Noivado: diferenças entre revisões

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[[Imagem:1815-regency-proposal-woodcut.gif|thumb|200px|left|A clássica cena do "peço a tua mão em casamento", c. 1815]]
Nos tempos mais recentes, a promessa formal de matrimônio é cada vez menos freqüente, bem como as festas de noivado.
 
O noivado católico encontra suas bases no direito romano clássico. Contudo, segundo Ribordy (2001) se a Igreja e a nobreza medieval concordavam sobre a forma do noivado e a importância de seus ritos, quer sejam profanos ou religiosos, eles não concordavam com o seu significado. Para a nobreza do fim da Idade Média, o noivado constituía um juramento que confirma o acordo concluído quando das negociações de casamento, assim como assegura a sua realização. Representam, por conseguinte uma etapa fundadora do casamento e não somente o anúncio de um casamento futuro como o considera a Igreja Católica.
Cronologicamente situado no final das conversações que selam o tratado, o noivado anunciava o casamento futuro e comprometia toda a família. É igualmente uma promessa, uma garantia que a aliança realizar-se-á. Esta dupla função conferia-lhe um lugar central no processo matrimonial dos fins da Idade Média.
A atenção dada a esta questão pelos historiadores, porém, não reflete a importância do noivado, excetuando o fato do componente eclesiástico que tem sido amplamente estudado por historiadores como Jean Gaudemet (1987), Jean-Baptiste Molin e Protais Mutembe (1974). Segundo estes, o noivado é parte de uma criação romana. No direito da época romana clássica, eles precediam normalmente o casamento, às vezes em vários anos. Celebradas com mais freqüência para as crianças pequenas, pelo pai ou aquele que tinha poder sobre elas, estas esponsalia eram acompanhadas de cerimônias familiares, sociais e religiosas. Sem grande conseqüência jurídica, podiam ser rompidas. No direito romano tardio, o noivado adquirira um lugar mais importante e sua quebra tornou-se mais difícil. Em particular, a Igreja quis assegurar a sua publicidade e solidez e não admitia mais sua ruptura por qualquer motivo. O noivado era acompanhado da entrega de um anel, de presentes e, depois do século IV, de um depósito de noivado, o que posteriormente deu origem ao dote, os quais confirmavam a promessa e serviam de garantia para o casamento.
Por seu lado, o mundo germânico não conhecia realmente o noivado. O termo desponsatio, parentes de sponsalia, usados do séc. VI ao séc. XII eram, sobretudo, utilizados para descrever a primeira das duas etapas do casamento germânico. Esta etapa representava mais que uma promessa de casamento; constituía o primeiro gesto fundador da união matrimonial. Acompanhado do pagamento de uma soma em dinheiro, o desponsatio criava um matrimonium initiatum. Ele implicava o consentimento ao casamento e dava ao homem a autoridade sobre a mulher. Só então, após um intervalo não muito longo, é que o casamento era completado pelo traditio puellae, onde a mulher era entregue ao seu marido, o casamento consumado e a vida comum estabelecida.
Durante todo o início da Idade Média, o casamento por etapas dominava tanto na teoria como na prática. Até ao século X, os canonistas não utilizavam sequer a expressão sponsalia. Referiam-se antes ao equivocado termo desponsatio, sem deixar claro se consideravam isso como uma promessa de um futuro casamento ou a conclusão de um acordo matrimonial.
É no século XII, durante a elaboração da doutrina matrimonial, que os teólogos franceses reencontram a sponsalia romana. Estas simples promessas de casamento, batizadas de verbo de futuro por Pierre Lombard (apud Gaudemet, op. cit.), não criavam mais um matrimonium iniatum; representavam apenas o anúncio de um casamento. Ao incorporar esses noivados ao ritual eclesiástico, os teólogos franceses, por conseguinte, não aprovavam mais o casamento por etapas. Consideravam antes que uma união realizava-se unicamente pela troca dos verba de presenti no momento do casamento. Embora rejeitado pelos teólogos italianos, esta concepção de noivado e casamento termina por se impor no século XIII. Doravante, o noivado, simples compromisso de casamento, não deixava de ser obrigatório. Sugeria, contudo um tempo para que os futuros cônjuges refletissem sobre as obrigações e a indissolubilidade da sua união.
