Desastre do Rápido do Algarve

O Desastre do Rápido do Algarve foi um acidente ferroviário no concelho de Odemira, em Portugal, ocorrido em 13 de Setembro de 1954.[1] Um comboio de passageiros descarrilou entre Pereiras e a Santa Clara-Sabóia, na Linha do Sul, provocando 34 mortos e um igual número de feridos.[2]

Desastre do Rápido do Algarve
Descrição
Data 13 de Setembro de 1954
Hora 16:15
Local Odemira
País Portugal Portugal
Linha Linha do Sul
Operador Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses
Tipo de acidente Descarrilamento
Estatísticas
Comboios/trens 1
Mortos 29 a 34
Feridos Cerca de 50
Locomotiva 560, da mesma série da envolvida no acidente, na Estação de Valença, em 1970.

Contexto editar

O comboio envolvido no acidente era o serviço expresso n.º 8012 da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, conhecido como Rápido do Algarve, e constituído pela locomotiva a vapor 559 e o correspondente tender, seguidos pelo furgão, três carruagens de terceira classe (números 1002, 1008 e 1003), uma carruagem restaurante (851), e na cauda duas carruagens de primeira classe (808 e 805).[3] Todas as carruagens eram metálicas, tendo sido construídas nos Estados Unidos da América pela empresa Budd Company.[3]

O comboio saiu de Vila Real de Santo António às 13 horas e 16 minutos, sendo a hora prevista de chegada ao Barreiro às 20 horas e 36 minutos.[1] De acordo com o jornal O Século, o comboio ficou totalmente completo à partida de Tunes, embora ainda tenham embarcado passageiros em São Bartolomeu de Messines e São Marcos da Serra.[1] Com efeito, calculou-se que só na primeira carruagem de terceira classe viajavam 120 pessoas, um número muito superior à lotação.[4] Grande parte dos passageiros eram jovens veraneantes que regressavam do Algarve.[5]

 
Estação Ferroviária de Messines-Alte, na Década de 1920.

Acidente editar

A composição descarrilou no quilómetro 261,427.70 da Linha do Sul, quando um dos carris da via se partiu à sua passagem, num ponto em que corria em curva numa trincheira, junto à Ribeira de Lobata.[3] Este local situa-se a cerca de quatro quilómetros da Estação de Santa Clara-Sabóia e três do Apeadeiro de Pereiras.[4] A locomotiva galgou a via e caiu para a vala entre a linha e a parede da trincheira, arrastando consigo o tender, o furgão e a primeira carruagem de terceira classe, imobilizando-se em seguida.[3] Devido à travagem brusca, a segunda carruagem de terceira classe penetrou na carruagem caída, destruindo metade desta.[3] A terceira carruagem também descarrilou, mas manteve-se na plataforma da via, enquanto que o resto da composição não chegou a descarrilar.[3]

 
Comboio Alfa Pendular a circular pela Ponte de Mouratos, junto a Pereiras-Gare, em 2013. Este lanço da Linha do Sul situa-se numa zona montanhosa, onde a linha férrea corre frequentemente ao lado de profundos vales.

Apoio às vítimas e rescaldo editar

Os primeiros socorros às vítimas foram feitos pelos próprios passageiros, que incluiam o médico cirurgião Dr. Baltê, três quintanistas de medicina e uma enfermeira.[4] Um outro passageiro, o Dr. António Rocheta, foi até ao Apeadeiro de Pereiras para dar o alerta, tendo no regresso começado também a tratar dos feridos.[4] Os revisores e outros passageiros seguiram também a pé até ao apeadeiro de Pereiras e à estação de Santa Clara-a-Velha para pedir socorros.[1] Dois sacerdotes que iam a bordo do comboio também ajudaram a dar apoio aos feridos e absolvição aos moribundos.[1] O acidente deu-se numa zona serrana, de terreno difícil e reduzida densidade populacional, o que complicou o socorro às vítimas do acidente.[4] Apesar dos problemas de acesso, várias dezenas de automóveis e autocarros conseguiram chegar ao local.[4] Também chegaram três comboios de socorro, vindos de Beja, da Funcheira e de Faro, este último transportando o Dr. Arnaldo Vilhena e o enfermeiro José Roque.[4] Ainda no mesmo dia os feridos foram transportados noutro comboio até Beja, onde deram entrada no hospital desta cidade.[4] Um outro comboio saiu da Beja com destino ao local do acidente, no sentido de transportar os corpos das vítimas mortais que já tinham sido removidos dos destroços até à estação de Santa Clara-a-Velha, que foi transformada numa casa mortuária provisória, para as famílias identificarem os cadáveres .[4] Outros dois feridos foram tratados no Hospital de Portimão.[1] Ao local acorreram os médicos das localidades vizinhas, de Santa Clara-a-Velha, Sabóia e São Martinho das Amoreiras, e o Governador Civil de Beja, que nessa altura estava em Odemira, tendo sido o primeiro responsável pela organização dos socorros às vítimas.[1] Também ali estiveram os Bombeiros Municipais do Barreiro,[4] vários elementos da Guarda Nacional Republicana, vindos de Sabóia, Colos e Aljustrel,[1] além de um grupo de praças de Beja, comandado pelo sargento António Martins, e uma força da Polícia de Segurança Pública vinda do Algarve.[4] Para o local também se dirigiu um grupo de trabalhadores da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, principalmente compostos por descarregadores.[4]

