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::'''''Nota:''' se você procura o pintor de nome semelhante veja [[Manuel Dias de Oliveira]].''
[[Ficheiro:MatrizStoAntonioTiradentesMG.jpg|thumb|right|250px|''Matriz de Santo Antônio'', onde Manoel Dias de Oliveira assimilou recursos musicais e executou suas obras]]
'''ManoelManuel Dias de Oliveira''' ([[Tiradentes (Minas Gerais)|Tiradentes]]?, [[1734]],/5 [[1735]]- ouVila [[1738]]de -São [[RioJosé, deatual Janeiro]]Tiradentes, [[1813]]) foié um músicocompositor brasileiro do período [[brasil]]eirocolonial.
'''A data e o local de nascimento, possível filiação'''
O único documento que informa a data aproximada de nascimento de Manuel Dias de Oliveira é o ''Rol dos confessados desta Freguezia de S. Antonio da Villa de S. Jozé Comca do Rio das Mortes deste prezente anno de 1795'' (IPHAN - Tiradentes-MG). Já que as idades indicadas dos filhos neste censo populacional conferem com as respectivas certidões de nascimento – o que jamais poderia ser exemplo de regra sobre o rigor dos recenseamentos coloniais, a idade do compositor – 60 anos - também pode ter sido anotada corretamente. Ele teria nascido portanto entre setembro de 1734 e agosto de 1735. Flávia Toni, em sua dissertação de mestrado pela USP (1985), levantou a hipótese sobre as origens do compositor mulato. Segundo a musicóloga paulistana, Manuel Dias de Oliveira talvez fosse filho de Lourenço Dias de Oliveira (Portugal?, ? – Vila de São José, 1760). Branco, solteiro e possivelmente português, atuou como organista na Vila de São José entre 1756 e 1760, onde pertenceu às Irmandades do Bom Jesus do Descendimento, Caridade de Nossa Senhora da Piedade, Nosso Senhor dos Passos e por fim São Miguel e Almas. Sendo solteiro – o que não era de se estranhar, pois havia menos mulheres que homens brancos na primeira metade do século XVIII em Minas, Lourenço Dias de Oliveira pode ter gerado o filho com uma negra ou escrava, costume, aliás, comum no Brasil colonial. Se foi realmente seu pai, pode ter sido também seu professor. Em todo o caso, a coincidência de sobrenomes e profissão não pode ser subestimada. Outra possibilidade é que Manuel Dias de Oliveira tenha sido escravo de Lourenço Dias de Oliveira, e por este alforriado, independente de ter sido ou não seu filho. Como músico de destaque desde jovem, o que lhe possibilitaria uma situação financeira acima da média dos escravos, é possível também que Manuel Dias de Oliveira tenha comprado sua liberdade através do processo de coartação, já que os artistas devem ter sido os primeiros a se beneficiar desta singular relação entre escravo e proprietário, desenvolvida principalmente na Capitania de Minas Gerais a partir do final da primeira metade do século XVIII. Não se sabe onde Manuel Dias de Oliveira nasceu. Talvez tenha nascido na própria Vila de São José, o que só não se pode comprovar pelo fato de estarem perdidos os registros de nascimento daqueles anos. É provável que o compositor já estivesse na Vila de São José desde 1752, na ocasião, com aproximadamente 18 anos – e sabe-se isto por sua entrada como irmão na Irmandade de São João Evangelista. Não há notícia que daquela data até sua morte, em 1813, tenha vivido em qualquer outra vila fora São José, apesar de atividades comprovadas em outros arraiais e vilas mineiras, quer seja como compositor (São João d’El Rey e Congonhas), calígrafo (Igreja Nova da Borda do Campo, atual Barbacena) ou militar (Arraial da Laje, atual Resende Costa).
 
'''Os possíveis professores e o estudo da música'''
Regente, copista e [[organista]], dedicou-se à música desde [[1769]] em irmandades religiosas. Uma lenda fala de seu talento precoce. Certa ocasião o padre [[Francisco da Piedade]] ouviu-o, ainda menino, a cantar trechos de uma obra de [[Josquin des Prez]] enquanto estava a brincar com formigas. Impressionado, o padre o convidou a participar do coro da catedral de Santo Antônio, onde estudou teoria musical, [[contraponto]] e [[órgão]].
