Belisário Penna
Belisário Augusto de Oliveira Penna (Barbacena, 29 de novembro de 1868 — Engenheiro Paulo de Frontin, 4 de novembro de 1939) foi um médico sanitarista brasileiro.[1]
Belisário Penna | |
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Nascimento | 29 de novembro de 1868 Barbacena |
Morte | 4 de novembro de 1939 (70 anos) Engenheiro Paulo de Frontin |
Cidadania | Brasil |
Alma mater | |
Ocupação | servidor público, médico de saúde pública, cientista da saúde pública |
Biografia
editarFilho do Visconde de Carandaí e de Lina Leopoldina Lage Duque, um casal de descendentes de grandes proprietários de terras, que teve oito filhos, foi criado em ambiente nobre. Fez os cursos primário e ginasial em sua cidade natal, no tradicional Colégio Abílio.[2]
Matriculou-se em 1896 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, mas se formaria pela Faculdade de Medicina da Bahia, no ano de 1890,[3] quando se casou com a filha do fundador e diretor da faculdade, Ernestina Rodrigues Chaves, para retornar a Barbacena. Ali, uma região tomada de agricultores de origem italiana, clinicou por alguns anos, tentando também trabalhar nos arredores, até fixar-se em Juiz de Fora. Tendo tido quatro filhos com Ernestina, apenas dois dos quais sobreviveram, viu-a morrer de febre amarela. Indo visitar o sogro na Bahia, casou-se com a irmã da primeira esposa, Maria Augusta Chaves. Com ela teve nove filhos,[2] incluindo Eunice Penna, futura esposa de Renato Kehl.[4]
Como o trabalho não lhe dava o suficiente para a manutenção da família, dedicou-se ao comércio, abrindo uma firma de produtos alimentícios, a Belisário Penna & Cia., que não prosperou. Mesmo eleito vereador, continuou vivendo precariamente, recebendo auxílio da família.
Com a entrada de Oswaldo Cruz na Diretoria Geral de Saúde Pública, realizaram-se concursos para as campanhas sanitárias de combate às doenças que assolavam o Rio de Janeiro (peste bubônica, febre amarela e varíola). Belisário Penna foi aprovado na seleção e, abandonando seu cargo de vereador, mudou-se em 1903 para o Rio de Janeiro, onde tomou posse como inspetor sanitário na 4ª Delegacia de Saúde, para combater a varíola. Enfrentando ameaças, conseguiu dominar a intensa epidemia de varíola até então vivida na região a seu cargo, tomando medidas duras para garantir a vigilância médica e vacinação, no contexto histórico em torno da Revolta da Vacina.[2][5] Em 1905 foi transferido para trabalhar na Inspetoria de Profilaxia Rural da Febre Amarela em Saúde e Gamboa.[3] Após estudar o desenvolvimento das larvas do mosquito transmissor, propôs um modo de ação para destruição dos focos que alcançou pleno êxito, sendo estendido a toda a campanha no Rio de Janeiro.[5]
Em 1906, parabenizado oficialmente por Oswaldo Cruz, foi designado para combater a malária no norte de Minas Gerais, onde permaneceu por três anos. Ali, teve papel fundamental na descrição da doença de Chagas, uma das principais descobertas médicas do período.[6] Em 1910, acompanhou Cruz em expedição científica para a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, estudando as condições sanitárias da região e propondo, ao seu lado, um plano de combate à malária. No retorno ao Rio de Janeiro, passando por Belém, foi convocado por Cruz para participar da Comissão de Profilaxia da Febre Amarela naquela capital, que ele havia sido contratado para implantar.[2] Cruz ofereceu-lhe a presidência, mas Penna não aceitou.[5]
Um ponto de inflexão ocorreria em sua carreira como sanitarista, ao percorrer em 1912, ao lado de Artur Neiva, por sete meses, regiões da Bahia, Pernambuco, Piauí e Goiás, em nome do Instituto Oswaldo Cruz, com o fim de estudar as condições sanitárias e os problemas de saúde regionais.[2] No ano seguinte, percorreu, por conta própria, os três estados do Sul do Brasil.[1] Em 1914, reassumiu o cargo de inspetor sanitário no Rio de Janeiro, passando a trabalhar nos subúrbios da Estrada de Ferro Leopoldina. Em 1916, instalou o primeiro Posto de Profilaxia Rural do país, em Vigário Geral.[3][2]
Desde então, através do jornal Correio da Manhã, iniciou uma campanha pelo saneamento físico e moral do país. Em 1918, publicou o livro Saneamento do Brasil, reunindo seus artigos. O livro alcançou ampla repercussão, levando à fundação da Liga Pró-Saneamento do Brasil, da qual Penna foi eleito presidente, e à decisão do Presidente Venceslau Brás, profundamente impressionado, de criar o Serviço de Profilaxia Rural, no mesmo ano. Belisário Penna foi nomeado para dirigir a instituição, tendo fundado postos sanitários em subúrbios e zonas rurais e combatido a epidemia de gripe espanhola que assolava a região. A Liga Pró-Saneamento do Brasil alcançou seu objetivo final com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), em 1920.[5]
