Temperamento (psicologia): diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Feigenhain (discussão | contribs)
m
LeoBot (discussão | contribs)
correções ortográficas, typos fixed: adiquire → adquire utilizando AWB
Linha 1:
{{Portal-psicologia}}
 
'''Temperamento''' designa em [[psicologia]] um aspecto especial da [[personalidade]]: as particularidades do [[indivíduo]] ligadas à forma do comportamento, principalmente ligadas aos "três As da personalidade": afetividade, atividade (excitação) e atenção. A conceituação de temperamento é no entanto difícil e se confunde muitas vezes com outros conceitos como traços de personalidades e [[motivo (psicologia)|motivos]].<ref name="Asendorpf">Asendorpf, Jens B. (2004). ''Psychologie der Persönlichkeit''. Berlin: Springer.</ref>.
 
Por muitos traços de temperamento estarem ligados a tendências [[disposição|disposicionais]] da pessoa de vivenciar determinadas [[emoção|emoções]] ou [[humor]]es de maneira relativamente intensa ou frequente, definiram-no alguns autores (Wundt, Allport, Mehrabian) com base em tais disposições. No entanto tal definição mostra-se restrita, por não incluir traços como hiperatividade, atenção, perseverança, tradicionalmente vistos como parte do temperamento. Rothbart e Bates (1998) fazem todas as diferenças de temperamento derivarem dos três As - afetividade, ativação (excitação) e atenção.<ref>Rothbart, M.K. & Bates, J.E. (1998). Temperament. Em N. Eisenberg (Ed.), ''Handbook of child psychology'' (Vol. 3, 5.Ed., pp. 105-176). New York: Wiley.</ref>. Buss e Plomin (1984) especificaram ainda mais essa definição: para eles temperamento é o conjunto de traços de personalidade (i) observáveis desde os primeiros anos de vida, (ii) influenciados em grande parte geneticamente e (iii) estáveis a longo prazo.<ref>Buss, A.H. & Plomin, R. (1984). ''Temperament: Early developing personality traits''. Hillsdale, NJ: Erlbaum.</ref>. Também essa definição não é plenamente satisfatória, por não diferenciar os traços de temperamento de outros traços de personalidade. Apesar da dificuldade com respeito à definição do termo, reina unanimidade quanto ao fato de [[inteligência]] e [[competência (psicologia)|capacidades]] e [[interesse]]s culturais não fazerem parte dela .<ref name="Asendorpf">< /ref>.
 
O termo também é usado em linguagem comum - ou seja, no âmbito da [[psicologia do senso comum]] - muitas vezes como sinônimo de personalidade, [[caráter]] ou índole. Esse uso na liguagem quotidiana dificulta ainda mais a definição do termo.
Linha 9:
== Teorias do temperamento ==
=== A teoria de Hipócrates ===
[[Hipócrates]], filósofo [[Grécia|grego]], foi o primeiro a formular uma teoria do temperamento, baseando- na teoria dos [[quatro elementos]] de [[Empédocles]]. Segundo ele há quatro tipos de temperamento, conforme domine no corpo do indivíduo um dos quatros fluidos corporais (humores): sanguíneo ([[sangue]]), fleumático ([[linfa]] ou fleuma), colérico ([[bílis]]) e melancólico (astrabílis ou bílis negra). Cada um deles possui uma determinada característica :<ref>Dalgalarrondo, Paulo (2000). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes médicas.</ref>:
 
* Sanguíneo: expansivo, otimista, mas irritável e impulsivo;
 
* Fleumático: sonhador, pacífico e dócil, preso aos hábitos e distante das paixões;
 
* Colérico: ambicioso e dominador, tem propensão a reações abruptas e explosivas;
 
* Melancólico: nervoso e excitável, tendendo ao pessimismo, ao rancoe e à solidão.
 