Caso o compositor seja de fato nascido ou vivido desde jovem na Vila de São José, o que até agora não foi confirmado nem desmentido, ele pode ter sido aluno dos mestres locais, como o mestre-de-capela, padre Paulo Rodrigues de Souza (? – 1751?), o músico de maior prestígio da Vila nos anos 40 do século XVIII, ou o padre Felipe Franco (?-1760?), que atuou pelo menos desde os anos 30 do século XVIII como cantor e compositor de bradados. É mais provável, no entanto, que Manuel Dias de Oliveira tenha sido aluno do capitão Francisco da Silva Nunes e Souza (Portugal?, 17?? – Vila de São José?, 1803), que além de militar – mas sem soldo - e músico – regente, cantor (tiple) e compositor, era também tabelião e pintor. As atividades como pintor são as mais antigas, e remontam ao ano de 1737. No ano seguinte, Ângelo de Siqueira esteve nas minas do Rio das Mortes, o que se sabe através do documento já citado, existente em São Paulo (Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, Processos Gerais Antigos – Crime, São Paulo, Francisco de Almeida Lara, 1739). É bem provável, portanto, que tenha havido um contato entre os dois compositores de solfa. Francisco da Silva Nunes e Souza compôs diversas obras “a dois coros”, provavelmente desde o ano de 1745 (obras perdidas, mas com registros de pagamento e execução). Um exemplo disso há no Livro de Receita e Despesa (1737-1760) daquela que foi a Irmandade mais rica da Vila de São José, a Santíssimo Sacramento, quando, entre 1760 e 1761, o compositor ali residente, Francisco da Silva Nunes e Souza, recebe uma grande quantia em dinheiro pela composição musical, e os instrumentistas, que vieram de São João d’El Rey, recebem uma outra soma à parte: ''Pello q se deu a Franco da Sa Nunes da Muzica 280$000 / Pello q se deu aos muzicos de São João 52$600'' (Flávia Toni, 1985 p.112). Trata-se de uma das maiores quantias paga a um músico em todo o ciclo do ouro. É curioso, no entanto, que o nome de Francisco da Silva Nunes e Souza não esteja incluído em nenhum catálogo temático da música colonial brasileira. Ainda sobre este personagem setecentista da Vila de São José, ainda pouco conhecido, sabe-se que atuou como tabelião. Numa autenticação cartorial para o processo de concessão de uma sesmaria – que só receberia um despacho favorável de Lisboa, em 1779 - a um tal Caetano Nunes Pereira, datada em 1772, observa-se o autógrafo do capitão, músico e pintor, procedido da função de ''Tabelião do judicial publico'' (Arquivo Histórico Ultramarino -Minas Gerais, cx.145 doc.36), o que indica tratar-se de alguém com prestígio social na época. Outra informação diz respeito a um projeto religioso, por ocasião de um requerimento seu, despachado em Lisboa, no dia 13 de maio de 1772: ''Diz Francisco da Silva Nunes e Souza, morador na Villa de S. Jozê, Minas, Comarca do Rio das Mortes, q’ elle pella grande devoção, q’ sempre teve e tem a Senhora do Monte do Carmo fez promeça de lhe mandar erigir huma ermida'' (AHU-MG, cx.102 doc.47). Nunes e Souza solicita a José I a autorização também para dispor de um ermitão para pedir esmolas, a fim de conseguir meios para a edificação da dita ermida. Por fim, observa-se que durante o tempo em que Lourenço Dias de Oliveira permaneceu atuante como organista na Vila de São José, seu nome esteve, por diversas vezes, associado a Francisco da Silva Nunes e Souza, o que consta de recibos que assinaram conjuntamente por trabalhos realizados. É provável, portanto, que não só trabalhassem juntos como músicos, mas que mantivessem também algum laço de amizade.
'''As atividades como músico – compositor e mestre-de-capela'''
O documento mais antigo que se conhece de Manuel Dias de Oliveira como compositor data de 1769, ''da Muzica a Mel Dias a dois coros'', composta para a Irmandade de Nosso Senhor dos Passos, pela qual recebeu 32 oitavas de ouro (Toni, 1985 p.57). Da Vila de São José, por enquanto, só foram encontrados documentos sobre suas atividades de compositor entre 1769 e 1798. É provável, no entanto, que ele deve ter atuado antes de 1769. Permanece a dúvida, se ele atuou também depois de 1798. A julgar pelos documentos existentes, os anos mais produtivos em sua vida foram os primeiros da década de 70 do século XVIII, quando chegou a monopolizar as encomendas musicais das principais irmandades da Vila de São José. Como exemplo, podemos citar os anos de 1772 e 1773, quando recebe das Irmandades do Santíssimo Sacramento e da Nosso Senhor dos Passos, um total de 298$080. É possível que esta quantia inclua o pagamento a outros músicos e cantores, mas também não se pode provar que Manuel Dias de Oliveira não a tenha recebido sozinho, ou pelo menos a maior parte. Para que possamos comparar os vencimentos de Manuel Dias de Oliveira com outro artista mineiro, o Aleijadinho, basta verificarmos que, em 1781, o escultor recebeu o pagamento anual de 200$000 da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo de Sabará (Bazin, 1963 p.109). Manuel Dias de Oliveira, no ano anterior, em 1780, recebeu da Irmandade do Santíssimo Sacramento, da Vila de São José, só pela música da Semana Santa, a quantia de 72 oitavas de ouro– equivalente a 108$000. Ou seja, para uma semana de trabalho, Manuel Dias de Oliveira recebeu 54% do que o Aleijadinho recebera em um ano. Outra comparação possível é em relação àquele que recebia um dos maiores salários da capitania: Tomás Antônio Gonzaga. O poeta árcade recebia pelos seus serviços como ''Ouvidor Geral da Comarca de Villa Rica'' o ''ordenado'' anual de “500$000” (BN-RJ, II.14.4.5 f.6), além de uma ''ajuda de custo'' de ''400$000'' (BN-RJ, II.14.4.5 f.2). O ''Dirceu'' ganhava por ano, na década de 1780, portanto, um total de 900$000. Pelo menos, em 1773, ano em que há registros de documentos com a maior soma em pagamentos, os vencimentos de Manuel Dias de Oliveira não passam de 150$000. A opulência, portanto, não era seu caso, nem de Aleijadinho. O registro redigido pelo próprio Manuel Dias de Oliveira - que como já vimos, além de músico e capitão era também calígrafo - da entrada de sua mulher, Ana Hilária, em abril de 1769, na provavelmente também sua Irmandade dos Escravos de Nossa Senhora da Piedade, indica a profissão ''mestre de muzica'' do marido. Portanto, ele mesmo se intitulava professor de música. São indícios de que ele era professor e até tenha tido uma escola de música, e que esta foi sua também fonte de renda, ao lado do ofício de compositor. No entanto, em seus recibos por trabalhos musicais, não há uma única indicação sequer sobre sua atuação, quer seja como cantor, organista, ou instrumentista, quer seja um instrumento de cordas ou sopros - o que não deixa de ser raro para um músico do século XVIII. É provável que tenha realizado algumas destas tarefas, mas nenhum documento conhecido até agora comprova tais atividades. Em todos os casos, Manuel Dias de Oliveira recebia como chefe do serviço musical, o que não se pode determinar com precisão a cada caso, se só foi o mestre-de-capela regente da música, só o compositor, ou ambos simultaneamente.
