Cílaces (em latim: Cylaces ou Gylaces) foi oficial do Reino da Armênia que fugiu ao Império Sassânida e foi acolhido pelo Sapor II (r. 309–379). Foi enviado por Sapor para capturar Artogerassa, onde a rainha-mãe armênia Paranzém e seu filho Papas estavam abrigados, mas desertou e ajudou Papas a fugir. Noel Lenski e Cyril Toumanoff pensam que o mardepetes Glaces (em armênio: Գլակ; romaniz.:Głak) citado por Fausto, o Bizantino pode ser associado a Cílaces. Toumanoff também o liga, a partir de referência presente na obra de Fausto, ao mardepetes anônimo (somente identificado como o título de hair) ativo nos reinados de Tigranes VII (r. 339–350) e Ársaces II (r. 350–368).

Cílaces
Nacionalidade Reino da Armênia
Etnia Armênio
Religião Cristianismo armênio

Vida editar

Segundo Amiano Marcelino editar

 
Dinar de Sapor II (r. 309–379)
 
Soldo de Valente (r. 364–378)

Era eunuco e havia sido prefeito da gente na Armênia. Desertou com Arrabanes ao Império Sassânida e foi com este acolhido pelo Sapor II (r. 309–379), que em 368 os envia à Armênia para governar o país e destruir Artogerassa, onde a rainha-mãe Paranzém e seu filho Papas estavam se escondendo.[1] Não lograram tomar Artogerassa devido às condições climáticas e sua posição. Cílaces, por "ser hábil no bajular como uma mulher" segundo Amiano Marcelino, consegue garantias de que não seria ferido e se aproxima dos muros com Arrabanes. Depois, convence-os a deixá-los entrar, sob alegação de que com uma rápida rendição apaziguariam a natureza violenta de Sapor, que era homem de crueldade sem precedentes.[2]

Nos eventos subsequentes, Papas consegue fugir ao Império Romano e o imperador Valente (r. 364–378) acolhe-o em Neocesareia, enquanto Cílaces e Arrabanes ajudam os sitiados a derrotar o exército persa.[3] Enviam emissários a Valente pedindo que ajudasse e apoiasse Papas como rei, mas a ajuda não foi prestada e Papas foi devolvido junto do general Terêncio para governar o reino, mas sem emblemas reais. Ao saber disso, Sapor reuniu forças maiores e começou a devastar a Armênia. Papas, Cílaces e Arrabanes, temerosos e cientes de que não haveria ajuda, refugiam-se nas altas montanhas que separavam o Império Romano de Lázica.[4]

Permanecem escondidos por cinco meses em bosques profundos e desfiladeiros de montanhas, escapando de várias tentativas de Sapor para encontrá-los.[4] Sob pretexto de uma aliança futura, Sapor repreendeu Papas através de mensageiros secretos, alegando que era escravo de Cílaces e Arrabanes sob a aparência de poder real. Papas, precipitadamente, mata-os e envia suas cabeças para Sapor em Ctesifonte como sinal de submissão.[5] Noel Lenski pensa que Cílaces pode ser associado ao Glaces citado por Fausto, o Bizantino;[6] Cyril Toumanoff concorda e corrige seu nome para Gílaces.[7] Nicholas Adontz também concorda com a identificação.[8]

Segundo Fausto, o Bizantino editar

 
Soldo de Juliano, o Apóstata (r. 361–363)
 
A campanha persa de Juliano

Toumanoff considerou que o hair do tempo de Tigranes e Ársaces fosse Glaces (associado ao Cílaces de Amiano Marcelino) citado durante o reinado de Papas (r. 370–374).[9] De acordo com Fausto, o Bizantino, em 352, quando Isaque foi feito católico, o clérigo foi confiado aos cuidados do hair que, juntamente com dez nacarares, levou-o a Cesareia Mázaca para ser consagrado.[10] Depois, designado por Fausto como eunuco, homem de coração amaldiçoado e malfeitor malicioso, causou a morte de vários nacarares que não cometeram crime algum, em especial das famílias Restúnio e Arzerúnio. Matou quase os clãs inteiros, inclusive mulheres, mas os varões Tatzates Restúnio e Savaspes Arzerúnio foram salvos por Bassaces I e Artavasdes II;[11] Moisés de Corene alegou que o expurgo foi feito por ordem do rei pela insubordinação de Zora Restúnio, tio de Tatzates, que devia lutar com o imperador Juliano (r. 361–363) em sua invasão ao Império Sassânida de Sapor II em 363.[12]

