O termo cirurgia fetal cobre uma ampla área de técnicas cirúrgicas utilizadas no tratamento de defeitos congênitos quando o feto ainda está no útero grávido. A cirurgia fetal no Brasil é realizada por ginecologistas e obstetras especializados em medicina fetal, que é uma área de atuação reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

Existem basicamente duas técnicas de cirurgia fetal. A cirurgia "à céu aberto" e a "cirurgia fetal endoscópica" também conhecida como "fetoscopia".

Surgimento da cirurgia fetal

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Nos Estados Unidos, na década de 90, a cirurgia fetal foi desenvolvida por cirurgiões pediátricos que operavam diretamente o feto, ainda dentro do utero materno[1]. Esta nova área de atuação médica se tornou uma das mais verdadeiramente multidisciplinares, pois o acesso seguro ao feto per se depende não só do obstetra, mas também do ultra-sonografista. O obstetra auxilia na abertura do útero materno, e fica responsável por todo acompanhamento da gestante após a cirurgia. O ultra-sonografista entra no campo cirúrgico para orientar o local onde o útero deve ser aberto para evitar a placenta. Este tipo de abordagem, que foi denominada cirurgia "à céu aberto" (open fetal surgery).

No entanto, muitos serviços de medicina fetal, principalmente na Europa, foram resistentes a adotar esse tipo de abordagem, pela agressividade para a gestante e pelo risco futuro. O "corte" no útero é uma zona de fragilidade e pode romper em gestações futuras. Como uma alternativa menos invasiva, os especialistas em medicina fetal, obstetras especializados em ultra-sonografia e procedimentos fetais invasivos, começaram a utilizar câmeras de videocirurgia para coagular vasos na placenta de gêmeos[2], e a especialidade se desenvolveu de outra forma, tendo sido criada a fetoscopia. A vantagem do especialista em medicina fetal em realizar cirurgias fetais reside no fato dele reunir duas características importantes, ele é o obstetra e também o ultra-sonografista. Isso reduz o tamanho e o custo da equipe cirúrgica.

Inicialmente a fetoscopia só era realizada em meio liquido, porém atualmente, estão sendo desenvolvidas técnicas mais avançadas de fetoscopia com gás[3], que devem ser o futuro da especialidade.

Cirurgia a céu aberto (open fetal surgery)

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Na cirurgia fetal a céu aberto, o útero da mãe é exposto e o feto é operado diretamente, depois que o útero é aberto. Esta forma de cirurgia traz os riscos inerentes à necessidade de um corte para abrir o útero e expor o feto. Estes riscos estão relacionados à má-cicatrização, já que o feto continua a crescer dentro, levando ao risco do útero se romper na zona da cicatriz. O útero tem uma distribuição de fibras musculares para permitir o parto normal que é possível preservar numa cesárea, porém não e possível preservar na cirurgia fetal (Figura 1). Isto ocorre pelo local onde o útero tem que ser aberto, pela idade gestacional da cirurgia e pelo seu objetivo que e manter o feto crescendo ate o parto. O desenvolvimento desta abordagem foi muito importante para o desenvolvimento da especialidade, mas técnicas menos invasivas estão sendo estudadas, pois o risco de romper o útero se mantém em todas as gestações futuras, colocando em risco de vida a mãe e o feto. O parto cesárea tem que ser sempre realizado por volta de 37 semanas e o parto normal não pode mais ser realizado em nenhuma gravidez.


Cirurgia endoscópica (fetoscopia)

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A cirurgia é realizada através de uma técnica minimamente invasiva que dispensa "cortes". Apenas "furos" são necessários para operar o feto ou a placenta, no caso de gêmeos.

Fetoscopia em meio liquido

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A fetoscopia convencional é realizada em meio líquido, pois o feto está imerso no líquido amniótico. Atualmente, ela é utilizada para tratamento das seguintes doenças transfusão feto-fetal, feto acárdico (TRAP), CIUR isolado na monocoriônica, gêmeos monoamnióticos, hérnia diafragamática, obstruções urinárias, vasa prévia tipo II, lise de brida amniótica, etc.