 
'''Sobre as patentes militares'''
O músico teve aulas com o organista Lourenço Dias de Oliveira (?-1760), talvez seu parente ou pai<ref name="castagna">CASTAGNA, Paulo. (2004). ''A música religiosa mineira no século XVIII e primeira metade do século XIX''. <http://www.ia.unesp.br/docentes/castagna/hmb/HMB_2004_apostila06.pdf>. São Paulo: Apostila do curso História da Música Brasileira - Instituto de Artes da [[UNESP]]</ref>.
Manuel Dias de Oliveira foi militar pelo menos desde 1769, como alferes, e promovido, em 1771, a capitão, patente que exercerá até sua morte. Mas é bem provável que jamais tenha recebido qualquer soldo. O posto militar, destinado aos que não recebiam soldo, era antes uma honraria social. Esta política de distribuição de patentes a não profissionais, foi aprimorada pelo Marquês de Pombal, inspirado em velhas estratégias de domínio colonial. O astuto ministro de José I – e a prática permaneceu até João VI - objetivava a interação das forças metropolitanas com os povos subordinados na Colônia, justamente para atenuar as tensões sociais e propiciar à Coroa os mesmos lucros do colonialismo, mas correndo talvez menor risco de levantes. Por isso, até os ''pardos forros'' se tornavam oficiais. O documento referente à primeira patente foi localizado no Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte. Trata-se do ''Registro de Patentes de Officiaes 1769-1770, da Secretaria do Governo Geral das Minas'', livro rubricado por Henriques em Lisboa, a 2 de julho de 1766: ''Manoel Diaz de Olivra/Nombramto de Alferes dos pardos da ordenanca da Va de S. Joze do Ro das mortes/Dom Joze Luis de Menezes Abranches Castello Branco e No Conde de Valladares do Concelho de El Rey meu Senhor e Comendador das Comendas de São Julião de Montes Negros Guião da Castanheira Santa Maria de Viade Santa Maria de Cazaes e São Sebastião de Alpriade da Ordem de Ex. Pe Govor e Capm Genal da Capnia de Minas Geraes/Porquanto seja eu por prover o posto de alferes da Compa de Ordenanca dos homens pardos libertos do Distrito da Va de S. Joze Comarca do Rº das Mortes de que he Capam Francisco Joze Cardozo [...] se preciso prover no dito posto em pessoa idonia e concorrera os requizitos necessarios no dito Manoel Diaz de Olivra para bem exercer, e esperar dele que em tudo o degº for encarregado do real serviço e suas obrigação [sic] se havera em igual constancia do bom conceito que forma de sua pessoa hei por bem de nomear e criar e prover como por esta faço/em virtude da real ordem de 22 de março de 1766 firmada da sua real mão ao dito Mel Diaz de Oliveyra com o posto de Alferes da Companhia dos Homens Pardos Libertos do Distrito da Villa de Sao Joze da Comarca do Rº das Mortes de que he Capam Francisco Joze Cardozo, como Alferes sera obrigado a residir no Distrito da mencionada Compa pena de que não fazendo se lhe dar baixa na forma das ordens de Sua Magestade e exercera o dito posto enquanto eu o houver por bem, e como o Senhor não mandar o contrario [...] o referido posto gozara de todas as honras e privilegios que em razao dele pertencerem pelo que o Capitão mor das Ordenanças da dita Villa e seu termo Manoel Antunes Nogra lhe dava pessoa e juramento dos Santos Evangelios na forma dos regimentos e o conhecia por Alferes da mencionada Companhia com [...] de honra e estima e da mesma forma o Capam e officiaes subalternos e soldados dela em tudo o obedeçam no que for pendente ao real serviço como deve e são obrigados e por firmeza de tudo lhe mandei passar o prezente por mim assinado e sellado e o modelo de minhas armas que se cumprira integralmente com o nele se contém/Registrando-se nos livros da Secretaria deste Governo e Camara respectiva onde mais [...]. Dado em Villa Rica do Ouro Preto a 26 de setrº de 1769/O Secretario do Governo de Minas Gerais Joze Luiz Sayão a fez escrever = Conde de Valadares = Lugar do sello = Nombramento porque o Ex. ha por bem de nomear e prover na forma do nosso regulamento em observancia da Real Ordem de Sua Mage de 22 de março de 1766 firmada de sua real mão a Manoel Diaz de Olivra no posto de Alferes da Compa de Ordenança dos Homens Pardos Libertos do Districto de S. Joze de que he Capam Francisco Joze Cardozo da Comarca do Rio das Mortes. E tudo na forma que nela se declara para Vossa Exa Regda a folha do verso do L. de Regº de Patentes e Nombramentos do Governo e que atualmente serve nesta Secretaria de Minas Gerais/Va Rica 26 de 7brº de 1769 = Joze Luiz Saião = cumprasse e rege Villa Rica 6 de dezembro de 1769 = Barreto/e registrado e conferido como proprio a que me reporto. Va Rica 6 de dezembro de 1769 Annos eu Antº da Motta e Mages Escrivão/e assinei Antº da Motta Mages'' (APM. Seção I/Registro de Patentes de Oficiais/1769-1770/f.74-75). Deste documento pode-se compreender, portanto, que Manuel Dias de Oliveira fora nomeado alferes por José I, em Lisboa, no dia 22 de março de 1766, e provido no posto pelo Conde de Valadares, em Vila Rica, no dia 26 de setembro de 1769. Ele seria alferes junto à Companhia dos Homens Pardos Libertos do Distrito da Vila de São José, cujo capitão era então Francisco José Cardoso. Ambos estavam subordinados a Manuel Antunes Nogueira, o capitão mor das Ordenanças da Vila de São José, incluindo-se aquele distrito. O alferes compositor, por fim, ficava obrigado a residir na Vila de São José, o que não representava qualquer mudança em seu ''modus vivendi''. O segundo documento referente às patentes militares do compositor foi localizado junto ao Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. Este