Desindustrialização no Brasil

A desindustrialização no Brasil foi um processo de redução da capacidade da indústria que ocorreu no Brasil após a década de 1980.

Ruínas do Edifício Companhia Antarctica Paulista, em São Paulo
Tecelagem abandonada no Complexo Industrial Carioba, em Americana, São Paulo

Entre 1930 e 1980, o Brasil se industrializou e se desenvolveu de forma acelerada, sob uma estratégia baseada na substituição de importações e no endividamento externo. Até a década de 1970, a indústria brasileira era mais forte do que a da Coreia do Sul (na época um país pobre, tal como o Brasil).[1][2] Após a Crise da Dívida Externa nos anos 1980 e os reajustes que estabilizaram a economia na década seguinte, como o Plano Real, um processo contínuo de desindustrialização prematura devastou o setor, sobretudo o da indústria de transformação.[3][4] A indústria, que em 1985 chegou a compor metade do PIB nacional, em 2020 representou apenas um quinto, sendo esses valores respectivamente o máximo e o mínimo da série histórica iniciada em 1947.[5] A parcela do emprego industrial em relação ao total do emprego formal em 1986 era de 27% e reduziu-se para 15% em 2019.[6]

Desindustrialização prematura editar

A desindustrialização é um processo que ocorre espontaneamente em muitas economias conforme suas populações enriquecem e começam a gastar mais em serviços do que bens de consumo, os quais já adquiriram, o que é chamado de desindustrialização madura.[6] Entretanto, observa-se que em algumas economias, como a brasileira e outras latino-americanas, o processo ocorreu antes da renda média da população atingir níveis que poderiam explicá-lo.[7][8] Segundo Rafael Cagninm, economista-chefe do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial):

"É normal que a indústria perca espaço quando a renda per capita das famílias começa a crescer, já que elas consomem mais serviços e menos bens. É uma trajetória que acontece em vários países desenvolvidos, mas, no caso do Brasil, não atingimos uma renda per capita alta ou nos enriquecemos o suficiente para a nossa estrutura produtiva migrar de forma tão rápida."

Causas editar

São diversas as causas históricas, políticas, econômicas e estruturais que explicam perda da competitividade da indústria brasileira e da desindustrialização prematura do país nas últimas décadas. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o conjunto de fatores que determinaram a desindustrialização do Brasil, ocorreu em toda a América Latina, mas foi no Brasil, onde se observou o mais significativo caso de desmantelamento precoce da indústria. Ainda de acordo com a Unctad, medidas liberais exigidas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (abertura de mercados, privatização, desregulamentação, livre movimento de capitais, etc.) como condição para a obtenção de empréstimos, também tiveram impactos negativos sobre as indústrias brasileira e latino-americanas.[9] Em 2016, em um documento oficial, o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu os impactos negativos de longo prazo do neoliberalismo nas economias mundiais.[10]

Crise da Dívida Externa Latino-americana editar

A indústria brasileira foi historicamente impulsionada pela política de substituição de importações e juros subsidiados (BNDES), mas os problemas começaram com a Crise da Dívida Externa, que deu início a chamada "década perdida" na região da América Latina. A crise foi especialmente problemática no caso do Brasil, que havia se endividado muito ao longo do processo de industrialização, principalmente durante a Ditadura Militar. A elevação brusca da taxa de juros internacionais causou uma grave crise econômica, que resultou em hiperinflação e eventualmente culminou no Plano Real e outras reformas. Tanto a crise como a forma como os governos lidaram com ela prejudicaram fortemente a expansão e a lucratividade da indústria durante e muito após a crise em si.

O Plano Real e as reformas de 1990 editar

Após uma série de tentativas fracassadas, o Plano Real, iniciado em 1994, entre outras reformas de cunho neoliberal ocorridas na mesma década, conseguiram finalmente estabilizar a economia brasileira. Apesar disso, alguns economistas desenvolvimentistas, como o ex-ministro da Fazenda Bresser-Pereira, criticam várias das medidas adotadas por essas reformas, em particular a taxa de câmbio flutuante e os juros altos impostos pelo Banco Central, que são utilizadas para o controle do balanço de pagamentos e inflação, porém, afirmam eles, afetam negativamente a competitividade da indústria nacional.

Taxa de câmbio sobrevalorizada e juros altos editar

Bresser-Pereira afirma que a política cambial do Brasil desde então tem sido incapaz de combater um dos principais problemas que suas indústrias enfrentam, que é a tendência da economia brasileira à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio, que causa, entre outros problemas, a doença holandesa. A neutralização dessa no mercado interno, diz ele, antes era feita pelas tarifas aduaneiras, porém, essas foram diluídas em meio à abertura comercial durante o Governo Collor, o qual é associado ao abandono das políticas desenvolvimentistas, sendo sucedido pelo emprego da sobrevalorização do Real, ou populismo cambial, como ferramenta de combate à inflação. Uma taxa de câmbio sobrevalorizada não é competitiva, pois não encontra-se em equilíbrio industrial, o que faz com que mesmo empresas industriais brasileiras que utilizem tecnologia no estado da arte mundial não sejam competitivas no mercado internacional.[11][12] A partir de 2003 teve início o boom das commodities que promoveu uma recuperação na balança comercial, a partir do aumento das exportações, o que gerou maior uma entrada de dólares. Também houve uma maior entrada de dólares para financiar empresas ligadas às exportações de produtos primários, empresas ligadas ao consumo interno e a compra de títulos da dívida pública.[carece de fontes?] Essa situação prolongou e agravou o problema da sobrevalorização do Real, e o déficit comercial do setor industrial cresceu muito, principalmente em setores de maior tecnologia como os eletrônicos, cujo déficit era de quase 20 bilhões de dólares em 2010.[1][13][14]

