Citronelal (ou rodinal) é um monoterpenoide aldeído acíclico, cuja nomenclatura IUPAC é 3,7-dimetiloct-6-en-1-al. É um dos mais importantes compostos de aroma na natureza, sendo o principal responsável pelo cheiro característico de limão do óleo essencial de citronela.[4]

Citronelal
Estrutura esquelética do Citronelal (racêmico)
Nomes
Nome IUPAC 3,7-dimetiloct-6-en-1-al
Outros nomes Rodinal
Identificadores
Número CAS (racêmico)
2385-77-5 ((R)-(+)-Citronelal)
5949-05-3 ((S)-(−)-Citronelal) 106-23-0 (racêmico)
2385-77-5 ((R)-(+)-Citronelal)
5949-05-3 ((S)-(−)-Citronelal)
PubChem (racêmico)
8842 ((R)-enantiômero)
443157 ((S)-enantiômero) 7794 (racêmico)
8842 ((R)-enantiômero)
443157 ((S)-enantiômero)
Número EINECS 203-376-6
ChemSpider (racêmico) 7506 (racêmico)
ChEBI 35815
SMILES
InChI
Referência Beilstein 1720789
Propriedades
Fórmula química C10H18O
Massa molar 154,25 g/mol
Aparência Líquido incolor a amarelo pálido
Odor Cítrico intenso, fresco, semelhante a limão e citronela
Densidade 0,845–0,855 g/cm3 (a 20 °C)[1]
Ponto de ebulição 205–208 °C (a 1013 hPa)[1]
Solubilidade em água Praticamente insolúvel em água (aprox. 300 mg/L); solúvel em etanol, óleos e solventes orgânicos.[2]
Pressão de vapor 0,16 hPa (a 20 °C)[1]
Riscos associados
Principais riscos
associados
Irritante, sensibilizante cutâneo
LD50 2420 mg/kg (oral, rato); >2500 mg/kg (dérmico, coelho)[3]
Compostos relacionados
Aldeídos
Monoterpenoide relacionados
3,7-dimetil-octanal
Citral (3,7-dimetil-2,6-octadienal)
Compostos relacionados Citronelol
Isopulegol
Mentol
Geraniol
Ácido citronélico
Página de dados suplementares
Estrutura e propriedades n, εr, etc.
Dados termodinâmicos Phase behaviour
Solid, liquid, gas
Dados espectrais UV, IV, RMN, EM
Exceto onde denotado, os dados referem-se a
materiais sob condições normais de temperatura e pressão.

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Alerta sobre risco à saúde.

Como um centro quiral em sua estrutura, o citronelal existe na forma de dois enantiômeros: (R)-(+)-citronelal e (S)-(−)-citronelal. Ambos são encontrados na natureza e possuem grande valor comercial. O (R)-enantiômero é o mais comum, encontrado em óleos de Cymbopogon e Corymbia citriodora.[5]

Suas aplicações são vastas, abrangendo desde seu uso massivo como repelente de insetos e em perfumaria, até seu papel estratégico como um bloco de construção versátil na síntese orgânica de compostos complexos como o mentol.

História

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O óleo de citronela é utilizado há séculos em práticas tradicionais na Ásia como repelente de insetos e em remédios populares. A isolação e caracterização de seus componentes, no entanto, ocorreram com o avanço da química orgânica no final do século XIX e início do século XX. O citronelal, como principal constituinte, foi identificado e sua estrutura elucidada, permitindo sua exploração comercial em larga escala. A indústria de fragrâncias de Grasse, na França, foi uma das pioneiras a utilizar o citronelal e seus derivados, como o hidroxicitronelal, para criar notas florais e cítricas em perfumes.[6] A descoberta de que o (+)-citronelal poderia ser convertido eficientemente em (-)-mentol no século XX revolucionou a produção deste último, que antes dependia exclusivamente da extração do óleo de menta.[7]

Ocorrência e Fontes Naturais

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Distribuição em Plantas

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O citronelal é amplamente distribuído no reino vegetal, sendo o principal componente volátil de diversas plantas aromáticas. As fontes mais notáveis incluem:

  • Cymbopogon (Capim-citronela): As espécies Cymbopogon nardus (citronela do Ceilão) e Cymbopogon winterianus (citronela de Java) são as fontes comerciais primárias. O óleo da citronela de Java é mais valorizado por conter maiores concentrações de citronelal (32–45%) e geraniol (11–13%).[8]
  • Corymbia citriodora (Eucalipto-limão): O óleo essencial desta árvore, nativa da Austrália, é extremamente rico em citronelal, podendo conter entre 65% e 85% do composto.[4]
  • Litsea cubeba (May Chang): O óleo extraído dos frutos desta planta, nativa do sudeste asiático, também contém citronelal, embora o citral seja geralmente o componente majoritário.[9]
  • Leptospermum petersonii (Tea Tree de Limão): Esta variedade de tea tree australiana é outra fonte rica em citronelal.

Quiralidade na Natureza

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A estereoquímica do citronelal varia com a fonte botânica:

  • (R)-(+)-Citronelal: É o enantiômero predominante, quase exclusivo, nos óleos de Cymbopogon e Corymbia citriodora. É o isômero de maior importância industrial.
  • (S)-(−)-Citronelal: É encontrado em menores quantidades e, em certas plantas, pode ser o isômero principal, embora tais fontes sejam menos comuns.

Química e Propriedades

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Propriedades Físico-Químicas

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O citronelal é um líquido oleoso, incolor a amarelo pálido, com um forte e característico odor cítrico. É volátil e quase insolúvel em água, mas miscível com a maioria dos solventes orgânicos. Seu ponto de fulgor relativamente alto (acima de 70 °C) o torna seguro para manuseio em muitas aplicações industriais.

Estereoquímica

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A presença de um carbono assimétrico na posição 3 confere ao citronelal suas propriedades quirais. Os dois enantiômeros possuem odores ligeiramente distintos, uma característica comum em terpenoides quirais. O (R)-isômero é frequentemente descrito como mais fresco e cítrico, enquanto o (S)-isômero pode ter notas mais herbais. Essa diferença, embora sutil, é crucial na indústria de fragrâncias finas.

Reatividade

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A reatividade do citronelal é dominada pela presença de dois grupos funcionais: o aldeído e a ligação dupla carbono-carbono.

  • Redução: O grupo aldeído pode ser facilmente reduzido a um álcool primário, formando o citronelol. A ligação dupla também pode ser hidrogenada, resultando no 3,7-dimetiloctanol.
  • Oxidação: A oxidação do aldeído leva à formação do ácido citronélico.
  • Ciclização Intramolecular (Reação de Prins): Esta é uma das reações mais importantes do citronelal. Na presença de um ácido de Lewis (como AlCl₃, ZnBr₂) ou ácido de Brønsted, o citronelal sofre uma reação de ciclização eno intramolecular para formar o isopulegol. Esta reação é estereoespecífica e fundamental na síntese do mentol.[10]

Produção e Síntese

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Biossíntese

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Nas plantas, o citronelal é sintetizado a partir do geraniol. A via biossintética começa com o geranil pirofosfato (GPP), um intermediário chave na via dos terpenoides. O geraniol é formado a partir do GPP e, em seguida, uma enzima oxidorredutase o converte em citral (uma mistura de geranial e neral). Finalmente, uma enzima eno-redutase reduz seletivamente a ligação dupla conjugada do citral para formar o (R)- ou (S)-citronelal, dependendo da estereosseletividade da enzima presente na planta.[11]

Extração de Fontes Naturais

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O método predominante para a obtenção comercial do citronelal é a destilação a vapor ou hidrodestilação das folhas e caules de Cymbopogon winterianus ou Corymbia citriodora. O processo envolve passar vapor de água através do material vegetal, o que arrasta os compostos voláteis. O vapor é então condensado, e o óleo essencial, por ser imiscível com a água, é facilmente separado.

Síntese Industrial

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Embora a extração natural seja comum, o citronelal também é produzido sinteticamente, especialmente para garantir a pureza de um enantiômero específico. As principais rotas partem de outros terpenos abundantes:

  • A partir do Geraniol/Nerol: O geraniol ou nerol pode ser rearranjado para citronelal. Processos catalíticos que utilizam complexos de metais de transição (como ródio ou rutênio) podem realizar esta transformação com alta seletividade.
  • A partir do Mirceno: Uma rota importante da BASF envolve a reação do mirceno com dietilamina para formar um intermediário enamina, que é então hidrolisado para produzir citronelal.
  • A partir do Citral: A hidrogenação seletiva da ligação dupla α,β-insaturada do citral produz citronelal. Esta reação requer catalisadores quimiosseletivos para evitar a redução do grupo aldeído.