documento encontra-se dividido em duas partes. Na primeira, há a seguinte solicitação de Manuel Dias de Oliveira: ''[...] de confirmação Lxa 23 de 7bro de 1772/Diz Manoel Dias de Olivra assistente na Comarca do Rio das Mortes, q’ pela Carta e patente juntas se mostra ser o suppcte eleito pello Conde de Valadares Governador das Minas Geraes no posto de Cappam da Ordenança de pé dos homens pardos libertos do districto da Lage da Fregza da Va de S. José do Rio das Mortes novamte creada e estabelesida no dto districto, e pa Legitimamte confirmado no dto Posto/Pa V. Mage seja servido mandar-lhe passar hua Carta de Confirmasão/ER Mee/[...] em 5 de 8bro de 1772'' (AHU-MG, cx.103 doc.54). Trata-se de uma cópia de um requerimento de Manuel Dias de Oliveira a José I, solicitando ser confirmado no exercício do posto de capitão. O compositor refere-se a um anexo – ''a carta e patente juntas'', o qual demonstra já ter sido promovido a capitão pelo Conde de Valadares, no dia 10 de junho de 1771, justamente para uma ordenança recentemente criada, no Distrito da Laje da Freguesia da Vila de São José. O oficial Pedro Teixeira de Carvalho, na Vila de São José, deu posse ao ''cargo e juramento na forma que manda o regulamento'', no dia 8 de julho de 1772. Segundo o Mapa dos Regimentos de 1787 (AHU-MG, cx.126 doc.15), havia um Regimento de Cavalaria de Homens Brancos da Vila de São José, comandado pelo Coronel Severino Ribeiro, um Terço de Infantaria de Homens Pretos e Pardos da Vila de São José, comandado pelo mestre-de-campo Joaquim Pereira da Silva, e por fim, um Regimento de Infantaria de Homens Brancos e Pardos do Termo [Distrito] da Vila de São José, comandado pelo coronel Miguel Teixeira da Silva. Pode-se concluir, portanto, que a companhia, da qual Manuel Dias de Oliveira era alferes, pertencia ao Regimento de Infantaria. Já quando se torna capitão, sua companhia pertencerá ao Terço de Infantaria.
 
'''Um documento cartorial'''
Em 1766, recebeu a nomeação de Capitão de Ordenança de Pé dos Homens
Observa-se ainda um documento cartorial da Vila de São José, datado em 14 de outubro de 1776, onde se encontra descrito um negócio imobiliário efetuado ''em casas do Capitão Manoel Dias de Oliveira''. Trata-se da venda de um imóvel pelo valor de 384$000. O vendedor é ''Antonio Gracia [sic - ou Grassia?] de Mello, morador desta Villa''. A compradora é ''Ignes Maria de Andrade, moradora no suburbio desta Villa''. Ao lado da assinatura de Manuel Dias de Oliveira, aparece também como testemunha o nome de David de Miranda Pereira (IPHAN-SJR, Livro de Notas, 1º Ofício / São José, 1775-1777. f.223-225). Em todo caso, o fato de uma escritura de venda ter sido passada em sua casa, sendo ele próprio uma testemunha, não deixa de ser uma indicação de que o compositor gozava de prestígio e credibilidade social na Vila de São José.
Pardos Libertos de São José do Rio das Mortes. Em 1769, já usava a patente de alferes, em período coincidente com a regência de músicas para as irmandades locais<ref name="castagna"></ref>.
 
'''Casamento, mulher, filhos e escravos'''
Também foi membro da Ordem Terceira de São Francisco, e recebeu o título de Capitão da Cavalaria a Pé da Rainha [[Maria I de Portugal|Dona Maria I]], o mais alto título que alguém de pele escura podia receber.
Manuel Dias de Oliveira casou-se ao que sabemos pela primeira e única vez com a mulata Ana Hilária (Vila de São José, 1753/4-1824), provavelmente no início do ano de 1769, ele então com 35 e ela com 15 anos, aproximadamente. Ainda não foi localizada a certidão de casamento, documento que poderia esclarecer tantas dúvidas sobre as origens do compositor. O casal teve pelo menos 10 filhos legítimos, todos nascidos na Vila de São José: Maria Inácia das Virgens (1769-1850), Marcelina Maria Antônia (1772-1840), Francisco de Paula (1774-1829), Manuela (1776-?), Ana Maria (1780-?), Manoel (1781-?), Ana (1783-?), José (1784-?), Lourenço Justiniano (nascido e morto em 1786), cujo nome talvez tenha sido uma homenagem ao avô ou suposto ex-“proprietário” de seu pai, e Teresa (1789-?), tendo sido esta última, mãe em 1829, mas o bebê morreu ao nascer. Ainda há o registro talvez de um décimo primeiro filho, de nome Severino (1788-?), batizado como ''exposto em casa'', que significa tratar-se de um agregado ou filho adotado. Dos filhos de Manuel Dias de Oliveira, só foi encontrado, até o presente momento, o registro de casamento de Francisco de Paula Dias de Oliveira, que seguiu a profissão do pai. Ele casou-se com Ana Balbina da Conceição, em 1798, e teve 5 filhos. Só recentemente tem-se a idéia aproximada da data de seu nascimento, graças ao ''Rol dos Confessados da Freguesia de Santo Antônio da Vila de São José''. Neste censo, datado em 26 de agosto de 1795, surgem alguns dados novos sobre Manuel Dias de Oliveira, sua família e escravos, contidos na relação de moradores da Vila de São José. O documento, hoje arquivado em Tiradentes - MG (IPHAN - Tiradentes, Sobrado Ramalho), encontra-se em excelente estado de conservação e conta ainda com a encadernação original do século XVIII. Tratamos aqui da transcrição do trecho referente ao compositor, fruto de uma consulta direta ao documento:
 
Rol dos confessados desta Freguezia de S. Antonio da Villa de S. Jozé Comca do Rio das Mortes deste prezente anno de 1795
Suas obras são executadas em uma tradição ininterrupta nas igrejas da região de Tiradentes, então São José del Rei, como [[São João del Rei]], [[Prados]] e Congonhas do Campo, atual [[Congonhas]]<ref name="castagna"></ref>.