Entre 1920 e 1922, Belisário Penna foi diretor de Saneamento e Profilaxia Rural do DNSP, instalando em 15 estados os serviços de profilaxia rural.[3] Exonerou-se por não concordar com as interferências políticas no departamento.[5]
Em 1921, publicou O clamor da verdade, um livro sobre medicina social. Em 1923, a pedido do Presidente de São Paulo, Washington Luís, escreveu o livro Higiene para o Povo, para alunos da escola primária, que teve 75 mil exemplares, e outro, Higiene brasileira, para professores, que não chegou a ser publicado.[5][7][1]
Em 1924, foi publicamente a favor da revolta do Movimento Tenentista contra o governo de Artur Bernardes, sendo por isso preso por seis meses. É citado com grande entusiasmo por Monteiro Lobato no livro Mr. Slang e o Brasil. Na voz de Mr. Slang, Penna seria um dos 30 “homens-força” do Brasil, e por sua atuação, preconiza que acabaria na colônia penal de Clevelândia. Suspenso das funções de delegado de saúde, Penna prosseguiu em sua campanha pelo saneamento na imprensa, tendo percorrido novamente o país em propaganda da empresa farmacêutica Laboratório Daudt, Oliveira & Cia.[2]
Reintegrado em 1927 ao serviço público, passou a ocupar a chefia do Serviço de Propaganda e Educação Sanitária, percorrendo os estados de Minas Gerais, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, até ser requisitado pelo governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, para organizar o serviço estadual de higiene.[3][2]
Participou da Revolução de 1930, logo após a qual foi nomeado para a chefia do DNSP, em substituição a Clementino Fraga. Em sua gestão, criou e intensificou os serviços de profilaxia de doenças oftalmológicas contagiosas e de lactários, intensificou o combate à febre amarela etc. Em duas ocasiões, em setembro de 1931 e dezembro de 1932, mantendo a direção do DNSP, foi indicado ministro da Educação e Saúde Pública no governo Getúlio Vargas. Aproveitando seu prestígio no governo, pediu ao presidente a autonomia técnica do DNSP (em lugar da criação de um novo ministério), do ensino e da assistência pública, para evitar sua direção por políticos.[1][3][5][8]
No final de 1935 ingressou na Ação Integralista Brasileira, tendo sido membro da Câmara dos 40, órgão supremo da entidade.[9] Sobre sua adesão ao Integralismo, escreveu:[5]
“ | Do exposto posso responder que sou integralista, porque já o era desde mais de vinte anos; porque creio em Deus e pratico a moral cristã; porque não sou um instintivo e quero o primado do espírito sobre a matéria; porque não sou regionalista e amo com igual afeto os patrícios de todas as regiões do nosso Brasil, que quero unidos, integrados numa só aspiração, num só sentimento; porque amo a família, célula mater da sociedade, que, sem ela, não passa de um rebanho de animais, como ora acontece na Rússia; porque, finalmente, tenho plena e absoluta confiança em Plínio Salgado, o criador e o chefe nacional do integralismo, predestinado por Deus para libertar o Brasil do regionalismo destruidor da pátria, da sua escravização ao capitalismo internacional e da calamidade da peste bolchevista. | ” |
Após o Levante Integralista, em 1938, retirou-se para sua fazenda, no interior do Rio de Janeiro, onde faleceu no ano seguinte, de infarto fulminante. Suas palavras foram relatadas pela esposa do administrador da fazenda: "Só quero é que no outro mundo eu tenha mais sossego do que neste... e parou por alguns instantes. Depois levantou a cabeça e disse: isto é, eu não posso me queixar deste, pelo contrário, até fui muito feliz".[5]
Ideias
editarFoi um dos introdutores no Brasil das teoria da eugenia e membro ativo da Comissão Central Brasileira de Eugenia, da qual se originou a Liga Pró-Saneamento. No contexto da época e da América Latina, o termo "eugenia" era sinônimo da adoção de práticas preventivas para aperfeiçoamento moral e físico da hereditariedade de uma população, com um caráter de reformismo social.[4] Defendia uma educação higiênica nos lares, escolas e cidades, valorizando questões morais, erradicando maus hábitos e modelando o trabalho e a família, de forma a assegurar a saúde e produtividade da população.[6] Tinha visões semelhantes às do eugenista Roquette-Pinto, e opostas às de Renato Kehl.[4]