Em 353, após Narses (r. 353–373) ser eleito católico, o hair e outros nobres levaram-no a Cesareia para ser consagrado.[13] Segundo Fausto, nesse tempo o hair era alegadamente mais amaldiçoado e moralmente tolo e mais ímpio e injusto que quaisquer mardepetes anteriores e tal como no tempo de Tigranes, sob Ársaces cometeu maldades. Quando Narses viajava pela Armênia visitando seus distritos, o hair foi a seu principado e decidiu ir aos lugares santos de Astisata para orar e receber a bênção de Narses. Chegando, Narses e o hair abençoaram um ao outro e o hair perambulou da residência episcopal às capelas dos santos. Quando voltou, entrou na sala de jantar, sentou-se e começou a comer e beber. Quando estava saciado e bêbado, falou arrogante e presunçosamente, insultando o rei Tirídates III (r. 287–330) e os reis mortos e vivos da dinastia arsácida:[14]

Por que locais como esse foram dados não a homens, mas pessoas vestidas com trajes de mulheres? Devemos demolir esses lugares, pois uma mansão real deveria ser construída aqui. E se eu, hair mardepetes, retornar vivo ao rei, substituirei o que está aqui, removerei as pessoas daqui e construirei um aposento real.

Narses retrucou e o hair deixou os lugares sagrados. Desceu ao longo do rio Eufrates, até um vale denso com florestas de ameixoeiras selvagens, perto da confluência dos dois rios onde antes o rei Sanatruces I (r. 88–110) construíra Nísibis. Ali, quando o hair estava numa carroça viajando na estrada, Savaspes Arzerúnio se aproximou e contou uma história fictícia de que viu um urso branco. O hair se encantou e foi convencido a montar num corcel para procurá-lo. Entraram na floresta e esperaram e quando estavam nos arbustos, Savaspes ficou um pouco para trás e atingiu-o com uma flecha. Fausto alega que o hair pereceu,[14] mas por associá-lo a Glaces, Toumanoff cogita que ainda estava vivo depois disso.[9]

Segundo Fausto, o general romano Terêncio e o armênio Musel I Mamicônio deixaram Glaces como mardepetes e guardião da fronteira em Ganzaca com 30 000 lanceiros. Ele enviou mensagem a Sapor II prometendo trair Papas, Terêncio e Musel e o xá enviou-lhe grande quantidade de dinheiro como presente. Porém, outros nacarares como Genelo de Anjevacique secretamente informaram Papas sobre isso. Papas ordenou que Glaces entregasse suas tropas a Genelo e fosse vê-lo, pois pretendia entregar-lhe a Sapor para servi-lo. Glaces pensou que seria o momento para cumprir sua promessa e então enviou uma mensagem à vila real de Andeanque, em Airarate. Foi diante de Papas, que o exaltou muito e ordenou que fosse vestido com um manto de honra.[15]

Glaces foi convidado para jantar com o rei e foi conduzido ao local onde o aguardava. Ao chegar, foi empurrado pelos soldados que portavam escudos e quando tentou pegar sua arma foi impedido por seu manto, que era muito grande. Os soldados o cercaram e o prenderam, levando-o à ponta do saguão real, onde o matariam. Papas protestou dizendo que o levassem à sala das vestes, para onde foi levado de mãos atadas. Glaces teria dito: "Diga ao rei, diga-lhe que sou digno de morte, mas convém a ele me matar no saguão, não no salão das vestes, que sujará sua coroa com sangue". Ao terminar, foi decapitado e sua cabeça foi colocada numa lança e erguida no saguão da corte. Fausto o descreveu como um homem grande e gentil com ossos grandes.[15]

Referências

Bibliografia editar

  • Adontz, Nicholas (1970). Armenia in the Period of Justinian. The Political Conditions Based on the nacarar System. Translated with Partial Revisions, a Bibliographical Note and Appendices, by N.G. Garsoïan. Lovaina: Peeters Publishers 
  • Fausto, o Bizantino (1989). Garsoïan, Nina, ed. The Epic Histories Attributed to Pʻawstos Buzand: (Buzandaran Patmutʻiwnkʻ). Cambrígia, Massachusetts: Departamento de Línguas e Civilizações Próximo Orientais, Universidade de Harvard 
  • Lenski, Noel Emmanuel (2003). Failure of Empire: Valens and the Roman State in the Fourth Century A.D. Berkeley e Los Angeles: California University Press. ISBN 978-0-520-23332-4 
  • Martindale, J. R.; A. H. M. Jones (1971). «Cylaces». The Prosopography of the Later Roman Empire, Vol. I AD 260-395. Cambridge e Nova Iorque: Cambridge University Press 
  • Moisés de Corene (1978). Thomson, Robert W., ed. History of the Armenians. Cambrígia, Massachusetts; Londres: Harvard University Press 
  • Toumanoff, Cyril (1963). Studies in Christian Caucasian History. Washington: Georgetown University Press