 
applicação da Matriz
Uma boa quantidade delas ainda permanece em manuscrito. Conservam-se cerca 30 obras, sendo a maioria sacras<ref name="castagna"></ref>. Destacam-se dois ''Te Deums'' (sendo um alternado em lá menor), seis [[moteto]]s ''a capella'', um ''Magnificat'' e um ''Gradual''.
Fogos Pessoas Matriz Mayores Menores Chrisma
510 2918 Cap. Mel Dias de Oliva p. 60 A
2919 Anna Hilaria mer p. 41 A
Fos
2920 Ma 26 A
2921 Marcela 23 a
2922 Frco 20 a
2923 Mel 14 a
2924 Jze 10 c
Esc.
2925 Fca 19 c
2926 Miguel ang. 35 c
2927 ibi João Fco crl. F. s. 52 A
Fonte: IPHAN-Tiradentes (documento não catalogado)
 
Applicação = Relação de fiéis da Igreja Matriz de Santo Antônio.
Também têm destaque ''Miserere para contralto solo'' para 4 vozes e órgão; ''Visitação das Dores'' para oito vozes e instrumentos; ''Motetos de Passos'' para oito vozes e instrumentos; ''Sábado Santo''; e ''Visitação dos passos'' para oito vozes e instrumentos<ref name="castagna"></ref>.
Fogos Nº510 = O número da residência na Vila de São José.
Pessoas do número 2918 ao 2927 = Moradores na casa do capitão Manuel Dias de Oliveira em 1795, contados no total de habitantes da vila.
p. = Indica que tanto o compositor como sua mulher, Ana Hilária, eram “pardos” – nome genérico para qualquer mistura, entre brancos, negros e índios, mesmo que, na maior parte destes casos, fossem mulatos.
60 = O número à frente do nome indica a idade, e no caso de Manuel Dias de Oliveira, 60 anos.
Mer. = Ana Hilária, de 41 anos, é a mulher do compositor.
Fos = Relação de filhos do casal e suas respectivas idades, os quais moravam naquele ano com os pais: Maria Inácia das Virgens (26), Marcelina Maria Antônia (26), Francisco de Paula (20), Manoel (14) e José (10).
Esc. = Relação de escravos.
crl. = Crioulo.
F. = Forro.
s. = Solteiro.
 
Por fim, na última página do Rol dos Confessados, aparecem as assinaturas: ''Joaõ Martins Lopes – Coadjutor / 26 de agosto de 1795 / Vigr. Encomo Mel Gomes de Sz / Comprasse e Registrasse S. João / 31 de agosto de 1795 / Per Castro'' (IPHAN-TI). Nota-se que residiam naquela casa, além do casal Manuel e Ana Hilária com seus 5 filhos, uma escrava chamada Francisca de 19 anos (que morreria no ano seguinte, em 1796), um escravo de nome Miguel, natural de Angola, de 35 anos, e ainda um crioulo (provavelmente um negro nascido no Brasil), forro e solteiro, de nome João Francisco, já com 52 anos. Em outros documentos há ainda mais registros de escravos de Manuel Dias de Oliveira, como Maria, que morreu em 1788, Inácia, que era mulata, e morreu em 1790, e Gracia Angola (sem datas), que teve uma filha chamada Joaquina, em 1775.
{{referências}}
 
'''Manuel Dias de Oliveira e a Inconfidência Mineira'''
==Outras referências==
A Inconfidência Mineira (1789) foi o movimento republicano mais importante do período colonial, visavando também a independência do Brasil. Seus dois principais núcleos situavam-se nas comarcas de Vila Rica e no Rio das Mortes (Vila de São João d’El Rey e Vila de São José), sendo que Manuel Dias de Oliveira conviveu com todos os principais revolucionários deste segundo núcleo. O contato direto mais próximo e por mais tempo o compositor manteve, por certo, com os irmãos Toledo, naturais de Taubaté. Os pais se chamavam Timóteo Correia de Toledo (que depois de viúvo se tornaria padre) e Úrsula Isabel de Melo. A família Toledo estava entre as mais ricas do Vale do Paraíba. Pelo inventário da mãe , do ano de 1759, podemos observar o rol de filhos:
*[http://www.escolavesper.com.br/ouro_preto.htm Resumo biográfico]
*'''Dias, Sérgio.''' Encarte do CD ''Manoel Dias de Oliveira - Sacred Music from 18th century Brasil, vol. II''. Suíça: Claves Records/Ensemble Turicum, 1997.
[[Categoria:Compositores eruditos do Brasil]]
[[Categoria:Organistas]]
 
1º Carlos de idade de 29 anos pouco mais ou menos.
[[nl:Manoel Dias de Oliveira]]
2º Luiz de idade de 20 anos pouco mais ou menos.
3º Maria Anna de Toledo cazada com o capitão Antonio Joze da Motta.
4º Antonio de idade de 15 anos pouco mais ou menos.
5º Bento de idade de 12 anos pouco mais ou menos.
6º Anna de idade de 10 anos pouco mais ou menos.
7º Angella de idade de 7 anos pouco mais ou menos.
8º Joaquim de idade de 5 anos pouco mais ou menos.
