déserts absolus |
(Atacama (Chile) Pavimento desértico de Tanezrufte (Saara) Vale da Morte) |
Regiões áridas Regiões desérticas |
Saara Os desertos do Arizona e de Sonora Deserto de Cavir (Irão) Deserto de Thar (Índia) Deserto de Tabernas (próximo de Almería) |
Regiões semi-áridas | Sahel Calaári Chaco (Argentina) Nordeste (Brasil) |
Regiões semi-húmidas | |
Regiões húmidas | |
Índice de Thornthwaite
editarEm 1948, C. W. Thornthwaite propôs um índice de aridez (AIT) definido como:
em que a deficiência hídrica é calculada como a soma das diferenças mensais entre a precipitação e a evapotranspiração potencial para os meses em que a precipitação normal é inferior à evapotranspiração normal; e onde representa a soma dos valores mensais da evapotranspiração potencial para os meses deficientes.[13] Este índice de aridez foi posteriormente usada para delinear as zonas áridas do mundo no contexto do programa de inventarieação de zonas áridas da UNESCO (UNESCO Arid Zone Research).[14]
Índice de Budyko
editarNos preparativos para a Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação (UNCOD), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) emitiu um mapa da distribuição global da aridez baseado num índice de aridez (AIB) proposto originalmente em 1958 por Mikhail Ivanovich Budyko e definido da seguinte forma:[15]
onde é a radiação solar líquida média anual (também conhecida como balanço de radiação líquida), é a precipitação média anual e é a calor latente de evaporação da água. Este índice é adimensional e as variáveis , e podem ser expressas em qualquer sistema de unidades que seja autoconsistente.
Índice UNEP
editarMais recentemente, o UNEP (ou PNUMA) adotou um índice de aridez (AIU), definido como:[16]
onde é a evapotranspiração potencial e é a precipitação anual média.[16] Nesta formulação, e devem ser expressos nas mesmas unidades, por exemplo, em milímetros. Neste último caso, os limites que definem vários graus de aridez e as áreas aproximadas envolvidas são os seguintes:
Classificação | Índice de aridez | % área emersa global |
---|---|---|
Hiperárido | AI < 0.05 | 7.5% |
Árido | 0.05 < AI < 0.20 | 12.1% |
Semi-árido | 0.20 < AI < 0.50 | 17.7% |
Sub-húmido seco | 0.50 < AI < 0.65 | 9.9% |
Variação temporal
editarA distribuição da aridez observada em qualquer ponto no tempo é em grande parte o resultado da circulação geral da atmosfera. Esta última muda significativamente ao longo do tempo em resultado das mudanças climáticas. Por exemplo, o aumento da temperatura (de 1,5 a 2,1%) em toda a Bacia do Nilo nos próximos 30 a 40 anos pode mudar a região de semi-árida para árida, resultando numa redução significativa das terras agrícolas disponíveis naquela região.[17][18] Além disso, mudanças no uso da terra podem resultar em maiores consumos da água do solo e induzir um maior grau de aridez.[19]
Referências
- ↑ Soil Genesis and Development, Lesson 6 - Global Soil Resources and Distribution sur passel.unl.edu
- ↑ Griffiths, J. F. (1985) 'Climatology', Chapter 2 in Handbook of Applied Meteorology, Edited by David D. Houghton, John Wiley and Sons, ISBN 0-471-08404-2.
- ↑ Durrenberger, R. W. (1987) 'Arid Climates', article in The Encyclopedia of Climatology, p. 92–101, Edited by J. E. Oliver and R. W. Fairbridge, Van Nostrand Reinhold Company, New York, ISBN 0-87933-009-0.
- ↑ Roger Coque, Géomorphologie, Paris, Armand Colin, 1977, 1998, ISBN 2200217390, p.231
- ↑ Roger Coque, Geomorfologia, Paris, Armand Colin, 1977, 1998, ISBN 2200217390, p.231
- ↑ Dictionnaire de l'Académie française, 1st Edition (1694).
- ↑ Blue Peace for the Nile Report, 2009, Strategic Foresight Group.
- ↑ Conservation pour une ère nouvelle. Jeffrey A.McNeely, Susan A.Mainka IUCN, 2009 Consultar em linha
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- ↑ Gaussen, Henri; F., Bagnouls (12 de janeiro de 1952). «L'indice xérothermique» [The xerothermic index]. Bulletin de l'Association de géographes français (em francês). 29 (222–223): 10–16. doi:10.3406/bagf.1952.7361
- ↑ Gaussen, Henri; Bagnouls, F. (1953). Saison sèche et indice xérothermique [Dry seasons and the Xerothermic index] (em francês). [S.l.]: University of Toulouse, Faculty of Sciences. OCLC 893798321
- ↑ Gaussen, Henri; Bagnouls, F. (1957). «Les climats biologiques et leur classification» [Biological climates and their classification]. Annales de Géographie (em francês). 6 (355): 193–220. doi:10.3406/geo.1957.18273
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- ↑ Meigs, P. (1961) 'Map of arid zone', in Laurence Dudley Stamp (editor) A History of Land Use in Arid Regions, UNESCO Arid Zone Research, Publication XVII, Paris, 1961.
- ↑ Budyko, M. I. (1958) The Heat Balance of the Earth's Surface, trs. Nina A. Stepanova, US Department of Commerce, Washington, D.D., 259 p.
- ↑ a b UNEP (1992) World Atlas of Desertification.
- ↑ Climate Change and its Implications for the Nile Region
- ↑ Benjamin T. Pennington et al., Aridification of the Egyptian Sahara 5000–4000 cal BP revealed from x-ray fluorescence analysis of Nile Delta sediments at Kom al-Ahmer/Kom Wasit. Quaternary International 514 (January 2019) (DOI:10.1016/j.quaint.2019.01.015).
- ↑ Reiji Kimura & Masao Moriyama, Use of a Satellite-Based Aridity Index to Monitor Decreased Soil Water Content and Grass Growth in Grasslands of North-East Asia. Remote Sensing 2020, 12, 3556; (doi:10.3390/rs12213556).
Bibliografia
editar- Budyko, M. I. (1958) The Heat Balance of the Earth's Surface, trs. Nina A. Stepanova, US Department of Commerce, Washington, D.D., 259 p.
- Huschke, Ralph E. (1959) Glossary of Meteorology, American Meteorological Society, Boston, Second printing-1970.
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- Meigs, P. (1961) 'Map of arid zone', in L. D. Stamp (Editor) A History of Land Use in Arid Regions, UNESCO Arid Zone Research, Publication XVII, Paris, 388 p.
- UNCOD Secretariat (1977) Desertification: Its causes and consequences, Pergamon Press, 448 p.
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- Blue Peace for the Nile Report, 2009, Strategic Foresight Group