Linha 22 ⟶ 19:
 
=== A teoria de Eysenck ===
[[Wundt]], baseado em Hipócrates, definiu duas dimensões do temperamento: "intensidade dos movimentos internos (emoções)" (''Stärke des Gemütsbewegungen'') e "velocidade da variação dos movimentos internos (emoções)" (''Schnelligkeit des Wechsels der Gemütsbewegungen'').<ref>Wundt, W. (1903). ''Grundzüge der physiologischen Psychologie'' (5. Aufl., Bd. 3). Leipzig: Barth.</ref>. Através de uma [[análise fatorial]] de questionários de personalidade [[Hans Eysenck]]<ref>Eysenck, H.J. (1990). Biological dimensions of personality. Em L.A. Pervin (ed.), ''Handbook of personality theory and research'' (pp. 244-276). New York: Guilford.</ref><ref>Eysenck, H.J. & Eysenck, M.W. (1985). ''Personality and individual differences''. New York: Plenum.</ref> encontrou também duas dimensões que, grosso modo, correspondem àquelas postuladas por Wundt. A dimensão “intensidade das emoções” foi chamada de extroversão e seus pontos extremos foram considerados por Eysenck como correspondentes aos tipos introvertido e extrovertido da classificação de [[Carl G. Jung]]. Para este pessoas introvertidas são “voltadas para dentro” e fechadas; já pessoas extrovertidas são “voltadas para fora”, abertas e assim mais simpáticas e acessíveis. A segunda dimensão de Wundt foi chamada por Eysenck de neuroticismo e descreve a instabilidade emocional. O nome vem da observação feita pelo pesquisador, de que os [[neurose|neuróticos]] frequentemente têm um humor instável e variável. O sucesso do sistema de classificação dimensional de Eysenk deve-se sobretudo ao fato de suas duas dimensões terem sido confirmadas por praticamente todas as análises fatoriais de traços de personalidade desde então, inclusive o muito difundido modelo dos [[Big Five (psicologia)|Big Five]].
 
Para a medição desses traços de personalidade Eysenck desenvolveu o EPI (Eysenck Personality Inventar; Eysenck & Eysenck, 1968). A pesquisa de Eysenck descobriu que pessoas com alto nível de neuroticismo tendem a relatar mais problemas físicos e mentais e mais afetos negativos, enquanto pessoas com alto nível de extroversão tendem a ter um comportamento mais sociável (ir a festas, sair) e descrevem ter afetos mais positivos.
 
A teoria de Eysenk inclui, além das duas dimensões, uma descrição de sua basa fisiológica, ligando-as ao funcionamento de determinadas áreas [[cérebro|cerebrais]] e do [[sistema límbico]]. Sua explicação dos mecanismos corporais que levam à formação do temperamento pode ser considerada falsificada pela pesquisa atual .<ref name="Asendorpf">< /ref>.
 
=== A teoria de Gray (1982) ===
Gray (1982) propôs uma ampliação da teoria de Eysenck. Segundo ele o ser humano apresenta três '''sistemas de comportamento''' (ing. ''behavioral systems'') que atuam em situações emotivas:<ref>Gray, J.A. (1982). ''The neuropsychology of anxiety: An enquiry into the functions of the septo-hippocampal system''. Oxford: Oxford University Press.</ref>:
 
* Um '''Sistema de ativação comportamental''' ('''BAS''', ing. ''behavioral approach system''), que organiza as reações a estímulos condicionados ligadas a um [[reforço]], tanto positivo quanto negativo (não-punição) (ver [[condicionamento operante]]) e que conduz a um comportamento de aproximação (ou seja à realização do comportamento);
 
* Um '''Sistema de inibição comportamental''' ('''BIS''', ing. ''behavioral inhibition system''), que organiza as reações a estímulos desconhecidos ou que estão ligadas a uma [[punição]], tanto positiva quanto negativa (supressão de um reforço) e que conduz a uma inibição do comportamento (ou seja à sua não realização), a um aumento da tensão, da atenção e da excitação do sistema límbico e
 
* Um '''Sistema de luta-fuga''' (ing. ''fight/flight system''), que organiza as reações a estímulos incondicionados ligados a perigos (ver [[condicionamento clássico]]) que conduz a um ataque defensivo ou à fuga, de acordo com a situação.
 