 
O padre Carlos Correia de Toledo e Melo (Taubaté, 1730 – Parati, 18??), o primogênito, foi um dos principais líderes da Inconfidência Mineira. Tornando-se padre em São Paulo, em 1760, estudou posteriormente em Coimbra. Viveu como vigário colado na Vila de São José desde 1776, até ser preso, em 1789. Ele batizou José, filho de Manuel Dias de Oliveira, em 11 de novembro de 1784. No entanto, um erro cometido pelo padre Carlos Correia de Toledo e Melo talvez tenha selado a sorte da Inconfidência Mineira. Ele tentou aliciar justamente o mais poderoso militar da Capitania, Inácio Correia Pamplona, que poucos dias depois, ao invés de aderir ao movimento, delatou o fato ao Visconde de Barbacena, então Governador de Minas Gerais. Talvez seja oportuno, aqui, o registro daquele fatídico momento. Eis o trecho da carta denúncia, datada no dia 20 de abril de 1789, escrita por aquele rico mestre-de-campo a seu compadre, o Governador: ''No dia 29 de março [de 1789] fui convidado pelo Reverendo Vigário Carlos Correia de Toledo para ir a Semana Santa à dita Vila [de São José]; e fui à Procissão dos Passos, onde o dito vigário me disse em conversa que se tratava de um levante[...] E como era dia de Sermão e de noite fomos visitar as igrejas, não deu tempo para mais; no outro dia de madrugada vim-me embora com a promessa de tornar, e para isso deixei logo o meu vestido [da irmandade do Nosso Senhor dos Passos]'' (Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, Vol.I p.109). Naqueles anos, Manuel Dias de Oliveira havia arrematado quase todos os serviços para a Irmandade de Nosso Senhor dos Passos, a responsável pelas procissões na Semana Santa, para a qual ele havia composto diversas séries de motetos. Embora não tenha sido encontrado o recibo de pagamento para a função de 1789, é bem provável que o capitão e compositor estivesse atuando nela, de alguma maneira. Ele estaria assim próximo a todos estes personagens. E Inácio Correia Pamplona, voltando para sua fazenda nos arredores de Prados, afirmou então ter caído do cavalo, motivo pelo qual não iria mais a outras procissões na Vila de São José. A desculpa do sertanista causou grande aflição ao padre taubateano, que começava a se preocupar com o futuro da conjuração. Eis o desfecho da carta denúncia de Inácio Correia Pamplona ao Governador: ''Escrevi ao vigário que, por conta das minhas enfermidades, me dispensasse, e perguntando eu ao mulato: que lhe disse o vigário? (por que me não respondera a minha carta), disse que a recebera e que se pusera a passear, e a bater com a carta na cabeça, e que dissera ao mulato: se te quiseres ir, em cima daquela mesa está o vestido; leva-o, que a doença de teu senhor é de mentira''(ADIM, Vol.I p.110). O segundo mais velho entre os irmãos Toledo, Luiz Vaz de Toledo Piza (Taubaté, 1739 – Cambembe, 1795), seria nomeado sargento-mor da dita Vila, e do mesmo modo, participaria ativamente da dita conjuração. Consta também, nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, outro episódio, o qual teve, por certo, a figura de Manuel Dias de Oliveira como testemunha: segundo João Dias da Mota, sobre as acusações contra o sargento-mor Luiz Vaz de Toledo Piza, e esta informação foi obtida durante os interrogatórios por ocasião do processo da devassa, este inconfidente teria dito na Vila de São José, diante dos músicos , que ''com o fagote que trazia à cinta, havia de cortar a cabeça do General [Visconde de Barbacena]''. ''E que tudo quanto ali estava assim o ouviu, até os músicos''(ADIM, Vol.I p.178). O quarto filho da família Toledo, muito embora não tenha vivido com os irmãos inconfidentes na Vila de São José, é igualmente um personagem de interesse histórico-literário. Trata-se do reverendo padre mestre frei Antônio de Santa Úrsula Rodovalho (Taubaté, 1744 – Rio de Janeiro, 1817), radicado no Rio de Janeiro, ''mencionado como um dos quatro oradores máximos da tribuna religiosa no Brasil'' (Pompeo, 1929 p.134). Foi nomeado bispo de Angola, em 1810, mas não chegou a tomar posse do cargo. Rodovalho é autor de pelo menos duas obras sacras: ''Oração fúnebre á memória do (...) Marquez de Lavradio'', publicada em Lisboa, em 1791, e ''Oração de acção de graças, (...) pelo nascimento da (...) Princeza da Beira'', recitada, em 1793, e publicada, em 1809, no Rio de Janeiro (ver Borba de Moraes, 1969 p.303). Já Bento Cortes de Toledo (Taubaté, 1747-1843), portanto o sexto filho, com processo para se tornar padre em 1780, em São Paulo (ACSP - Processo de Habilitação de Genere et Moribus - nº3/80/2037), também vai às Minas, para viver e trabalhar ao lado de seus irmãos, e ainda de um outro padre, seu primo, também de Taubaté, Bonifácio da Silva Toledo, que anteriormente havia morado em Cunha, e posteriormente, ocupou a capelania de Oliveira, também na Comarca do Rio das Mortes (sobre Bonifácio ver também Pompeo, 1929 p.130-131). Pelas atividades dos Toledo fica claro a distribuição de tarefas: O primo Bonifácio e o irmão Bento cuidavam da igreja, enquanto Carlos ficava com o tempo mais livre para tratar dos mais variados negócios que possuía, quer seja como minerador, agricultor ou agitador político. Não pudemos determinar com certeza quando Bento Cortes de Toledo deixa as Minas, mas em 1792 já vendia, na Vila de São José, uma casa por 200$000 a um tal Rodrigo Francisco Viana (Livro de Notas, 1792, 1º Ofício / São José - IPHAN-SJR). Estaria ele providenciando sua mudança? O fato é que Manuel Dias de Oliveira e o padre Bento Cortes de Toledo se encontraram freqüentemente durante todo o tempo em que este trabalhou como coadjutor na Vila de São José. Estiveram juntos por ocasião das atividades profissionais de ambos, e também em cerimônias religiosas, pois o padre batizou o filho Manuel, em 1781, e o exposto em casa Severino, em 1788. Seus irmãos estavam no exílio, condenados que foram por Maria I, em 