Se a evolução das regras que cercam o noivado é bem conhecida, não se pode dizer o mesmo do seu real lugar no desenrolar do casamento na Idade Média. O noivado constitui, no entanto, um tema de estudo relevante para os historiadores. Uma compreensão do seu funcionamento, o seu papel e o seu significado podem contribuir para o melhor conhecimento da história do casamento no ocidente e, em especial, das relações entre dois modelos de casamento: o laico e o eclesiástico. Segundo Ribordy (op. cit.), por exemplo, os casamentos da nobreza francesa, ao mesmo tempo muito preocupada em respeitar as prescrições da Igreja e extremamente ligada aos seus rituais matrimoniais tradicionais, refletem particularmente as tensões entre os dois tipos de casamento. Após séculos de luta com a Igreja, nos quais procurou impor os seus princípios de monogamia, de indissolubilidade e exogamia, a nobreza do fim da Idade Média conservava ainda o seu próprio modelo matrimonial. Este modelo, descrito por Georges Duby entre os séculos X e XII, subsistiu aos séculos XIV e XV, período em que as famílias e os desafios econômicos e políticos envolvidos na trama matrimonial deixavam os casais a expensas de seu casamento, assim como os seus sentimentos e a doutrina eclesiástica do consentimento dos cônjuges.
É desse conflito entre os valores da nobreza e a doutrina católica que nasce, por exemplo, a concepção de que o noivado é um ritual flexível e menos importante durante a modernidade. Para Coulmont (2003) essa característica se deve a “maleabilidade histórica” que é intrínseca ao noivado e que também pode ser descrita através do conflito entre as concepções jurídicas e litúrgicas após a Revolução Francesa.
Vê-se, por exemplo, que do ponto de vista jurídico os noivados desaparecem do direito no meio do século XIX para reaparecerem perto do fim deste. Após a Revolução os noivados não são mais amparados pela legislação interna do Estado. Ficam fora do código civil e são declarados “nulos e sem efeito” pelo Tribunal da Cassação em 1838: a jurisprudência francesa ratifica assim a nulidade das promessas de casamento. Mas, perto do fim do século XIX e no início do XX, pode-se ler em certas teses de direito uma re-espiritualização dos noivados, uma insistência sobre o seu caráter religioso, que se deve principalmente ao fato de o direito canônico não ser mais percebido como anti-moderno, mas como uma das inspirações do próprio direito moderno. No campo jurídico, nasce, portanto, o interesse em se codificar as relações de compromisso. Um número considerável de teses de direito e de artigos são consagrados ao noivado (e mais particularmente ao problema da ruptura do noivado) na virada do século XIX para o XX. Algumas teses mostram, por exemplo, que os noivados “continuam a ser produzidos”, ou que os mesmos são produto da “natureza humana” ou que ele é “o prelúdio obrigatório” e necessário para a realização do casamento. O noivado é, então, reintroduzido no Código Civil Francês de 1912.
No domínio litúrgico, tende-se a observar estes mesmos fenômenos de desaparecimento e reaparecimento. Os rituais diocesanos – nos quais eram dadas bênçãos ao noivado - desaparecem na segunda metade do século XIX, quando do ritual romano. Até meados do século XIX, uma parte dos rituais diocesanos incluem uma “ordem para a comemoração do noivado”. O ritual usado pela Diocese de Mans em 1798 descreve, por exemplo, o comportamento e os gestos do celebrante: “O padre, vestindo uma Estola branca, após ajoelhar-se em oração, deslocou-se as partes que estão de pé, o rapaz que está à direita da menina, fez uma breve exortação e em seguida seu pedido...”. A unificação litúrgica do meio do século XIX faz rapidamente desaparecer estes rituais diocesanos em proveito do ritual romano, que não possui agenda para a celebração dos noivados.
Por volta dos anos 1860, portanto, os compromissos católicos tornaram-se uma cerimônia sem ritual, um rito sem suporte escrito oficial, o que de alguma maneira encarna o Código de Direito Canônico de 1917.