Um quarto sistema ligado a estímulos incondicionados ''positivos'' não existe, segundo Gray; segundo ele para tais estímulos há uma série numerosa de sistemas diferentes. Apesar de basear sua teoria em descobertas [[neurofisiologia|neurofisiológicas]] Gray, ao contrário de Eysenck, não procurou uma base [[anatomia|anatômica]] para seus sistemas de comportamento. Sua teoria adiquireadquire assim um valor mais heurístico (isto é, gerador de hipóteses a serem comprovadas) do que descritivo.<ref name="Asendorpf">< /ref>.
 
De acordo com Gray a diferenças interindividuais nas sensibilidades do BIS e do BAS constituem duas dimensões [[ortogonais]] (independentes), que podem ser chamadas '''inibição''' e '''ativamento'''. Segundo Gray (1987) essas duas dimensões correspondem ''grosso modo'' os conceitos [[psicologia do senso comum|comuns]] de ''ansiedade'' e ''impulsividade''. Assim, segundo a presente teoria, uma inibição intensa caracteriza-se por uma grande sensibilidade com relação a situações desconhecidas e punições (positivas e negativas), enquanto um forte ativamento caracteriza-se por uma grande sensibilidade com relação a reforços (positivos e negativos).<ref>Gray, J.A. (1987). Perspectives on anxiety and impulsivity. A commentary. ''Journal of Research in Personality, 21'', 493-509.</ref>. Essas duas dimensões estão intimamente relacionadas com as dimensões de Eysenck, mas em uma rotação de 45° com relação a essas, como mostra a tabela:<ref name="Asendorpf">< /ref>:
 
<table border="1" cellpadding="2">
Linha 49 ⟶ 44:
</table>
 
Assim, se vê que pessoas com uma alta inibição têm, de acordo com Gray, um alto nível de neuroticismo e ao mesmo tempo um alto nível de introversão, enquanto uma baixa inibição significa um baixo grau de neuroticismo e um alto grau de extroversão. A pesquisa empírica conseguiu comprovar que as dimensões de Gray são de fato independentes (ortogonais),<ref>Carver, C.S. & White, T.L. (1994). Behavioral inhibition, behavioral activation, and affective responses to impending reward and punishment: The BIS/BAS scales. ''Journal of Personality and Social Psychology, 67'', 319-333.</ref> <ref>Strobel, A., Beauducel, A., Debener, S. & Brocke, B. (2001). ''Zeitschrift für Differentielle und Diagnostische Psychologie, 22'', 537-557.</ref>, no entanto elas têm uma [[correlação]] muito grande com as dimensões de Eysenck <ref>Gable, S.L., Reis, H.T. & Elliot, A.J. (2000). Behavioral activation and inhibition in everyday life. ''Journal of Personality and Social Psychology, 78'', 1135-1149.</ref> - BAS com extraversão e BIS com neuroticismo - de forma que não se pode afirmar que as teorias de Eysenck e de Gray descrevam fenômenos distintos. Essa é uma tarefa aberta para a pesquisa futura.<ref name="Asendorpf">< /ref>.
 
{{Ref-sectionreferências}}
 
== {{Ver também}} ==
* [[Personalidade]]
* [[Teoria da personalidade]]
Linha 61 ⟶ 56:
* Asendorpf, Jens B. (2004). ''Psychologie der Persönlichkeit''. Berlin: Springer. ISBN 3 540 66230 8
* Dalgalarrondo, Paulo (2000). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes médicas. ISBN 85-7307-595-3
* Eysenck, H.J. (1990). Biological dimensions of personality. Em L.A. Pervin (ed.), ''Handbook of personality theory and research'' (pp. 244-276&nbsp;244–276). New York: Guilford.
* Eysenck, H.J. & Eysenck, M.W. (1985). ''Personality and individual differences''. New York: Plenum.