Fetoscopia com gás

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A fetoscopia pode ser realizada também em meio aéreo. Sem abrir a barriga da mãe, e apenas usando o ultra-som para guiar o médico, os furos são realizados para permitir que seja injetado gás carbônico (CO2) dentro do útero materno. Isto permite a introdução de uma pequena câmera e os instrumentos necessários para operar o feto. A cirurgia denominada fetoscopia com insuflação parcial de CO2, se inspira na laparoscopia convencional ou videocirurgia. A cirurgia com gás carbônico é mais recente e tem sido utilizada principalmente para o tratamento da mielomeningocele. Neste caso, a Alemanha foi pioneira nesta utilização,[4] porém no Brasil a técnica foi aprimorada sendo denominada de técnica SAFER.

Inicialmente havia grande discussão sobre os riscos para o feto do uso do gás na cavidade uterina, estudos em ovelhas mostravam a ocorrência de acidose, levando a morte e/ou e alterações cerebrais. No entanto, todos os estudos em humanos falharam em demonstrar a ocorrência de acidose ou alterações do sistema nervoso central[5][6][7]. Desta forma, seu uso tem sido considerado bastante seguro e esta deve ser a via de abordagem fetal no futuro.

O uso desta nova abordagem em meio gasoso será provavelmente expandido no futuro, para o tratamento de outras doenças fetais: gastrosquise, pseudo brida amniotica, etc

Fetoscopia assistida por laparotomia

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Mais recentemente surgiu uma outra forma de abordagem para realizar a fetoscopia com gás, que fica entre a cirurgia a céu aberto e a fetoscopia sem cortes (percutânea). Ela foi denominada de assitida por laparotomia, nela o abdome da gestante e aberto como numa cirurgia a céu aberto, porem ao invés de realizar o corte no útero, apenas furos são realizados para introdução da câmera e dos instrumentos. Ela não tem vantagens sobre a fetoscopia percutânea, mas é tecnicamente menos complexa, portanto de mais fácil aplicabilidade. O procedimento ainda é considerado agressivo para a mãe, mas os riscos sao menores, quando comparada a técnica a céu aberto e não ha legado para gestações futuras.

Cirurgia a céu aberto versus cirurgia por fetoscopia

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Com o desenvolvimento técnico recente, a cirurgia fetoscópica vem ganhando forca no tratamento de maioria das doenças fetais, e em breve pode cair em desuso pelos riscos maternos associados.


Fetoscopia "sem cortes" percutânea

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Correção endoscópica da mielomeningocele (técnica SAFER)

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A mielomeningocele é um tipo de espinha bífida, sendo considerada uma mal-formação congênita que consiste na falha no fechamento da coluna, deixando a medula e seus nervos expostos. Esta falha de fechamento leva também à perda do líquido que circula no cérebro, denominado líquido cefaloraquidiano ou líquor. O objetivo da cirurgia é proteger os nervos que se originam da área que ficou sem proteção, além de deter o vazamento do liquor.

Trata-se de uma técnica de cirurgia fetal que foi desenvolvida por pesquisadores brasileiros[8] para tornar mais segura a correção da mielomeningocele antes do nascimento, quando é necessário operar o feto ainda dentro do útero. A técnica foi denominada SAFER devido à abreviatura do seu nome em inglês: "Skin-over biocellulose for Antenatal Fetoscopic Repair".[9]

Riscos da cirurgia fetal

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Toda cirurgia fetal, independente da via, a céu aberto ou por fetoscopia, traz riscos tanto para mãe quanto para o feto. Portanto, a sua indicação deve ser feita por um time de especialistas capazes de esclarecer sobre os riscos e benefícios, sendo que a gestante é quem deve decidir sobre submeter-se ou não ao tratamento antes do nascimento. A cirurgia fetal aumenta principalmente o risco de romper a bolsa das águas antes do tempo e principalmente, aumenta as chances de prematuridade. A idade gestacional do parto após uma cirurgia fetal para mielomeningocele varia de 32 a 34 semanas.