Aplicações e Usos

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Repelente de Insetos

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O citronelal é um dos repelentes de insetos de origem vegetal mais eficazes e amplamente utilizados no mundo. É o principal componente ativo do óleo de citronela.

Mecanismo de Ação

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Originalmente, acreditava-se que o citronelal simplesmente mascarava os odores atrativos para os insetos (como CO₂ e ácido lático). No entanto, pesquisas mais recentes revelaram um mecanismo mais complexo. Estudos em mosca-das-frutas (Drosophila melanogaster) e mosquitos mostraram que o citronelal atua como um agonista do canal iônico TRPA1 (Transient Receptor Potential Ankyrin 1).[12] O TRPA1 é um receptor de "irritantes" químicos presente nas antenas e nos órgãos gustativos dos insetos. A ativação deste canal pelo citronelal provoca uma sensação aversiva, forçando o inseto a se afastar da fonte. Isso o classifica como um repelente espacial verdadeiro, e não apenas um bloqueador de odores.

Indústria de Fragrâncias e Aromas

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O citronelal é um pilar na paleta de ingredientes dos perfumistas. É usado para conferir notas cítricas, frescas e verdes a perfumes, colônias, sabonetes, detergentes e produtos de limpeza. Também é utilizado como aromatizante em alimentos e bebidas, embora em concentrações muito baixas.

Precursor em Síntese Orgânica

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A versatilidade química do citronelal o torna um valioso material de partida quiral na indústria química fina.

Síntese de (-)-Mentol

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Esta é a aplicação sintética mais importante do citronelal. Cerca de 80% do mentol sintético mundial é produzido a partir do (+)-citronelal. O processo, desenvolvido pela Takasago International Corporation, é um exemplo clássico de catálise assimétrica:

  1. Ciclização: O (+)-citronelal é tratado com um catalisador de zinco (como o brometo de zinco) para induzir uma ciclização eno intramolecular (reação de Prins), formando uma mistura de isômeros de isopulegol, com o (-)-isopulegol como produto principal (cerca de 94% de seletividade).
  2. Hidrogenação: O (-)-isopulegol é então hidrogenado sobre um catalisador de níquel (Níquel de Raney), que adiciona hidrogênio à ligação dupla do anel, resultando no (-)-mentol com alta pureza diastereoisomérica.[13]

Síntese de Citronelol e Hidroxicitronelal

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  • Citronelol: A hidrogenação seletiva do grupo aldeído do citronelal, sem afetar a ligação dupla, produz o citronelol, um álcool com um agradável aroma de rosas, também muito usado em perfumaria.
  • Hidroxicitronelal: A hidratação da ligação dupla do citronelal, seguida da manutenção do grupo aldeído, leva à formação do hidroxicitronelal, um composto com um forte aroma floral de lírio-do-vale, embora seu uso tenha sido restringido devido ao seu potencial alergênico.

Aplicações Farmacológicas

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O citronelal é objeto de inúmeras pesquisas devido às suas propriedades bioativas.

  • Atividade Anti-inflamatória: Estudos demonstraram que o citronelal pode inibir a produção de mediadores inflamatórios. Seu mecanismo parece envolver a inibição da via do ácido araquidônico e a supressão de citocinas pró-inflamatórias, além de reduzir o estresse oxidativo.[14]
  • Atividade Antimicrobiana e Antifúngica: O citronelal exibe atividade de amplo espectro contra diversas bactérias e fungos patogênicos, incluindo Candida albicans, Aspergillus niger e Escherichia coli. Sua natureza lipofílica permite que ele desestabilize as membranas celulares dos micro-organismos, levando à morte celular.[15]

Segurança e Toxicologia

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Saúde Humana

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Quando usado em produtos de consumo diluídos, o citronelal é considerado seguro. No entanto, em sua forma pura ou concentrada, apresenta riscos:

  • Irritação: É classificado como irritante para a pele (H315) e pode causar irritação ocular grave (H319).[3]
  • Sensibilização Cutânea: O citronelal é um conhecido alérgeno de contato. Pode causar dermatite alérgica em indivíduos sensibilizados (H317). Por essa razão, a Associação Internacional de Fragrâncias (IFRA) estabelece limites de concentração para seu uso em produtos que entram em contato com a pele.[16]

Dados Toxicológicos

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  • Toxicidade Aguda: A toxicidade aguda do citronelal é baixa. A dose letal mediana (LD50) por via oral em ratos é de aproximadamente 2,42 g/kg. A LD50 dérmica em coelhos é superior a 2,5 g/kg.[3]
  • Genotoxicidade e Carcinogenicidade: Estudos não demonstraram evidências de que o citronelal seja mutagênico ou carcinogênico.

Regulamentação

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Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) classifica o óleo de citronela como um biopesticida de risco mínimo, reconhecendo sua baixa toxicidade para humanos e o meio ambiente.[17] Na União Europeia, o citronelal está listado como uma das 26 substâncias alergênicas que devem ser declaradas na rotulagem de produtos cosméticos quando presentes acima de certas concentrações.

Ver também

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Referências

  1. a b c «Citronellal CAS 106-23-0». Merck Millipore. Consultado em 27 de maio de 2024 
  2. «Citronellal». PubChem. Consultado em 27 de maio de 2024 
  3. a b c Erro de citação: Etiqueta <ref> inválida; não foi fornecido texto para as refs de nome CDH
  4. a b Vitti, A. M. S., & Brito, J. O. (2003). Avaliação do rendimento e do teor de citronelal do óleo essencial de procedências e raças locais de Eucalyptus citriodora. Scientia Forestalis, (56), 145-154. [1]
  5. Charles S. Sell, *The Chemistry of Fragrances: From Perfumer to Consumer*, 2nd Edition, RSC Publishing, 2006, p. 99-101. ISBN 978-0-85404-824-3.
  6. Guenther, E. (1949). *The Essential Oils, Vol. II*. D. Van Nostrand Company.
  7. Leffingwell, J.C. (2002). Menthol: A cool scent-sation. Leffingwell & Associates. [2]
  8. Torres-Santos, E. C., et al. (2020). Essential Oils from Cymbopogon Species: An Overview of Their Chemistry, Biological Activities, and Potential Applications. Molecules, 25(19), 4443. DOI: 10.3390/molecules25194443.
  9. Gong, M., et al. (2021). Litsea cubeba essential oil: chemical compositions and biological activities. Journal of Ethnopharmacology, 264, 113298. DOI: 10.1016/j.jep.2020.113298.
  10. Da Silva, A. J. M., et al. (2004). Catalytic cyclization of (+)-citronellal to (–)-isopulegol by supported zinc halides. Catalysis Communications, 5(8), 425-429. DOI: 10.1016/j.catcom.2004.05.001.
  11. Iijima, Y., et al. (2004). Geraniol Synthase, a New Enzyme in Monoterpene Biosynthesis in Plants. Journal of Biological Chemistry, 279(41), 42395-42404. DOI: 10.1074/jbc.M406935200.
  12. Kwon, Y., et al. (2010). The olfactory coreceptor Orco is required for background-independent odor recognition in Drosophila. PNAS, 107(25), 11493-11498. DOI: 10.1073/pnas.1004108107.
  13. Erro de citação: Etiqueta <ref> inválida; não foi fornecido texto para as refs de nome Leffingwell
  14. Melo, M. S., et al. (2011). Anti-inflammatory and redox-protective activities of citronellal. Biological Research, 44, 363–368. DOI: 10.4067/S0716-97602011000400008.
  15. Nakahara, K., et al. (2003). Chemical Composition and Antifungal Activity of Essential Oil from Cymbopogon nardus (Citronella Grass). Japan Agricultural Research Quarterly, 37(4), 249-252.
  16. «IFRA Standard: Citronellal» (pdf). ifrafragrance.org. Consultado em 27 de maio de 2024 
  17. «Citronella». EPA. Consultado em 27 de maio de 2024