Na questão racial, Penna evitava os determinismos, substituindo-os, na análise dos males do povo brasileiro, pelo que chamou de "trindade maldita": doença, analfabetismo e alcoolismo. Identificadas as causas, a aplicação do saneamento revelaria a "nossa raça forte", afirmando que "não admito esse conceito de raças e sub-raças, com superioridade de umas sobre outras". Defendia a miscigenação como algo agregador, a ser assegurado pelo movimento sanitarista, na medida em que atribuía à "trindade" os verdadeiros males do tipo racial brasileiro, cuja correção aperfeiçoaria o brasileiro como uma "raça única e forte". Reforçava a visão racial de Alberto Torres. Em especial, o alcoolismo assumiu um papel de destaque no discurso de Penna como um dos responsáveis pela degeneração da raça e para corroborar a negação das teses deterministas, estando presente em todas as etapas da campanha do saneamento e na atuação de Penna como homem público. Acreditava-se que "venenos raciais" como o álcool poderiam levar "a degenerações permanentes, hereditárias, que a longo prazo poderiam afetar populações ou nações inteiras". Penna considerou o álcool o elemento reprodutor de degenerados, um dos principais responsáveis para a propagação de criminosos e um líquido que preparava o corpo para as doenças, como a tuberculose. Desse ponto de vista atribuía a uma "hereditariedade etílica" a criação de "monstros físicos e morais" e clamava pela intervenção do Estado.[4]
Em sua concepção, era dever do Estado intervir para a melhoria das condições sociais, inclusive no investimento em habitações para debelar doenças, e para regular a sociedade contra práticas "prejudiciais", com o fim de "sanear a hereditariedade". O movimento sanitarista de Penna atuou como propositor de ações centralizadas, nacionais e tecnicamente autônomas que reforçavam a ação do Estado na saúde pública.[4]
Para ele, o verbo "sanear" ultrapassava o significado técnico-científico e se tornava ação permanente de transformação político-social. Seu ideário de saneamento vinha de uma tradição higienista de teor nacionalista, como se pode ver no primeiro parágrafo de sua obra Saneamento do Brasil: "Desejando concorrer com meu quinhão para a Defesa Nacional, expressão que não significa apenas a organização da força armada, mas a de uma série de elementos de natureza higiênica, política, social, moral e econômica, que devem se congregar e funcionar harmonicamente, há muito que venho me batendo pela defesa da saúde, base da eficiência individual e coletiva, elemento primordial da força, da resistência, do trabalho e da produção".[4]
Obras publicadas
editar- Minas e Rio Grande do Sul: estado da doença, estado da saúde (1918)
- Saneamento do Brasil (1918)
- Opilação ou amarelão (1918)
- Defesa sanitária do Brasil (1922)
- O demônio da humanidade (sobre o álcool) (1922)
- Higiene para o povo. Amarelão e maleita (1924)
Ver também
editarReferências
- ↑ a b c d Biografia na página do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)
- ↑ a b c d e f g h SANTOS, Ricardo Augusto dos (28 de setembro de 2018). «O sanitarista Belisário Penna (1868-1939), um dos protagonistas da história da saúde pública no Brasil». Brasiliana Fotográfica. Consultado em 19 de maio de 2023
- ↑ a b c d e f «Belisário Augusto de Oliveira Penna - Base Arch». basearch.coc.fiocruz.br. Consultado em 6 de abril de 2021
- ↑ a b c d e f CARVALHO, Leonardo Dallacqua de (julho de 2022). «Sanear é eugenizar: a eugenia "preventiva" de Belisário Penna a serviço do saneamento do Brasil, 1920-1930». Manguinhos. História, Ciência, Saúde. 29 (3). Consultado em 19 de maio de 2023
- ↑ a b c d e f g h i Thielen, Eduardo Vilela; Santos, Ricardo Augusto dos (agosto de 2002). «Belisário Penna: notas fotobiográficas». História, Ciências, Saúde-Manguinhos (2): 387–404. ISSN 0104-5970. doi:10.1590/S0104-59702002000200008. Consultado em 7 de novembro de 2020
- ↑ a b Silva, Cintia Rufino Franco. «Intelectuais e o Integralismo: Belisário Penna e o sanitarismo no Brasil dos anos 30» (PDF). Grupo de Estudos de Política da América Latina. Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro. Consultado em 6 de abril de 2021
- ↑ CARVALHO, Leonardo Dallacqua de. Higiene Brasileira: As lições de Belisário Penna para as escolas normais (maio de 2020).
- ↑ «CPDOC - Verbete biográfico - ARTUR GUIMARAES DE ARAUJO JORGE». Fundação Getúlio Vargas. Consultado em 6 de novembro de 2020
- ↑ CARVALHO, Dallacqua de, Leonardo (Junho de 2019). «O saneador do Brasil : saúde pública, política e integralismo na trajetória de Belisário Penna (1868-1939).» (PDF). Tese de doutorado Fiocruz. Consultado em 9 de julho de 2019
Bibliografia
editar- CARVALHO, Leonardo Dallacqua de. O SANEADOR DO BRASIL: SAÚDE PÚBLICA, POLÍTICA E INTEGRALISMO NA TRAJETÓRIA DE BELISÁRIO PENNA (1868-1939). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2019 [1]
- «THIELEN, Eduardo Vilela; SANTOS, Ricardo Augusto dos; Belisário Penna: notas fotobiográficas, in:Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.9 no.2 Rio de Janeiro May/Aug. 200»
Ligações externas
editar- Arquivo Pessoal de Belisário Penna sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz
- «Arquitextos: Detritos da civilização: eugenia e as cidades no Brasil»
- «Biografia no CPDOC da Fundação Getúlio Vargas»
- Belisário Penna Biografia, Tradição Pátria e Família
Precedido por Francisco Campos |
Ministro da Educação do Brasil 1931 |
Sucedido por Francisco Campos |