Ademais, a política de juros altos faz com que a taxa de câmbio valorize-se no longo prazo, sendo mais um fator que a distancia do equilíbrio industrial, o que, de acordo com Bresser-Pereira, faz com que as empresas do setor tenham lucros insuficientes para poupar e investir e acabem utilizando o pouco lucro que obtêm pagando dividendos ou fazendo aplicações financeiras.[15] Durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso, os juros da dívida pública ficaram em um patamar próximo a 8% do PIB. Durante os mandatos de Lula da Silva, esses percentuais estiveram entre 6,5 e 6% do PIB, ou seja, os juros da dívida pública foram muito elevados por um longo período.[carece de fontes?]

Competição internacional editar

A acirrada competição internacional também tem sido um grande desafio à indústria brasileira. Sem o amparo de políticas industriais por parte do Estado e ainda tendo que lidar com problemas como a taxa de câmbio sobrevalorizada e juros altos, a indústria brasileira tem perdido espaço tanto no mercado nacional quanto no internacional, sendo forçada a competir com outras que contam com apoio de agressivas e eficazes políticas industriais, de inovação e tecnologia, como a chinesa.[16][17][18][19]

O "Custo Brasil" editar

O termo se refere aos desafios estruturais, tributários, burocráticos, logísticos e jurídicos associados ao Brasil, que fazem do país menos competitivo no mercado internacional. Problemas como infraestrutura pobre e um sistema tributário pesado e complexo são exemplos do "Custo Brasil". Um estudo encomendado por associações do setor produtivo que comparou o país com outros da OCDE concluiu que as empresas brasileiras pagam 1,5 trilhão de reais a mais para realizarem seus negócios.[20][21]

Ver também editar

Referências

  1. a b «Desindustrialização no Brasil é real e estrutural». CEDE. 17 de junho de 2011. Consultado em 5 de abril de 2019 
  2. «'Milagre' na Coreia do Sul: de mais pobre que o Gana a um dos países mais ricos do mundo». O Jornal Económico. 18 de dezembro de 2017. Consultado em 5 de abril de 2019 
  3. «Um Mal Brasileiro: declínio industrial em setores de maior tecnologia». iedi.org.br. Consultado em 22 de abril de 2021 
  4. «Desindustrialização setorial no Brasil». iedi.org.br. Consultado em 22 de abril de 2021 
  5. «Perfil da Indústria Brasileira – CNI». industriabrasileira.portaldaindustria.com.br. Consultado em 22 de abril de 2021 
  6. a b «Por que a indústria de transformação tem a menor participação no PIB desde 1947?». Brasil de Fato. Consultado em 22 de abril de 2021 
  7. Rodrik, Dani. «PREMATURE DEINDUSTRIALIZATION». Harvard University. John F. Kennedy School of Government, Harvard University 
  8. Mendonça, Heloísa (4 de março de 2020). «Mola de emprego e do PIB, indústria brasileira não reage e emperra avanço da economia». EL PAÍS. Consultado em 22 de abril de 2021 
  9. «Brasil passa por desindustrialização precoce, aponta pesquisa da ONU». BBC News Brasil. Consultado em 22 de abril de 2021 
  10. G1, Do; Paulo, em São; Agências, Com (31 de maio de 2016). «FMI diz que políticas neoliberais aumentaram desigualdade». Economia. Consultado em 22 de abril de 2021 
  11. Bresser-Pereira, Luiz Carlos (agosto de 2012). «The exchange rate at the center of development economics». Estudos Avançados (75): 7–28. ISSN 0103-4014. doi:10.1590/S0103-40142012000200002. Consultado em 22 de abril de 2021 
  12. Bresser-Pereira, Luiz Carlos (15 de junho de 2018). Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil. [S.l.]: Editora FGV 
  13. Brasil passa por desindustrialização precoce, aponta pesquisa da ONU, acesso em 05 de abril de 2019.
  14. Desindustrialização no Brasil, acesso em 05 de abril de 2019.
  15. Rocha, Stefany de Jesus. «Por que os juros e o câmbio? Artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira». www.ihu.unisinos.br. Consultado em 22 de abril de 2021 
  16. Gala, Paulo (23 de novembro de 2020). «Politica industrial na China: caso de sucesso». Paulo Gala / Economia & Finanças. Consultado em 22 de abril de 2021 
  17. Rodrik, Dani (1 de janeiro de 2006). «What's so Special About China's Exports?». Rochester, NY (em inglês). Consultado em 22 de abril de 2021 
  18. «Indústria diz que roupa barata da China cria cemitério de empregos no país». economia.uol.com.br. Consultado em 22 de abril de 2021 
  19. «Custo Brasil afeta disputa com a China - Economia». Estadão. Consultado em 22 de abril de 2021 
  20. «Custo Brasil». Portal da Indústria. Consultado em 22 de abril de 2021 
  21. Construção, CBIC-Câmara Brasileira da Indústria da (29 de novembro de 2019). «Governo mede custo Brasil e lança programa de competitividade». CBIC - Câmara Brasileira da Indústria da Construção. Consultado em 22 de abril de 2021