Autorretrato com dois alunos

pintura de Adélaïde Labille-Guiard

Autorretrato com Duas Alunas (em francês, Autoportrait avec deux élèves) é um autorretrato de 1785 de Adélaïde Labille-Guiard que retrata a artista com duas de suas alunas, Marie-Gabrielle Capet e Marie-Marguerite Carreaux de Rosemond. Faz parte do acervo do Metropolitan Museum of Art.[1]

Autorretrato com dois alunos
Autorretrato com dois alunos
Autor Adélaïde Labille-Guiard
Data 1785
Gênero autorretrato, retrato de grupo
Técnica tinta a óleo, tela
Dimensões 210,8 centímetro x 151,1 centímetro
Localização Museu Metropolitano de Arte

Descrição e Análise

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A composição executada por Adélaïde Labille-Guiard em 1785, figura-se não apenas como um exercício de virtuosismo técnico, mas como um manifesto visual de elevada eloquência política e social, que sutilmente reivindica para as mulheres artistas um espaço de autoridade no cenário institucional da arte francesa setecentista. Exibido no célebre Salon de Paris daquele ano, o quadro suscitou aplausos não apenas pela delicadeza da execução e pela naturalidade do gesto pictórico representado, mas sobretudo pela carga simbólica subjacente, que articula, em um mesmo gesto, afirmação de identidade, pedagogia e reivindicação de estatuto profissional.

A cena representa a própria artista em pleno ato de criação, trajada com um vestido de cetim azul cintilante, ornado com rendas e fitas de seda, adereço que, em sua inegável opulência e aparente impraticabilidade, alude tanto à convenção do retrato de aparato quanto à tentativa deliberada de inscrever o ofício pictórico feminino na esfera da respeitabilidade social e da distinção cultural. Labille-Guiard empunha pincéis e paleta, denotando não apenas a sua condição de autora da imagem, mas também a autoridade técnica que a legitima, enquanto suas discípulas, Marie Gabrielle Capet e Marguerite Carreaux de Rosemond, posicionam-se como figuras silenciosas, cuja presença não é mero adorno, mas afirmação de uma rede de transmissão de saberes entre mulheres — um dado incomum e profundamente subversivo no contexto da Academia Real de Pintura e Escultura.[2]

A temporalidade da obra é decisiva: datada de 1785, ela sucede à admissão histórica de Labille-Guiard, em 1783, na prestigiosa Academia Real, episódio que coincidiu com a igualmente controversa admissão de sua contemporânea Élisabeth Vigée Le Brun. O fato de que, à época, o número de mulheres admitidas à corporação estivesse restrito a quatro não é um dado marginal, mas uma delimitação institucional que reforça o caráter político e pedagógico do autorretrato em questão. Labille-Guiard, ao incluir explicitamente suas pupilas no espaço de representação, forja uma declaração visual sobre a legitimidade da mulher não apenas como artista consumada, mas como mestra, investida do poder de perpetuar um saber tradicionalmente reservado ao domínio masculino.[3]

O cenário arquitetônico que compõe o pano de fundo — colunas coríntias e espelhos convexos — não é apenas ornamento clássico, mas cifra visual da perenidade e da autoridade acadêmica, posicionando o ato da pintura e da transmissão do conhecimento no seio de uma ordem estética legitimada pela tradição. Nesse sentido, a obra opera como uma interseção entre a autorrepresentação privada e a inserção pública, enquanto o gesto da artista revela-se simultaneamente um gesto de criação e um gesto de autoinscrição histórica.[4]

As relações que Labille-Guiard cultivava com o círculo aristocrático feminino, em especial com as filhas de Luís XV — as Mesdames de France —, conferem à sua trajetória um caráter ainda mais emblemático: sua ascensão social e sua notoriedade como retratista não podem ser dissociadas do apoio institucional conferido por essas patronas, cujas encomendas e recomendações mitigavam os obstáculos impostos pela estrutura patriarcal das academias.[5]

Em síntese, Autorretrato com Duas Alunas não é uma mera afirmação de identidade pessoal, mas antes um artefato visual polifônico, que alinha pedagogia, diplomacia social e militância velada, configurando-se como uma das mais lúcidas defesas da competência artística e intelectual das mulheres no crepúsculo do Antigo Regime.

Ver também

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Referências

  1. Self-Portrait with Two Pupils, Marie Gabrielle Capet (1761–1818) and Marie Marguerite Carraux de Rosemond (1765–1788). The MET. Consultado em 21 de abril de 2025
  2. Garb, Tamar. Sisters of the Brush: Women's Artistic Culture in Late Nineteenth-Century Paris. Yale University Press, 1994.
  3. Sheriff, Mary D. The Exceptional Woman: Elisabeth Vigée-Lebrun and the Cultural Politics of Art. University of Chicago Press, 1996.
  4. Crow, Thomas. Painters and Public Life in Eighteenth-Century Paris. Yale University Press, 1985.
  5. Hyde, Melissa. “The ‘Old Academy’ and the ‘New Salon’: The Place of Women in the French Royal Academy of Painting and Sculpture.” Eighteenth-Century Studies, vol. 47, no. 2, 2013, pp. 127–150.