Guerreiro: diferenças entre revisões

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-vda de Engenho & Arte, nº 18, 2008; autoria de Paulo Guilherme Hostin Sämy
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Em muitas sociedades nas quais existe uma classe guerreira especializada, códigos específicos de comportamento são instituídos para assegurar que esta classe não seja perigosa para o restante da sociedade. Códigos de guerreiros têm freqüentemente características comuns e usualmente valorizam a [[lealdade]], [[coragem]] e [[honra]]. Exemplos incluem os códigos do [[bushido]] e da [[Cavalaria medieval|cavalaria]].
 
== A [[iniciação]] do guerreiro, segundo [[Mircea Éliade]], em ‘Nascimentos Místicos’.==
 
Em ‘Nascimentos Místicos’ - 'Naissances Mysthiques', Eliade, além de três capítulos onde estuda ‘ritos da puberdade’, acrescenta outro sobre ‘iniciações individuais e sociedades’ e, por fim, um quinto capítulo sobre ‘iniciações militares e iniciações xamânicas’, págs. 174 a 217.
‘Tornar-se berserkr’ou um guerreiro com uma capa ou ‘envelope’ – pele (serkr) de urso -, forte como ele ou como um lobo, era um objetivo de ‘sociedades de homens’ de antigas civilizações indo-européias, como a germânica. Fácil entender que o urso, por sua capacidade de sobrevivência no frio, através da hibernação, era um animal totêmico e referencial, sendo sua pele, em virtude das características de resistir ao frio, hoje conhecidas, um ‘envelope’ mágico a ser assimilado. Ademais, conhecedores e observadores do urso, ali identificavam um excelente caçador, quer em terra firme quer junto aos rios recolhendo peixes, qualidade, a da caça, essencial à sobrevivência nos longos invernos nevados.
Ensina Éliade: ‘Torna-se berserkr após uma [[iniciação]], com provas especificamente guerreiras. Assim por exemplo, junto a tribos germânicas como os ‘Chatti’, nos diz Tácito (autor latino em ‘Germânia’) o postulante não cortava nem cabelos nem barba antes de haver matado um inimigo. Entre os ‘Taifali’, o candidato deveria abater um javali ou um urso, e entre os ‘Heruli’ deveria combater sem armas. Através destas provas, o postulante se apropriava do modo de ser de uma fera: tornava-se um guerreiro respeitável na medida em que se comportasse como uma fera predadora.’
Narra em seguida outro conto iniciático em que o postulante – um tal Sigmund – após provas de coragem e resistência a sofrimentos físicos, experimenta a transformação mágica em lobo, cuja metamorfose, ocorrida após o revestimento ritual de sua pele, constituía num momento essencial da iniciação nestas sociedades masculinas ou de homens, Männerbund.
Um filme americano de 1977 – ‘Um homem chamado Cavalo’ – narra um interessante processo de transformação de um inglês em guerreiro, em virtude dos muitos sofrimentos e provas específicas que enfrenta junto à determinada tribo americana.
‘A prova guerreira por excelência, segundo nosso autor, era o combate individual, conduzido de tal maneira que culminava por liberar no neófito o ‘furor dos berserkir’. Não era questão de uma proeza puramente militar. Não se tornava berserkr unicamente por bravura, por força física ou por resistência, mas em seguida a uma experiência mágico-religiosa que modificava radicalmente o modo de ser de um jovem guerreiro’, e ‘que deveria transmutar sua humanidade por um acesso de fúria agressiva e aterradora, assimilada aos (animais) carniceiros enraivecidos’.
Ao longo da [[história medieval]], podemos recolher as muitas imagens de animais selvagens incorporados à [[heráldica]] dos guerreiros, patronos ‘espirituais’ às suas atividades de combate.
A este furor do guerreiro está associada a liberação de um ‘calor’ interior, através da ingestão de variados alimentos capazes de provocá-lo, como o próprio fumo e plantas picantes, atividades que os xamãs também desenvolvem para aumentar o ‘calor’ interior, ‘um excesso de potência e, como acontece nos níveis arcaicos da cultura, toda potência é acompanhada de um prestígio mágico-religioso’. Por fim, ainda menciona as experiências xamânicas de ‘comer carvões brilhantes’, ou ‘tocar o ferro em brasa’, ou ‘marchar sobre o fogo’, experiências recolhidas por atores circenses ou mesmo de rua, e que expressam este domínio e incorporação do ‘calor’, de um certo calor mágico e iniciático, próprio dos guerreiros e cujo alcance os auxilia em sua transformação anterior, revelando-a por fim, ter ocorrido.
Experiências igualmente apresentadas por ‘[[filhos-de-santo]]’ nas religiões afro-brasileiras como as do [[candomblé]] ou da [[umbanda]], em que o ‘médium’, sob a influência de determinadas entidades associadas a forças guerreiras, como a de [[Ogun]] e toda sua linhagem, entre em contato com o fogo e com o carvão em brasa, como manifestações daquela entidade em ação ou incorporada, com a qual justamente alega manter ou ter mantido contato espiritual, sem que apresente, ao cabo, fim da manifestação, lesões físicas expressivas em seu corpo, o que funciona como prova da qualidade da entidade manifestada.
 
Extraido do texto: "A [[Iniciação do guerreiro]]: Alguns Apontamentos"; publicado em Engenho & Arte, nº 18, 2008; autoria de Paulo Guilherme Hostin Sämy
 
=={{Ver também}}==
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*MOORE, Robert e GILLETTE, Douglass. ''King, Warrior, Magican, Lover: Rediscovering the Archetypes of the Mature Masculine''. San Francisco: Harper, 1990.
 
*ELIADE, [[Mircea Eliade]] . Naissances Mysthiques. (Essais sur quelques types d'initiation), 1959. Gallimard.
 
[[Categoria:Sociologia]]