1792, pelo levante. E Bento Cortes de Toledo consegue logo um excelente emprego, agora próximo ao irmão Rodovalho: ele foi nomeado, junto ao Bispado do Rio de Janeiro, no dia 5 de novembro de 1798, visitador ordinário das igrejas e comarcas do continente do sul e todo o território do Rio Grande de São Pedro. No ano seguinte, em 1799, no mesmo bispado do Rio de Janeiro, passa a ser também o vice-reitor do Seminário Episcopal de São José. No dia 19 de setembro de 1802 foi apresentado pelo Príncipe Regente, o futuro João VI, como vigário colado em sua terra natal, portanto junto à Igreja Matriz da Vila de São Francisco de Chagas de Taubaté, tendo sido confirmado e constituído no cargo, pelo bispo de São Paulo, Mateus de Abreu Pereira, no dia 13 de outubro de 1803, dia da posse na dita função. No dia 26 de outubro de 1810 aumenta seus poderes, passando a ser simultaneamente também vigário de vara da nova Comarca de Taubaté, que abrangia as vilas de Pindamonhangaba, São José [Vale do Paraíba] e Jacareí. Há ainda dois documentos seus de interesse. O primeiro, datado em 18 de março de 1809, trata-se de um requerimento para que pudesse ser condecorado com a Ordem de Cristo. Já em 1818, novamente em solicitação a João VI, ''supplica a V. Mage a Graça de o condecorar com a Murça Honoraria da Real Capella desta Corte''. Neste último documento, ainda, o padre taubateano argumenta que havia trabalho nos três bispados, ''por espaço de trinta e oito anos: Mariana (Vigário Encommendado), Rio de Janeiro (Vizitador do sul e Vice-Reitor do Seminario de São José, pelos anos de 1799 e 1800) e São Paulo (Vigario Collado da Freguezia de Taubaté e Vigario de Vara da respectiva Comarca)''(BN-RJ, C-632,1 – esta pasta contem todos documentos e processos sobre o padre Bento Cortes de Toledo). No entanto, não há confirmação, por estes documentos da Biblioteca Nacional, se o dito padre recebeu o Hábito de Cristo e a Murça Honorária. Mas é provável que sim. Pelo que se observa nos registros manuscritos da Cúria Metropolitana de Taubaté, o padre estará profissionalmente ativo ainda até o final dos anos 20 do século XIX. Em seu testamento, reproduzido em seu inventário, de 1843, o rico padre confessa seus ''pecados'' – talvez temendo o inferno diante da morte eminente, e assume dois filhos naturais: A primeira, ''Constancia cazada com Manoel Alves Moreira Barbosa em São Carlos'' (atual Campinas), para a qual deixou como herança a quantia de 400$000, ''por ser [filha] de mulher casada e quando eu já sacerdote''. Já havia também ''reconhecido por filho a João Nepomuceno de Toledo, já falecido''. Outra curiosidade é seu desejo de não haver música em seu funeral: ''e quando os senhores sacerdotes me queirão fazer officio por uma generosidade sera sem muzica e dirão Missa de corpo presente''(Museu Municipal de Taubaté – Cartório do 2º Ofício, Livro de Registros e Testamentos, 1842-1844). Certamente o padre Bento Cortes de Toledo conheceu muitos detalhes da vida em Minas colonial, não só sobre a arte e cultura, esteve próximo a Manuel Dias de Oliveira como poucos, vivenciou dentro de sua própria casa a conjuração mineira, mas infelizmente parece que tudo isso não lhe pareceu de interesse para deixar relatado em crônica. Continuará esquecido. Outro condenado pelo levante, que também conviveu diretamente com Manuel Dias de Oliveira, nos primeiros anos da década de 1770 – e justamente durante a fase mais produtiva de sua carreira - foi o cônego Luís Vieira da Silva (Arraial da Soledade, 1735 – Angra dos Reis?, 180?), antecessor do padre Carlos Correia de Toledo e Melo como vigário na Vila de São José. Trata-se de uma figura emblemática da Inconfidência Mineira, pois era tido, em seu tempo, não só como um dos principais oradores de Minas, como também proprietário de uma das maiores bibliotecas do Brasil na época (ver Frieiro, 1981). E por fim, há ainda mais dois inconfidentes de proximidade incontestável a Manuel Dias de Oliveira: o capitão José Resende Costa, (Lagoa Dourada, 1730 – Cabo Verde, 1798) e seu filho, o futuro conselheiro José de Resende Costa (Paróquia ou Arraial da Laje, 1765 – Rio de Janeiro 1841). O pai foi colega de patente militar, visto que era capitão da Companhia de Cavalaria Auxiliar do mesmo Distrito da Laje (AHU-MG, cx.113 doc.54/Boschi, 1999 Vol.II p.104), justamente onde Manuel Dias de Oliveira era capitão da Ordenança de Homens Pardos Libertos. O capitão José de Resende Costa adquiriu a fazenda dos Campos Gerais, na Paróquia da Laje, que deu origem ao futuro arraial (hoje Resende Costa). O madrigal ''Herói que busca'', a 8 vozes, sem Basso, arquivado na Lira Sanjoanense, é um exemplo raro de obra profana de sua pena, segundo Adhemar de Campos Filho e Willy Corrêa de Oliveira, teria sido uma obra com a qual Manuel Dias de Oliveira quis homenagear Tiradentes. Talvez novos documentos possam esclarecer esta questão: qual seria a real proximidade do compositor, como personagem ou apenas uma testemunha muito próxima, da Inconfidência Mineira?
 
'''A morte e o enterro na Igreja de São João Evangelista'''
Manuel Dias de Oliveira morreu no dia 19 de agosto de 1813. Não foi localizado testamento ou inventário, documentos estes que poderiam esclarecer muitas dúvidas sobre sua biografia. ''Aos dezanove dias do mez de Agosto do anno de mil oito centos e treze falesceu de molestia do peito o Capitão Manoel Dias de Oliveira pardo cazado com Anna Hylaria, mestre compozitor de muzica, amortalhado em habito de São Francisco, e aos vinte (...) e hum do dito mez e anno se lhe fez officio (...) com os Sacerdotes, que se acharão a dois coros de muzica, encomendado pelo segundo coadjutor Rdo Bonifacio Barboza Martins e sepultado dentro da Capella de São João Evangelista em cova de numero duas, de que para constar fiz assento que por verdade assignei - O Coadjor João Miz. Lopes''(Toni, 1985 p.150).