Os trabalhos de desencarceramento dos feridos e vítimas mortais duraram toda a noite do dia 13 para 14, tendo sido descritos pelo Diário de Notícias: «Por entre os ferros torcidos e as madeiras partidas, os homens das brigadas de serviço moviam-se como fantasmas, à luz de archotes. […] à procura e recolha de corpos e despojos dos malogrados passageiros».[1] Ao mesmo tempo, cerca de uma centena de operários construíram uma via férrea provisória com cerca de duzentos metros ao lado do local do acidente, no sentido de retomar a circulação dos comboios.[1] Esta foi terminada por volta das 14 horas do dia seguinte, embora dois dos comboios que a utilizaram tenham descarrilado, sem gravidade.[1]

Um dos fogueiros do comboio, Joaquim Zeferino, apenas ficou ligeiramente ferido, enquanto que o outro, Joaquim Goes, teve de ser transportado para Beja.[4] O chefe-maquinista e o maquinista ficaram ambos ilesos.[4] A circulação neste lanço da Linha do Sul foi oficialmente reestabelecida às 13 horas do dia seguinte.[4] Neste dia, alguns dos feridos mais graves foram levados para o Hospital de São José, em Lisboa, em ambulâncias da Cuz Vermelha e dos Bombeiros Voluntários de Beja.[4] Entre os passageiros mais destacados do comboio encontravam-se Albano da Silva Pestana, responsável pelo Arquivo Fotográfico do Museu Nacional de Arte Antiga, e o jogador de futebol Francisco Coelho, tendo ambos falecido no acidente, e o árbitro de futebol Inocêncio Calabote e o astrólogo J. Rabestana (Joaquim António Abrantes), que sobreviveram.[4]

O fogueiro do comboio, Joaquim Goes, foi entrevistado pelo jornal Diário de Lisboa no Hospital de Beja:[4]

 
Estação Ferroviária de Santa Clara-Sabóia nos princípios do Século XX, sendo nessa altura conhecida como Saboya-Monchique.

Inquérito editar

Em 14 de Setembro, os engenheiros Garcia, Belém Ferreira e Alves Ribeiro já tinham sido destacados pela Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses para iniciarem os inquéritos sobre o acidente.[4] Os resultados do inquérito oficial foram conhecidos através de uma nota oficiosa do Ministério das Comunicações, em Outubro do mesmo ano.[3] Apurou-se que o acidente se deveu principalmente às condições de desgaste intenso observadas tanto nos verdugos das rodas da locomotiva, como nos carris no local.[3] Para o acidente, contribuíram ainda circunstâncias como a configuração da curva naquele ponto, a velocidade da composição, que, apesar de se apresentar abaixo do limite de sessenta quilómetros por hora estabelecido para o local, ainda assim era demasiado elevado para a curva em questão, e vários defeitos no material circulante, especialmente a forma como os bogies se encontravam fixos às caixas das carruagens.[3] Com efeito, a maioria dos sobreviventes atribuíram o acidente a excesso de velocidade, embora outros tenham criticado o estado da via férrea no local.[4]

Este acidente causou um grande impacto no país, devido às suas dimensões, tendo sido coberto pela imprensa nacional ao longo de vários dias.[1] O número oficial de mortos foi de trinta e quatro, embora este número possa ter sido muito maior.[1] Devido à censura do regime, os números anunciados pela imprensa no dia seguinte não foram superiores a este número, tendo o jornal O Século apresentado uma cifra de dezassete mortos e vinte feridos, o Diário de Notícias relatou apenas quinze vítimas mortais e mais de vinte feridos, enquanto que o Diário de Lisboa, calculou que o acidente tinha provocado trinta e quatro vítimas mortais, e um igual número de feridos.[4]

Ver também editar

Ligações externas editar

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m CABRITA, Aurélio Nuno (13 de Setembro de 2012). «Há 58 anos o Algarve vestiu-se de luto: o acidente do Rápido em Sabóia». Sul Informação. Consultado em 12 de Março de 2021 
  2. «Os acidentes mais graves com comboios portugueses». Visão. 9 de Setembro de 2016. Consultado em 13 de Março de 2021 
  3. a b c d e f g h i «O Descarrilamento do "Rápido" do Algarve» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 67 (1605). Lisboa. 1 de Novembro de 1954. p. 305-309. Consultado em 30 de Dezembro de 2016 – via Hemeroteca Digital de Lisboa 
  4. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u «A catástrofe de Saboia: 34 mortos e 34 feridos». Diário de Lisboa. Ano 34 (11416). Lisboa: Renascença Gráfica. 14 de Setembro de 1954. p. 1-11. Consultado em 11 de Março de 2021 – via Casa Comum / Fundação Mário Soares 
  5. «Desastre Ferroviário em Portugal». Diário de Notícias. Ano 35 (10795). New Bedford, Estados Unidos da América. 15 de Setembro de 1954. p. 1 


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