Os riscos para a mãe são os riscos inerentes a qualquer anestesia e ao parto (sangramento, infecção, descolamento de placenta, etc)

Referências

  1. Lorenz, H. P.; Adzick, N. S.; Harrison, M. R. (1993). «Open human fetal surgery». Advances in Surgery. 26: 259–273. ISSN 0065-3411. PMID 8418566 
  2. Chalouhi, G. E.; Essaoui, M.; Stirnemann, J.; Quibel, T.; Deloison, B.; Salomon, L.; Ville, Y. (julho de 2011). «Laser therapy for twin-to-twin transfusion syndrome (TTTS)». Prenatal Diagnosis. 31 (7): 637–646. ISSN 1097-0223. PMID 21660997. doi:10.1002/pd.2803 
  3. Kohl, Thomas; Tchatcheva, Kristina; Weinbach, Julia; Hering, Rudolf; Kozlowski, Peter; Stressig, Rüdiger; Gembruch, Ulrich (fevereiro de 2010). «Partial amniotic carbon dioxide insufflation (PACI) during minimally invasive fetoscopic surgery: early clinical experience in humans». Surgical Endoscopy. 24 (2): 432–444. ISSN 1432-2218. PMID 19565298. doi:10.1007/s00464-009-0579-z 
  4. Kohl, T. (1 de novembro de 2014). «Percutaneous minimally invasive fetoscopic surgery for spina bifida aperta. Part I: surgical technique and perioperative outcome». Ultrasound in Obstetrics & Gynecology (em inglês). 44 (5): 515–524. ISSN 1469-0705. doi:10.1002/uog.13430 
  5. Ziemann, Miriam; Fimmers, Rolf; Khaleeva, Anastasiia; Schürg, Rainer; Weigand, Markus A.; Kohl, Thomas (julho de 2018). «Partial amniotic carbon dioxide insufflation (PACI) during minimally invasive fetoscopic interventions on fetuses with spina bifida aperta». Surgical Endoscopy. 32 (7): 3138–3148. ISSN 1432-2218. PMID 29340812. doi:10.1007/s00464-018-6029-z 
  6. Sanz Cortes, Magdalena; Torres, Paola; Yepez, Mayel; Guimaraes, Carolina; Zarutskie, Alexander; Shetty, Anil; Hsiao, Annie; Pyarali, Monika; Davila, Ivan (20 de junho de 2019). «Comparison of brain microstructure after prenatal spina bifida repair by either laparotomy assisted fetoscopic or open approach». Ultrasound in Obstetrics & Gynecology: The Official Journal of the International Society of Ultrasound in Obstetrics and Gynecology. ISSN 1469-0705. PMID 31219638. doi:10.1002/uog.20373 
  7. Baschat, A. A.; Ahn, E. S.; Murphy, J.; Miller, J. L. (setembro de 2018). «Fetal blood-gas values during fetoscopic myelomeningocele repair performed under carbon dioxide insufflation». Ultrasound in Obstetrics & Gynecology: The Official Journal of the International Society of Ultrasound in Obstetrics and Gynecology. 52 (3): 400–402. ISSN 1469-0705. PMID 29750436. doi:10.1002/uog.19083 
  8. Pedreira, D. a. L.; E. A. (1 de agosto de 2016). «Fetoscopic repair of spina bifida: safer and better?». Ultrasound in Obstetrics & Gynecology (em inglês). 48 (2): 141–147. ISSN 1469-0705. doi:10.1002/uog.15987 
  9. Pedreira, Denise A.L.; Nelci. «Endoscopic surgery for the antenatal treatment of myelomeningocele: the CECAM trial». American Journal of Obstetrics and Gynecology. 214 (1): 111.e1–111.e11. doi:10.1016/j.ajog.2015.09.065