 
'''Música para as exéquias de Maria I - “o raro engenho de Manuel Dias de Oliveira”'''
Decorridos três anos de sua morte, Manuel Dias de Oliveira acabou se tornando o primeiro músico brasileiro a receber elogios em um jornal editado no Brasil. Como era a prática adotada então pela Gazeta do Rio de Janeiro, todos os textos permanecem anônimos, não se podendo saber, portanto, quem foi o redator da reportagem. Teria sido ele, um correspondente mineiro, o qual enviou a notícia à Corte, no Rio de Janeiro? É bem provável que o redator da notícia tenha sido de fato um cidadão da Vila de São José, não só pelos detalhes com que descreveu toda a cena das exéquias de Maria I, na Matriz de Santo Antônio, mas também por valorizar o fato de que as homenagens tenham sido feitas por habitantes locais, não só em relação ao compositor, como aos poetas anônimos dos sonetos. Do ponto de vista do estilo, todo o fato relatado compõe um exemplo de ritual barroco já em pleno século XIX, onde toda a opulência é descrita, não obstante ter sido aquele momento de aguda decadência econômica nas Minas Gerais. Eis aqui a eprodução integral deste documento, de acordo com a ortografia utilizada pela própria Gazeta do Rio de Janeiro:
 
''Villa de S. José do Rio das Mortes''
''Chegando a esta Villa no dia 20 de Abril a infausta, e dolorosa noticia do fallecimento da Nossa Augusta Soberana, foi geral a consternação, que sensibilisou a todos os fieis vassalos desta Villa na recordação dos dias pacificos, e da Beneficencia, que toda a Nação tinha recebido de Sua Real Mão, e igualmente na sentida falta de huma Soberana tão cheia de virtudes: logo o Senado da mesma Villa determinou com a maior prontidão solemnisar com a mais crescida pompa as Exequias a S. M.
Fez levantar entre o arco da Cappela Mór hum rico, soberbo, e apparatoso Mausuleuo de 40 palmos de alto, composto de quatro corpos de diferentes figuras, sustendatas em quatro columnas atticas com sua cornija architravada, que corria de columna a columna, com seus ressaltes competentes.
O último banco era de figura pyramidal, e sobre elle estava huma almofada de veludo preto com galão e borlas de ouro, em que descançava a Coroa e Septro de prata. Todo o corpo desse grande Mausoleo era coberto de preto guarnecido de galões de prata e oiro, e os vãos das columnas ornados de festões agaloados com franjas e borlas de oiro. Só este esboço mostra a magnificencia de tão rico Mausoleo. Logo na frente debaixo do primeiro banco se via hum esqueleto com o seguinte distico - ECCE SUMUS PULUIS, SUMUS ECCE MISERRIMA TELLUS, ET NOSTRI FUGIUNTUT LEVIS AURA DIES.
O primeiro banco, assim como os mais, era ornado com tarjas de mortecor, e nos seus escudos se lião differentes emblemas, no primeiro estava hum livro aberto, e hum descarnado com hum ponteiro escrevendo esta sentença de “Job – Quis mihi det, ut exarentur in libro &c.; por baixo se lia esta inscripção – VIRTUS AUREA, QUŒ GENEROSUM PECTUS HABEBAT, - ÆNOMEN AD ASTRA FERET, IMPERIUMQUE.
No Escudo do segundo banco se lia esta sentença – NOBILITAS CUM PLEBE PERIT, NIL POSTEA PRESTAT: - VIRTUS SOLA MANET, OMNIA UMBRA, NIHIL. No Escudo do terceiro banco se lia o seguinte distico – AURIFODINA TIBI REGNATRIX, FLETUS MINISTRAT, TE VIVENTE OUANS, TE MORIENTE DOLET. Havião quatro esqueletos sobre os pedestaes fronteiros a cada columna, dois á vista da porta principal da Igreja, e dois fronteiros do Altar Mór, cada hum delles com lenços pendentes das mãos, em que se lião varios disticos latinos analogos ao objeto. Nos seus pedestaes estavão escritos varios Sonetos, producções dos engenhos da mesma Villa, que em mudas vozes lastimavão a saudade de usa soberana. Suspenso no florão doirado, que sevre de ornato ao feixo do tecto da Capella Mór cobria todo o Mausoleo hum pavilhão, do qual sahião quatro cortinas que prendião as pilastras dos retabolos da Capella Mór. As horas competentes, depois de quebrados os Escudos, principiou o Officio com assistencia do Senado, este Acto se fez mais pompozo pela armoniosa musica a quatro córos, composta pelo raro engenho do Capitão Manoel Dias de Oliveira. Ainda a Missa Solemne seguio-se a Oração fúnebre, foi Orador o Reverendo Manoel Joaquim Ribeiro, Professo na Ordem de Christo, e Professor em Filosofia, tomou por Tema de sua Oração – “Mortua est ibi Maria, et sepulta in eodem loco” – tirado do Liv. dos Numeros, Cap. 20 V. 1º. E dividido o seu Discurso em duas partes, na primeira mostrou que a Nossa Soberana foi Grande sobre seu trono, e na Segunda mostrou que foi Grande no seio da Religião, alegorisando da morte da Irmã de Moysés por nome Maria, e prantiamento de todo o Israel para a morte de MARIA I pranteada igualmente pelo povo Portuguez na Corte do Rio de Janeiro. Seguirão-se depois a Encommendação do Tumulo com quatro Dignidades, e nesta Acção os dois Regimentos de Infantaria e Cavallaria estacionados no grande adro da Matriz, com todo o instrumental, derão as salvas do costume'' (Gazeta do Rio de Janeiro, 12/6/1816).