Dum diversas
Dum diversas é uma bula papal emitida a 18 de junho de 1452 pelo Papa Nicolau V[1] e dirigida ao rei Afonso V de Portugal acompanhada pelo breve apostólico Divino amore communiti. Por aquela bula os portugueses eram autorizados a conquistar territórios não cristianizados e consignar a escravatura perpétua os sarracenos e pagãos que capturassem, tomando posse das suas terras e bens [2] e é considerada por alguns como o " advento do comércio de escravos da África Ocidental".[3]
EnquadramentoEditar
Esta bula é considerada como uma resposta à ameaça sarracena quando ocorreu o grande choque cultural entre cristãos, muçulmanos e pagãos, conhecidos e temidos pelos cristãos.[carece de fontes] A bula tinha por objectivo final, contudo, a conversão dos muçulmanos e pagãos escravizados.[carece de fontes]
O Papa Calisto III reiterou a bula em 1456 com a bula Etsi cuncti, renovada pelo papa Sisto IV em 1481 e pelo papa Leão X em 1514, com a bula Precelse denotionis. O conceito de consignamento de esferas de influência exclusiva de determinados estados-nação foi alargado ao continente americano em 1493 pelo papa Alexandre VI com a bula Inter cætera.[4][5][6][7] A 8 de Janeiro de 1554, estes poderes foram alargados aos reis da Espanha.
Publicada um ano antes da queda de Constantinopla em 1453, a bula pode ter tido a intenção de começar uma nova cruzada contra o Império Otomano.[5] O sobrinho de Nicolau V, Loukas Notaras, foi Megas Doux do Império Bizantino.[8] Alguns historiadores veem estas bulas juntas como extensão do legado teológico das Cruzadas do papa Urbano II para justificar a colonização europeia e o expansionismo,[5] acomodando «tanto o mercado como os anseios da alma cristã»".[9] Dum Diversas era essencialmente geograficamente ilimitada na sua aplicação, sendo talvez o acto papal mais importante referente à colonização portuguesa.[10]
Pela bula Dum Diversas, dirigida ao rei Afonso V de Portugal, o pontífice afirma:
(...) outorgamos por estes documentos presentes, com a nossa Autoridade Apostólica, permissão plena e livre para invadir, buscar, capturar e subjugar sarracenos e pagãos e outros infiéis e inimigos de Cristo onde quer que se encontrem, assim como os seus reinos, ducados, condados, principados, e outros bens [...] e para reduzir as suas pessoas à escravidão perpétua. | (...) nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo (...). |
No texto é utilizado o termo «sarracenos» (do grego: "sarakenoi"), uma das formas com que os cristãos medievais designavam os árabes e os muçulmanos em geral. As palavras "islão" e "muçulmano" só foram introduzidas nas línguas europeias no século XVII.
Em 1537, pelo breve apostólico Sublimis Deus,[11] Em 1537 o Papa Paulo III considerou formalmente herética a ideia de que existiam sobre a terra homens sem alma e incapazes de receber a fé cristã. Ao mesmo tempo condenou a redução à escravidão dos índios americanos e ordenou que fossem todos restituídos à liberdade que lhes devolvessem todos os seus bens e possessões. Na mesma altura, considerava aceitável a escravatura em Roma, em 1545, as leis sobre escravatura promulgadas em 1547 por Henrique VIII de Inglaterra e, em 1548, a compra de escravos muçulmanos.[12]
Em 1686, o Santo Ofício limitou a bula ao decretar que os africanos escravizados por guerras injustas deviam ser postos em liberdade.[4]
Dum Diversas, em conjunto com outras bulas como Romanus Pontifex (1455), Ineffabilis et summi (1497), Dudum pro parte (1516) e Aequum reputamus (1534) documentam o ius patronatus português.[13][14] O papa Alexandre VI, natural de Valência, emitiu as chamadas Bulas Alexandrinas que limitavam o poder português em favor de Espanha, sobretudo as bulas Inter cætera e Dudum Siquidem (1493).
Ver tambémEditar
Referências
- ↑ Paulo de Assunção (2004). Negócios jesuíticos. o cotidiano da administração dos bens divinos. [S.l.]: EdUSP. p. 94. ISBN 8531407990. Consultado em 26 de maio de 2015
- ↑ Davenport, Frances Gardiner (editor) (2004). European Treaties Bearing on the History of the United States and Its Dependencies to 1684. [S.l.]: The Lawbook Exchange Ltd. p. 12
- ↑ Love, David A. (29 de setembro de 2007). «The Color of Law On the Pope, Paternalism and Purifying the Savages». ZNet (Arq. em WayBack Machine)
- ↑ a b Hayes, Diana. 1998. "Reflections on Slavery." in Curran, Charles E. Change in Official Catholic Moral Teaching.
- ↑ a b c Sardar, Ziauddin, and Davies, Merryl Wyn. 2004. The No-Nonsense Guide to Islam. Verso. ISBN 1859844545. p. 94.
- ↑ Hart, Jonathan Locke. 2003. Comparing Empires: European colonialism from Portuguese expansion to the Spanish-American War. Palgrave Macmillan. ISBN 1403961883. p. 18.
- ↑ Bourne, Edward Gaylord. 1903. The Philippine Islands, 1493-1803. The A.H. Clark company. p. 136.
- ↑ Eaglestone, C.R. 1878. The siege of Constantinople, 1453. p. 7.
- ↑ "both the marketplace and the yearnings of the Christian soul". Hood, Robert Earl. 1994. Begrimed and Black: Christian Traditions on Blacks and Blackness. Fortress Press. ISBN 0800627679. p. 117.
- ↑ Grewe, Wilhelm Georg. 2000. The Epochs of International Law. Walter de Gruyter. ISBN 3110153394. p. 230.
- ↑ http://www.papalencyclicals.net/Paul03/p3subli.htm
- ↑ The Catholic Church and Slavery, J. F Maxwell, 1975, Barry-Rose Publishers.
- ↑ Desai, Guarav Gajanany Nair, Supriya. 2005. Postcolonialisms: An Anthology of Cultural Theory and Criticism. Rutgers University Press. ISBN 0813535522. p. 52.
- ↑ Mudimb̂ae, Valentin Yves y Mudimbé, Vumbi Yoka. 1994. The Idea of Africa. Indiana University Press. ISBN 0253208726. p. 31.