A ausência do noivado no ritual romano - doravante utilizado em toda a França - não faz desaparecer o rito do compromisso. Numerosos são os sinais que indicam um uso real, porém raro. Vários discursos de casamento, conservados na Biblioteca Nacional de Paris, fazem menção aos compromissos no fim do século XIX, num quadro religioso. Lá está escrito, por exemplo, que o noivado desfruta da “simpatia” da igreja. E se certos manuais de savoir-vivre (etiqueta) julgam esta prática fora de moda, é um sinal da sua utilização.
Progressivamente, graças ao seu desaparecimento e sua reaparição, o noivado é reinvestido de sentidos: é doravante objeto percebido como quase desaparecido, raro, mas que pode ser reformulado para ser adaptado a modernidade. Os compromissos podem, por exemplo, ajudar no casamento, lutar contra o divórcio, ajudar no re-povoamento da França... A partir do início do século XX desenvolve-se assim a idéia de que os compromissos - compreendidos como uma prática tradicional - são a essência da modernidade. Albert Robida (1892) publica, por exemplo, uma notícia intitulada Viagem de noivado no auge dos anos 1900, na qual os compromissos serviam para valorizar a idéia de que o futuro casal de jovens é uma entidade autônoma, a fusão de duas individualidades, fusão que necessita de um tempo de preparação.
Atualmente, com o declínio do número de casamentos católicos e da proporção de casamentos católicos, em comparação com casamentos civis, dois eventos simultâneos têm lugar: (1) o enfraquecimento do caráter católico do casamento e (2) a folclorização do que resta dos casamentos católicos. Dois movimentos parecem combinar-se: ao mesmo tempo uma baixa do número de casamentos católicos e um grande número de casamentos na Igreja que não são casamentos católicos, mas casamentos de não-praticantes e não-crentes. A resposta de uma parte da Igreja foi assimilar o casamento à uma demanda crente e fazer dele um modo de re-socialização religiosa (através de pastorais familiares e cursos de noivos). Assim, o caráter sacramental do casamento católico não se encontra mais na cerimônia (desvalorizado), mas o que precede esta mesma cerimônia.
Seria pertinente conceber os noivados católicos como um dos lugares de acomodação de jovens católicos conservadores e das suas famílias às evoluções do conjugalidade contemporânea. Neste sentido, é necessário compreender os compromissos como preenchendo uma função (para os noivos): fazer aceitar formas flexíveis de coabitação, e ao mesmo tempo impor regras. Um exemplo seria a recusa do termo “namorado” em algumas famílias. Os noivados funcionam porque alteram verdadeiramente as relações familiares: a crença nos efeitos do rito é compartilhada tanto pelos noivos quanto pelos seus pais. Certos noivos interrogados sublinharam com admiração o caráter performativo dos noivados: enquanto que dois casamentos foram comemorados no intervalo de algumas semanas na família de sua noiva (Carla), Cícero não foi convidado para o primeiro casamento, que teve lugar antes do noivado, mas ele foi convidado para o segundo casamento, que aconteceu poucos dias após o noivado. Era, diz-me, realmente a entrada na família através do noivado, e o convite era a prova.
Sendo assim o noivado católico, pouco sujeito a codificações jurídicas e litúrgicas, permanece como um rito frouxo, pouco praticado, de existência incerta, o que torna possível sua adaptação permanente às mudanças sociais. E por serem percebidos como uma “tradição” é que seu caráter “antigo” não é questionado, permitindo assim que certas transformações sociais, como coabitação, seleção individual e não mais familiar do/da noivo/a como no início do século, sejam aceitos pelos grupos sociais.
 
 
==Bibliografia==
*[[Alencar, Breno]] - “Noivar é pedir permissão pra namorar pelado”: notas sobre a escolha do cônjuge e o rito do noivado na Amazônia. In. Anais da VIII Reunión de Antropología del Mercosul, Buenos Aires, 2009.
*[[Alessandro Manzoni|MANZONI, Alessandro]] - ''[[Os noivos]]'' (novela histórica de 1821, um dos maiores clássicos da [[literatura italiana]])
*RODRIGUES, Irene - ''Dano moral em decorrência da ruptura de noivado''. São Paulo, 1998<br />(dissertação de mestrado na [[Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo]])